O POSTE MIJOU NO CÃO

ZOOM DA TUNDAVALA 

A aplicação e o cumprimento da legislação ambiental, geralmente bem elaborada ou “copiada” de outras latitudes, esbarram sempre nos intrincados esquemas montados

POR AIRES ALMEIDA

Quando as coisas acontecem ao contrário, fora do padrão, ou do que era expectável, é natural que dêm lugar ao espanto, à incredulidade ou à indignação, por desafiarem a lógica ou por estarem afastadas da normalidade. 

Primeiro Episódio

Geraram muita estupefacção, e por isso não faltaram reacções às declarações da senhora ministra da (falta de) educação quando, ao sabor de um café CIPRA (nova marca no mercado), se dignou afirmar, para quem, de facto, a quis ouvir que, “os que foram não fazem falta”. Ao sabor do mesmo café, a mesma voz incentivou, os que cá estão, a ser mais patriotas. “Os que fazem falta”, os que cá estão, foram incentivados a dizer a ela, ministra do saber, que há falta de escolas, que muitas, muitas escolas, não têm condições, não têm carteiras, nem água corrente, que as crianças defecam ao ar livre, onde as águas estagnadas são criadouros de doenças, que há falta de professores e são mal remunerados… e, mais não disse a senhora ministra, porque se subentendeu, das suas palavras, que ela queria que se lhe dissesse exactamente o que ela sabe. Mas que fosse dito cá, na terra. Por quem faz falta, segundo ela.

Entusiasmados com o incentivo dado ao sabor daquele bom café, os que cá estão, os que fazem falta, aproveitaram a deixa e, com o peito cheio de ar, organizaram de seguida uma marcha. Pacífica. Ninguém foi para lá armado com varapaus ou quaisquer outros artefactos que pudessem ser considerados perigosos.  Nem se fizeram ameaças de qualquer natureza. Afinal, pretendia-se, através das vozes que se haviam de fazer ouvir, e dos cartazes que se queria que fossem lidos, que a senhora ministra soubesse que eles, jovens, estudantes, que estão cá e supostamente fazem falta, o que querem é, um ensino melhor para todos. Tão simples como isso.

No entanto, o que se viu, foi o oposto do que a senhora ministra propagou. Em vez de poderem expressar as suas inquietações, em vez de terem tido a oportunidade de dizer o que tinham para dizer, os que fazem falta, que não sabiam que a conversa da senhora ministra era, afinal, um presente envenenado, foram silenciados, a marcha foi dispersada, manifestantes reprimidos, detidos… Não estavam autorizados a fazer marchas. Nem a exibir cartazes. Nem a falar. Talvez porque a senhora ministra se deve ter esquecido de dizer, quando tomava o seu saboroso café que, os que fazem falta, só lhe podem dizer o que convém, o que interessa, mas, se estiverem autorizados. Sem autorização, nada feito. É ilegal, apesar de não ser, logo, não é permitido, por isso reprimido. E, para isso, está cá quem faz falta: a polícia, sempre pronta a fazer cumprir a lei, que não diz que é preciso estar autorizado!

Portanto, o poste mijou no cão!

Segundo Episódio

Ao longo destes cinquenta anos de nação independente se vêm manifestando, aos mais diversos níveis, as preocupações com o meio ambiente, desde os relacionados com as lixeiras em que se transformaram algumas cidades, senão todas, com maior destaque para o maior centro populacional do país, onde lixeiras e águas putrefactas convivem com as pessoas, ou umas com as outras, até às “plantações de plásticos” que proliferam por todo o lado.

A desflorestação e a desmatação têm sido objecto de inúmeras análises e até comparações e imagens por satélite já foram exibidas, demonstrando o grau terrivelmente assustador de destruição de matas e florestas naturais, que vai por esta Angola. Diariamente, são eliminadas da vista de todos, milhares de árvores e arbustos. Basta dar uma volta pela província da Huíla e, quem viu e conheceu o que foi, num passado muito recente, fica chocado com o que é hoje a paisagem, seja para quem viaja do Lubango para a Matala e Cuvango, para a Chibia em direcção ao Cunene e verá, certamente, o desastre que é na zona da Tundavala ou o que está a ser já na Serra da Leba. Só para falar cá da banda. Uma catástrofe que ocorre ante o olhar silencioso, impávido e sereno de quem deve ver o que se está a passar, mas parece fazer de conta que está tudo bem. Viajar por qualquer estrada do país, é ver as pilhas de sacos de carvão que se perfilam por centenas, milhares de quilómetros, num claro sinónimo do “crescimento” da indústria do carvão, que galopa na mesma proporção da desgraça e da miséria das pessoas que fazem dela o sustento do dia a dia. E há um desastre por anunciar às gerações vindouras.

Vezes sem conta se ouviram pronunciamentos vindos mesmo dos mais elevados escalões do poder, manifestando preocupação e muitas vezes afirmando o compromisso da governação em relação aos problemas ambientais e com o clima. Vai-se ouvindo falar das energias renováveis e limpas, porque se ficaria mal na fotografia que se tem de exibir lá fora, não acompanhar o que os outros dizem e fazem, especialmente os muito atentos europeus para com estas causas.   

Fica-se até com a impressão que, só os medalhados mangais continuam a posar para a fotografia porque outros, como os do Lobito, estão atirados à sua sorte ou são mantidos à custa de boas vontades e, coitados dos flamingos, nem se sabe como ainda sobrevivem por lá. 

Os problemas ambientais não se ficam pela desflorestação. São muito mais que isso, são muito sérios e preocupantes. O tratamento de resíduos sólidos e a reciclagem são miragens, meras histórias de encantar e para adormecer criancinhas. Como pouco ou nada se fala da poluição do ar, das queimadas anuais que tudo destroem, e por aí vai. A própria cidade/província onde se localizam todos os poderes, tem problemas ambientais muito sérios por resolver há décadas. E é lá onde habita um ministério, já apelidado “da mixa”, que não se sabe o que faz pelo ambiente, salvo pronunciamentos de conveniência e de circunstância, e a aplicação de multas milionárias.

A aplicação e o cumprimento da legislação ambiental, geralmente bem elaborada ou “copiada” de outras latitudes, esbarram sempre nos intrincados esquemas montados e, obter uma licença ambiental, altamente exigível por lei para muitos projectos, é da mais elevada complexidade e custo e, sem o recurso à “mixa”, nada se consegue.

E é neste cenário, que nada tem de ficção, que se ficou a saber que a senhora ministra do ambiente afirmou, recentemente, num fórum realizado num Kudomundistão qualquer, que “Angola vai contribuir para a conservação dos glaciares”. 

Sem mais conversas: a senhora preocupa-se com os problemas ambientais do país do qual ela é ministra do ambiente? Ou, efectivamente, o poste mijou no cão?

Haverá outras mijadelas.

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