Trabalho encomendado

JAcQUEs TOU AQUI!

Jacques Arlindo dos Santos

“Você não precisa ser um expert para tentar”.

 Michael Bloomberg

Por Abril de 1997, assinei com o título acima, uma crónica dada à estampa no saudoso semanário “Agora”. O texto dava conta do “trabalho” de um jovem delinquente. Engajado num grupo constituído por ele e mais cinco comparsas habilitados, ganhavam a vida roubando, encobertos pelo breu das noites e em espaços precariamente iluminados. Utilizavam técnicas já sofisticadas para a época. Alvos preferenciais da sua acção criminosa: viaturas cujos proprietários, à hora em que os crimes se perpetravam, se encontravam, principalmente nos dias da semana de trabalho, no melhor dos seus sonos. 

Tratava-se de trabalho sujo, realizado quase sempre a coberto da escuridão, nunca antes do raiar dos dias, característica temporal propícia à actividade subterrânea do crime. Uma particularidade do submundo perigoso que já era Luanda, a eterna capital do crime organizado. 

A tarefa respondia a encomendas feitas por gente “que mandava peso”, pessoal que não podia dar a cara. Tratava-se de pessoas importantes que alimentavam hobbys tais como a posse de carros de reputadas marcas e altas cilindradas (se eram para colecções ou para transacções comerciais, não cheguei a saber). Foi o que revelou o jovem marginal, ao ser apanhado em flagrante delito por um oficial das FAA. O imberbe gatuno identificou-se como natural da Lunda-Norte, facto que desesperou o militar sem sono que manifestou mil vergonhas por ter conhecido naquelas bizarras circunstâncias, um conterrâneo bandido. 

O mal de que padecia o jovem militar, levou-o a uma ronda ao enorme quintal onde estacionavam as viaturas, entre as quais estava, por sinal, a minha, decididamente o alvo da encomenda listada na acção abortada.

Este assunto vem, de certo modo e a propósito de certos acontecimentos ocorridos aqui na cidade capital, neste período de campanha eleitoral a fazer-me pensar nesse tipo de “encomendas”. São várias as que são feitas e que se vão concretizando uns, outros não, um manancial de trabalho sujo que enoja, sabendo-se apenas que tal como acontecia com os marginais de 1997, os actuais (não deixam de ser marginais) fazem-no também por encomenda de “gente que manda peso”, tendo como objectivo, não nenhum hobby aparente, mas simples vantagem política. Submergem então, no meio de um confusão inusitada e jamais vista em pleitos anteriores, movidos por opções políticas que ignorando o país e as suas populações, promovem suspensões por arruaças, libelos radicais e inflamados, tintos de um certo radicalismo verbal, com um racismo camuflado onde se fala de puros e genuínos, sem qualquer moderação nos extremismos e na retórica, supostamente a defenderem um certo vigor revolucionário. Uma tristeza, terrível decepção para um povo que luta há muitos anos pela liberdade e pela democracia. 

Uns dão mostras de tentar sair desorganizadamente da linha equilibrada dos seus partidos, e outros, disciplinadamente, aceleram ideias e acções inéditas mas pouco convincentes para este tempo historicamente difícil em que o sentimento de direito e de pertença se banaliza e faz com que não nos apercebamos que a realidade em que vivemos é cada vez mais uma ameaça à segurança de todos nós.

Moro nas imediações da emblemática Praça da Independência, vulgo Largo Primeiro de Maio e, no sábado passado, por volta do meio-dia, ao aproximar-me do edifício onde resido, foi-me dado assistir à maior manifestação de motorizadas em desfile, jamais vista e de que me lembre. Um espectáculo que se estendeu em actuação por várias artérias de Luanda e que culminou com um engenho explosivo que paralisou a praça, vindo a saber-se mais tarde, que o desfile motorizado tinha relação com o rebentamento e havia sido encomendado por alguém que não mediu convenientemente as consequências que poderiam advir de tal desfile, absolutamente desnecessário. Desconheço se a encomenda partiu de pessoa que “mandava peso”, mas o resultado dessa acção irresponsável passou ao conhecimento público, mostrando para além de um rendilhado de atitudes menos nobres, a sua parte mais trágica, com o registo de três mortos. Não sei porquê, lembrei-me dos delinquentes apanhados em Abril de 1997, no quintal do prédio onde eu morava.

Hoje não há vontade para falar de outras coisas nem tempo para mais. Despeço-me dos meus leitores, com o desejo de uma boa semana. Espero por todos no próximo domingo, à hora do matabicho.

Luanda, 30 de Julho de 2022 

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