Factos intrigantes de um país que tem rumo

Falta-nos respeito, sensibilidade e solidariedade enquanto vivos, que depois queremos oferecer aos mortos, quando estes não precisam dela.

Por Ramiro Aleixo

Por via das redes sociais, chegam-nos todos os dias informações chocantes que dilaceram famílias e chocam a sociedade. Num dia, um jovem suicidou-se e deixou mensagens que reflectem efeitos de traumas, uma grave depressão, desilusão, saturação que pode estar (ou não) associada também ao consumo de drogas, de acordo com um áudio divulgado por um amigo que até se predispôs ajudá-lo. Noutro dia, mais um caso, o de um(a) jovem que se jogou de uma pedonal, quando uma viatura ia a passar.  

Embora não seja oficial, circula também informação que nos dá conta que num só mês ocorrem cerca de 60 casos de suicídio de jovens, média de dois por dia. E como os dados oficiais andam quase sempre à reboque do ‘paralelo’, os números reais podem até ser mais elevados e reflectir-se nas enchentes que se veem nos cemitérios. E se a estes juntarmos os casos de homicídios, das mortes por doença, dos que resultam da sinistralidade nas nossas estradas, a conclusão a que podemos chegar é que se morre demasiado em Angola. E parece-nos que achamos que isso é normal! E infelizmente ainda, nós não discutimos isso. Em vez da vida, somos pelo politicar, pelo bajular, pela defesa do indefensável… 

Por que razão se morre tanto em Angola? Essa é a questão sobre a qual nos devemos debruçar, embora as causas estejam identificadas e o que falta são soluções.

Enquanto somos tocados por esses casos de suicídios e homicídios diários, o assunto que domina a nossa actualidade, não é esse, a causa da morte de inúmeros jovens. Cerca de 700 por ano. É o ultimato de 30 dias que se fez aos comerciantes que vendem cigarros com sabores, para que os retirem do mercado. A decisão, até pode ter sido bem tomada, para salvaguarda da saúde pública. Mas, intriga parte da sociedade, porque não se observa o mesmo procedimento em relação a outros produtos que atentam contra a saúde humana, com algum ênfase para os famosos pacotinhos de bebidas espirituosas, cujo consumo envenena e mata, lentamente, sobretudo, o estrato juvenil que nem tem tempo de transitar para a idade adulta.  E num tom meio irónico, mas reflectindo o que é verdade e o que é a nossa realidade, aqui mesmo, nas redes sociais, alguém questionou porque não se toma idêntica medida em relação à cocaína e a liamba (?), que têm efeitos bem mais danosos, e que é comercializada quase que, livremente (é só acompanhar o caso Man Gena)? Provavelmente, porque são drogas já criminalizadas à luz da legislação nacional e disposições jurídicas internacionais, apesar do aumento do consumo comprovado. E já que estamos aqui, pelos vistos, as acusações sobre o envolvimento de várias figuras afectas ao Ministério do Interior no tráfico e comercialização de drogas, apesar de gravíssimas, caíram no esquecimento? O bandido é (só) o Man Gena que por enquanto até está longe e por lá até pode ser apagado?

A ausência de debate público também sobre essa matéria, reflecte não só a insensibilidade da Nação por um lado, do poder que controla e comanda os órgãos de comunicação públicos e é responsável pela definição de políticas e acções protectoras dos seus cidadãos, mas, por outro, que continuamos a não dar à vida, o nosso bem mais sagrado e não renovável, a importância e o respeito que ela merece. Tanto que, regra geral, os nossos óbitos encerram com comes e bebes à fartura a pretexto de que é tradição e no final, cada um dos ‘convivas’ regressa à casa arrotando. E não poucos, nem sequer sabem quem era ou como se chamou o defunto. E como a fome e a miséria que castigam inúmeras famílias é tão acentuada, há até quem, como nos aniversários e casamentos, ainda se sente no direito de recolher supostas sobras para levar para casa, continuação do jantar, do mata-bicho e do almoço do dia seguinte, por conta de um morto que às vezes não tinha o que comer ou morreu por falta de dinheiro para fazer consultas e comprar medicamentos. E a sua família depois acaba abandonada à sua sorte. Falta-nos respeito, falta-nos sensibilidade e solidariedade enquanto vivos, que depois queremos oferecer aos mortos, quando estes não precisam mais dela.

Mas, o que se passa afinal connosco? Porque mudamos ou regredimos tanto? Porque nos tornamos tão insensíveis, indiferentes e alheios ao que passa ao nosso redor? Não temos coragem nem discernimento para perceber que por essa via seguimos para a autodestruição?

Um Estado que não sabe defender a reserva da sua própria existência, sobrevivência e segurança, é porque falhou. E no nosso caso, redondamente, fracassamos! Alguém ainda tem duvida que falhamos?  

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