Temos tudo para dar certo. Só precisamos de assumir o nosso papel na mudança que queremos, e que Angola precisa, para cumprir o que consagra a sua Constituição no seu Artigo 1.º, começando por nós próprios, e exigir dos demais, em redor!

A Constituição de Angola expressa no seu Artigo primeiro:
TÍTULO I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Artigo 1.º
Angola é uma República soberana e independente, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade do povo angolano, que tem como objectivo fundamental a construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social.
Muitas perguntas ocorrem, certamente, da simples leitura deste 1º artigo da Constituição. Uma delas, terá a ver com o sentido/significado de Constituição e da sua importância para cada um de nós e para todos nós, enquanto sociedade.
A Constituição é o documento fundacional, fundamental, de cada sociedade, que estabelece a organização e funcionamento do Estado (povo, território e governo), definindo os direitos e os deveres dos seus cidadãos, bem como as regras para a criação e a aplicação das leis. É, também, conhecida como Lei-Maior, porque ela serve como referência, como base, para todo o sistema jurídico e político.
Outro aspecto que, de imediato se destaca, é a identificação das suas ‘bases de sustentação’, nomeadamente “a dignidade da pessoa humana”, e a “a vontade do povo angolano” (numa democracia, é o soberano). O ‘cada um de nós’ contribuindo para a construção do que possa constituir-se, em cada caso, em cada momento, como ‘a vontade de todos nós’.
A grande questão é, em minha opinião, a seguinte: como colocar o ‘cada um de nós’ ao serviço do bem-comum, da vontade de todos?
Implícita nessa equação está o conceito de Cidadania, quando para além de referir a condição de membro de uma sociedade política, que implica direitos e deveres, e a capacidade de participar na vida política e social do país, complementa reconhecendo que todos os indivíduos são iguais perante a lei e têm o direito, e o dever, de participar na tomada de decisões que afectam a sua vida, a sua comunidade e a sociedade em que vivem.
Se o objectivo é o da construção de uma sociedade livre, justa, democrática, solidária, de paz, igualdade e progresso social, assente nas bases de sustentação acima identificadas, e se o caminho faz-se caminhando, como nos lembram provérbios em praticamente todas as línguas, então temos na Constituição a consagração do direito, e do dever, de todos nós, contribuirmos para essa construção social, participando directa e/ou indirectamente para o alcance desse desiderato.
A capacidade de intervir em defesa, e na construção, de um Futuro de Bem para Todos pressupõe Cidadania. Mas uma Cidadania que se preocupa, que se mobiliza, que age. E esta Cidadania Activaimplica participação. E a participação pressupõe a instituição e o acesso e uso efectivo, e universal, dos diversos tipos de direitos, como:
• de liberdade de pensamento e de expressão;
• de acesso à informação,
• de imprensa livre e de condições de acesso a uma comunicação isenta;
• de liberdade de associação e de reunião;
• de protecção da intimidade e da privacidade, e da integridade pessoal;
• de liberdade de ir e vir, de usar os espaços públicos, e de se manifestar;
• de pedir contas sobre a gestão de assuntos públicos pelos poderes instituídos; entre outros.
Entre estes outros, e no âmbito desta Cidadania Activa, podem citar-se:
• a influência sobre os processos de tomada de decisão e sobre a preparação e implementação de políticas públicas (que não sejam, apenas, políticas de governo);
• o recurso a espaços e a actores para articulação e mediação da acção colectiva e do diálogo entre os cidadãos, as suas organizações (sociedade civil enquanto espaço para a acção política dos cidadãos), o Estado e o Mercado.
A criação destes espaços/oportunidades de participação, aos diversos níveis e sobre os mais diversos assuntos de interesse público, permite reforçar a democracia pela prática reiterada, pela percepção dos resultados pelos que nela participam, porque estimula o desafio à lógica dominante, porque amplia os espaços públicos através da diversificação dos actores, dos temas e dos discursos, porque promove oportunidades para a troca de informações, de experiências e de conhecimentos, permitindo uma compreensão mais ampla dos problemas e uma melhor identificação das possíveis soluções para os mesmos.
Mas para isso, é preciso vencer as resistências à participação que ainda prevalecem, principalmente por parte dos poderes instituídos (do Estado), dos órgãos de soberania e de segurança pública (exército e polícia), mas também por parte dos cidadãos.
A promoção desta Cidadania Activa passa, em primeiro lugar, pela afirmação individual de cada um como “sujeito da sua história”, lutando pela criação de oportunidades de acesso a, e uso efectivo de, bens colectivos e serviços públicos universais, incluindo a participação na definição da Visão para a “Angola que queremos” e as estratégias para lá chegarmos.
Para isso, é preciso considerar:
a) A preparação para debater as questões de interesse público, e intervir junto das instituições do Estado (para adequação das políticas às necessidades da população, tornando-as efectivamente ‘públicas’), e das organizações do mercado (para adequação da cadeia de produção-transformação-distribuição às necessidades da população);
b) A valorização da organização dos processos horizontais (em rede) de participação e de debate das questões de interesse público, da atribuição dos mandatos de participação, e da posterior devolução aos colectivos/redes;
c) A doação de tempo, de conhecimentos e de habilidades para promover e fazer funcionar mecanismos de organização e articulação entre cidadãos, organizações e redes da sociedade civil.
Perante tudo o que vem acontecendo em Angola, desde:
– o recuo de todos os indicadores sociais que se reflecte no aumento da pobreza e das desigualdades sociais, na destituição, na fome (que não é relativa), nas doenças associadas à pobreza (como malária, tuberculose, cólera, entre outras);
– o recuo em praticamente todos os rankings mundiais no que se refere aos indicadores dos direitos políticos e civis;
– a carência de bens e serviços públicos para transformar o potencial dos nossos recursos, começando pelos recursos humanos, a nossa maior riqueza, em realidade;
– o fenómeno crescente da fuga de angolanos, essencialmente jovens, em busca de uma vida melhor para si e suas famílias, entre outros, há várias perguntas que exigem respostas:
- O que está consagrado na Constituição é para valer, ou é apenas para constar?;
- A nossa experiência indica que é para constar; daí a exclusão do povo, dos cidadãos individualmente e dos seus colectivos, dos processos de decisão, da definição de prioridades, da construção da Visão, da paz, da angolanidade, de tudo, enfim… querem-nos quietos, obedientes, bons pagadores de impostos e ‘votadores’ (já que nem eleitores conseguimos ser, porque para eleger temos de escolher, e para escolher temos de conhecer… e a [falta de] educação está aí para garantir que assim continue!);
- Perante a negação dos nossos direitos e deveres de cidadania, cabe-nos ‘acordar’, sair desta letargia, deixar de dizer que ‘está tudo bem’, e exigir as mudanças necessárias para transformar esta dura realidade em que nos encontramos ao fim de 50 anos, apesar do extraordinário potencial multimensional de Angola.
Temos tudo para dar certo, só precisamos de assumir o nosso papel na mudança que queremos, e que Angola precisa, para cumprir o que consagra a sua Constituição no seu Artigo 1º, começando por nós próprios, e exigir dos demais, em redor!
09 Maio 2025
