O apagão político de um brilhante epifenômeno — Adalberto Costa Júnior

O que se passa com o bom senso de Adalberto Costa Júnior essa qualidade que Descartes dizia ser a mais bem distribuída de todas? O que se passa com a coerência política de um homem que prometeu “mudança agora”? 

Lazarino Poulson

O Estado  angolano fez de Adalberto Costa Júnior (ACJ), um promissor líder do maior partido da oposição destinado a não ser mais do que um fogacho no fogo-de-artifício da História angolana, como foi Samakuva ou Abel Chivukuvuku, para um fenómeno de popularidade só equiparado ao memorável Jonas Savimbi, por conta das duas suas inegáveis qualidades pessoais e da polémica destituição  da liderança do seu partido.

Agiram contra as regras do bom senso, os Juizes Conselheiros  do Tribunal Constitucional quando votaram a favor da sua destituição, provocando um extremar de posições que tornou  a fractura da sociedade angolana irreversível, a relação de metade da população  contra o poder político impossível de conciliar e o futuro uma incógnita.

O conceito de bom senso foi cunhado na nossa civilização greco-romano-cristã, com Aristóteles a referir-se à frônese –  justa medida, bom senso ou virtude do pensamento prático — assente em dois elementos essenciais para alcançar uma vida feliz, o discernimento e o equilíbrio. É essa a essência do bom senso, sabedoria prática que leva os homens a escolher o caminho certo para uma vida feliz. O regime angolano  não usou de discernimento suficiente para atingir o equilíbrio. Tiveram pouco senso ANTES DAS ELEIÇÕES. 

Já o Brasil, em tempo de prisão de Lula, é outro caso de falta de senso. Não sei nem me cabe saber porquê, mas um país mergulhado na corrupção, que é um continente e tem todas as riquezas do Mundo, um país onde a justiça se apoderou da política, as ruas cada vez mais inseguras e a prisão do antigo presidente dividiu a opinião pública e ameaçou  levar insurreição às ruas (e às fardas?), esse país, para dizer o menos, tem falta de bom senso. E hoje o Lula está de volta perto de fazer, de novo, história, arrebatando,  outra vez, a Presidência da República. 

Recorro neste ponto a Descartes, que já citei: se a todos foi distribuída em doses iguais a capacidade de ter bom senso, não basta possuí-lo, ser racional e bondoso, é essencial usar bem essa capacidade para atingir o equilíbrio. E se não houve no Brasil equilíbrio, se a vida quotidiana se pauta por excessos e florilégios verbais, é porque os brasileiros, da decisão individual à colectiva, escolhem trilhar caminhos que privilegiam os seus interesses individuais, a ganância e a cupidez, fazendo escolhas erradas. Andam depressa de mais e afastam-se do método e da paciência que, diz também Descartes, permite juízos mais correctos.

ACJ  e a UNITA/FPU são, por estes dias em Angola, um excelente exemplo de pouco senso e de incoerência abominável. Depois de mais uma ruidosa contestação eleitoral — com acusações fortes contra os actos jurídicos de instituições públicas e estaduais (a Comissão Nacional Eleitoral e ao Tribunal Constitucional, principalmente)  de nós cabem quase todos os erros de discernimento possíveis, da pressa excessiva ao discurso de meias  palavras, da errada utilização dos novos meios (neste caso, do Facebook) à violação da regra de senso não apenas bom mas comum de que se deve elogiar em público e criticar em privado, sem esquecer outro preceito de bom senso: fazer um inimigo de cada vez (quanto mais todos!). Mas talvez o líder da UNITA/FPU  devesse recordar sobretudo a máxima de Sun Tzu: “Quem sabe quando pode lutar e quando não pode, vencerá”.

O ACJ perdeu a oportunidade de ser a ansiada alternância de mais de metade da população angolana e preferiu aderir com relativa facilidade (cabisbaixo” e “envergonhado) às instituições do Estado que têm direito pelas eleições, sem um “reconhecimento formal” dos resultados eleitorais que tanto contestou.

Ressabiado, ACJ não compareceu à investidura do presidente da República eleito. Mas nos  dias subsequentes, tomou posse na Assembleia Nacional, no Conselho da República e foi “apertar a mão do presidente da República que não reconheceu  pública e formalmente”. 

