Nem tudo está mal (parte III – fim)

JAcQUEs TOU AQUI!

Jacques Arlindo dos Santos

“Existe apenas um bem, o saber, e apenas um mal, a ignorância”.

 Sócrates

Tentei, nos textos anteriores, evidenciar do modo que sei, várias situações da nossa actual vida em sociedade, na qual me parece que o Executivo, aparentemente, se encontra a caminhar bem. Mas não deixei de referir as outras que estão declaradamente mal, nalguns casos muito mal mesmo. Não é necessário ser perito para avaliar bem esses casos. 

Diferenciar o bem do mal é uma das missões a que me propus ao preencher semanalmente esta coluna de crítica social. No meu modesto entender, as coisas boas merecem referência por representarem sempre melhoria e de algum modo contribuírem para a elevação do nosso ânimo e determinação em manter-nos vivos. São, inegavelmente, mostra de crescimento, por muita vontade (quase sempre justificada) que se tenha de admitir o contrário. Como esperava, a minha empenhada tentativa não correu totalmente bem. Julgo que o meu discurso não foi bem interpretado. Existem, são por demais conhecidas e em número razoável, razões objectivas que levam camadas da população a desconfiar das boas intenções das políticas e acções republicanas em curso em Angola. Muitas das motivações são bem fundamentadas.

Na verdade e por exemplo, os entendidos em matéria de saúde defendem que a “dinheirama” gasta recentemente em hospitais de primeira linha dava perfeitamente para erguer centenas, muitas centenas de postos médicos bem equipados pelo país inteiro e desse modo servir melhor a população. Nunca opinei o contrário mas, fossem quais fossem as intenções governamentais a esse respeito, os hospitais foram construídos, alguns serviços importantes instalados, e não há forma de nos esquecermos que eles existem. Resta-nos esperar que uns e outros, venham a cumprir a sua missão e que essa não seja apenas a de servir as elites do país. Caso contrário e obviamente, insistiremos no nosso libelo acusatório. 

Quem fala de hospitais fala de grandes fazendas agrícolas, investimentos de valores superiores a cem milhões de dólares, uma área questionada por não ter a ampla serventia desejada, por servirem apenas alguns interesses, ou seja, os mesmos de sempre. E é inevitável que ao falar-se de aeroportos se pense imediatamente no “mono” que se constitui o aeroporto do Luau, segundo é dito, a apodrecer sem nunca ter recebido aviões. E como esse outros que foram sendo construídos aqui e ali, sem regra nem critério. Claramente, sem necessidade. É evidente que existem flagrantes diferenças entre estes e o moderníssimo Aeroporto Internacional Dr. Agostinho Neto. Uma arma apontada para o progresso que vai fazer a diferença e ser elemento importante no aliciamento ao investimento estrangeiro. Que assim seja!

O crescimento do PIB é conjuntural, efeitos da guerra da Ucrânia, diz quem entende destas coisas da economia. Conjuntural ou não, eu só espero que ele se aguente por muito tempo e não deixe de crescer. Que cresça com ele o nível de vida das populações carentes. Há os prós e os contra nesta conjuntura e há, por isso, quem se indigne e diga que só não vê desenvolvimento, quem não quiser ver! Mas, fugindo dessas controvérsias, eu penso que o grande problema da governação do nosso país consiste no facto de estar praticamente sufocada e dependente da organização política que a sustenta. É, por isso, líquido deduzir-se que, nas actuais condições, seja muito difícil progredir satisfatoriamente (o nível de crescimento alcançado em quatro décadas é demonstrativo). Sou, por essas circunstâncias, adepto de uma medida que torne importante anunciar-se o fim de ciclo do consenso multipartidário em vigor. Mais do que nunca, torna-se absolutamente necessária e urgente a implantação das autarquias locais e retirar o domínio partidário sobre o aparelho governamental (independentemente dos resultados do pleito que se avizinha, deverá ser preocupação de quem venha a ser governo). Chegou a hora dos partidos políticos valerem-se dos seus próprios recursos e não sobreviverem à custa do Estado e, naturalmente, dos contribuintes. A lei determina com rigor o nível de apoio a que têm direito.

Resultariam dessa atitude natural mas necessariamente corajosa, exigências tais como a incontornável revisão da CR, há muito no topo das preocupações da sociedade, seguida de actos ainda ausentes e responsáveis pela promiscuidade que conhecemos, um elemento prejudicial do desenvolvimento estruturado de qualquer governo dito democrático e inclusivo. Não é segredo para ninguém que esta enorme ausência tem provocado situações opressivas vindas de práticas calcinadas pela antiguidade, mais acentuadas, por motivos óbvios, ao longo do mandato governamental prestes a terminar, nomeadamente: a eleição do CNE, o TC e as suas decisões (algumas a beirar o patético), o MAT e a lista dos morto-vivos (uma aberração), a contagem dos votos em Luanda, o número de observadores autorizados e, naturalmente, a vergonhosa actuação da mídia estatal. Não tenhamos pejo em aceitar a realidade dos factos. 

De resto, fica clara para qualquer cidadão avisado, a insensata utilização pela classe política no poder, deste princípio explícito e redutor posto em prática: quando tens tudo sem que ninguém te impeça, deixas de precisar de pensar, porque tudo o que te beneficia é normal.

Com o devido respeito que todos me merecem, direi, não obstante, que deste mal são atacados grande parte dos responsáveis do partido maioritário, espalhados pelo país e os muitos directores e PCAs de empresas e instituições públicas em funções. A sua interferência na acção governativa é indesmentível. Condenável a todos os títulos, obriga a que o país esteja decididamente mal. Chamem-me sonhador, pouco importa, mas registem o meu pensamento. Incuta-se nesses agentes e funcionários públicos, a noção milenar de que o poder corrompe, e a verdade reveladora do facto de os oportunistas desaparecem de cena ao verem-se na oposição. É realista a ideia de que para bem de todos os angolanos, será inevitável vermos este cenário num dia qualquer, porque a desordem não pode durar eternamente. Para bem do nosso país, é necessário que se pense melhor o seu futuro.

Virá depois, um dia qualquer, a parte difícil, o exame final, a prestação de contas do dinheiro que se gasta sem contenção, pois os cidadãos estão atentos e preparam-se. Hoje ou amanhã, surgirão os peritos que vão esclarecer e dizer ao povo o que está ou esteve bem e o que está ou esteve mal contabilizado. Eu tenho para mim esse cenário como infalível. A Justiça cumprirá um dia, final e cabalmente, a sua missão. É dessa convicção que me vêem alguns lampejos de critério a aconselhar-me. Então aviso que esta não é a hora nem o momento de se criar a famosa, a forte e ansiada burguesia nacional. Essa terá sido identificada em tempo útil e, por sinal, deu-se mal na primeira mostra. A emergente de agora poderá estar a correr o risco de ser despojada do que supostamente já terá acumulado. Fortifique-se sim, com regras e incentivos dignos a classe média angolana e favoreça-se decididamente a outra, a classe mais desprotegida do nosso povo. Deixem de ser alimentados sonhos milionários que toldam a mente dos jovens e dos lunáticos. Ponham os pés no chão, vivam bem, o melhor possível, mas, por favor, esqueçam vidas do tipo Aristóteles Onassis de ontem ou de Bill Gates e seus pares de hoje em dia. A menos que ganhem honestamente o que sustenta esse tipo de vida.

Por hoje é tudo. Na expectativa duma campanha eleitoral decente, despeço-me de todos os meus leitores. Aguardo-vos no próximo domingo à hora do matabicho.

Luanda, 23 de Julho de 2022 

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