Poderia dar aqui dezenas de exemplos da falta de bom senso e de incoerência política deste notável orador,mas limito-me a referir mais três, de natureza distinta e unidos apenas pela falta de bom senso e incoerência: ACJ  fez -se notável no FB, o que já o levou a ser o líder da oposição com maior número de seguidores nas redes sociais, mas também, neste meio de comunicação não reconheceu o poder político que abraçou depois de contestar energicamente; as televisões angolanas não o admitiram convenientemente nos seus espaços de antena, em directo ou em diferido, sendo combatido até à exaustão nos  painéis de comentários a rasar a insanidade e, entretanto, clama todos os dias para ser entrevistado; Falou em evitar um banho de sangue se levasse o povo à rua, mas esqueceu-se que há outros métodos mais subtis, pacíficos e também eficazes, como a greve de fome e as vigílias, que, criteriosamente,  não os mencionou nem os utilizou na sua suposta luta democrática. 

E há, claro, o papel do radicalismo em tudo isto, a suprema insensatez. O radical hoje já não está só nos bajuladores ao serviço do poder ou nos activistas extremados, que são cada vez mais correntes, já não radica em posições radicais como os das revoltas populares, as políticas de cadeiras vazias, cada vez mais recorrentes. Não é o politicamente correcto, que obriga à auto-censura. Mesmo os antigos tabus, soluções impossíveis de aceitar em sociedades cristãs, tornaram-se habituais, já não provocam motins, moções de censura, opróbrio popular; é o caso das manifestações de rua, das vigílias, das greves de fome, das paralisações dos sectores vitais da actividade económica e social, etc. 

O novo radical situa-se hoje na sociedade. O que cada vez mais é encarado com desconfiança é o discurso engajado, a procura do equilíbrio, a rejeição do maniqueísmo. Nunca como hoje a não pertença a uma organização da sociedade civil, a um grupo ou partido, foi tão necessária para os angolanos que não se sentem parte de alguma coisa existente e como tal, mal protegidos. Nunca como hoje, a independência tornou os homens e as mulheres  do nosso país tão alegres, livres e soltos  — daí o índice elevado de abstenção. 

Quem não é da UNITA/FPU, do MPLA,  ou de uma organização da sociedade civil; quem não pertence à maçonaria ou outro grupo semelhante; quem não milita no PHA, PRS, FNLA; quem não pode reivindicar pertença a um grupo minoritário qualquer, pois bem, esse será um pária feliz, senão aos olhos dos outros pelo menos aos seus, está  à espera da terceira via. 

Este é de novo o tempo das novas bandeiras. Nas redes sociais (é uma obsessão, reconheço) corre livre o disparate, o insulto e a ignorância. Não está longe o tempo em que exigiremos governar por votação instantânea na Internet, decidindo questões magnas para as nossas sociedades através de um sistema que não será muito diferente dos likes do Facebook e das estrelas com que, cada vez mais, classificamos os serviços que nos são prestados. O tempo da reflexão madura, ponderada, reflectida, informada, chegou ao fim.

São muitas as razões para a morte do bom senso do ACJ e da sua ocorrência política, cada vez mais evidente. O profundo aumento do desequilíbrio entre a oratória e acções, não é decerto o caminho mais correcto para o equilíbrio e a felicidade dos militantes-apoiantes e dos dirigentes da UNITA/FPU. Mas, por que razão os seus dirigentes resignaram-se tão subitamente perante um poder que consideram “ilegítimo”, é um mistério. É difícil de explicar a pressa com que vimos o ACJ a capitular, de que o gesto de fechar a porta a “luta informal”,  carregando no botão para ganhar as benesses das instituições que aderiu. A nova  luta política  mostra até que ponto pode chegar a insensatez do líder da oposição.

Que fazer? Resta continuar a defender o uso reflectido e ponderado do discernimento visando o equilíbrio das decisões e dos seus resultados. Mesmo que isso seja, permitam-nos a expressão, “uma seca”, que não venda, que não receba likes ou partilhas. São opções, às vezes difíceis, mas preferimos ser menos popular e ter menos leitores – ou espectadores, ou críticos, ou fãs – do que escolher um lado, ser do sistema político falido, do MPLA  ou da UNITA/FPU, acolher-nos a um NOVO PARTIDO POLÍTICO, a uma agremiação, tendo,outrossim, de defender as teses propugnadas pela entidade à qual prestaremos vassalagem. Preferimos a liberdade da nossa  própria opinião em busca do caminho certo para uma vida feliz, mesmo que isso nos condene a algum tipo de ostracismo.

Bom senso requer-se. É escasso e valioso. E faltou ao brilhante político ACJ que acabou por morrer na praia. 

Até a terceira via, que se aproxima  a grande velocidade, alea jact est…

• Jurisconsulto (Especialista em Direito Público- Político) e Docente Universitário

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