Os meus palpites

JAcQUEs TOU AQUI!

Kaséxi ó n’dungue ia mukála ricanga

(as habilidades da seixa vêm de longe)

Provérbio kimbundu

Eu, conselheiro que nunca fui, me travisto de pecador e me confesso. Ajoelhado e de mãos juntas, juro por minha honra não ser orientador de nada nem de ninguém. Contudo, como humano que sou, reajo aos efeitos de certas acções, já que a toda a acção corresponde uma reacção. Os ditos extemporâneos lançados ao vento, longe dos seus contextos, mais os gestos que beiram o obsceno, apelam à evocação da Terceira Lei de Newton. A interacção sente-se, desestabiliza ao observarem-se cenas descabidas. Pena é que julgue que esta análise seja precária para o que o suculento tema solicita. Principalmente neste momento em que a economia do país dá claros sinais de alento, com as leis do mercado a garantirem finalmente o início do desejado crescimento económico. Um avanço que resulta do sector não petrolífero da economia, importante revelação, bastante esclarecedora, do Ministro de Estado para a Coordenação Económica, feita em recente entrevista. Vivemos pois um momento de justificada expectativa que dispensa liminarmente o disparate. 

Infelizmente, o que se vê e escuta por aí, é merecedor de forte reprimenda porque constitui desagrado para o mais impávido cidadão. Por isso se parte decididamente para a condenação das atitudes condenáveis. Em tom maior e veemente. No que me toca, ao ponto de me levar ao atrevimento de oferecer aqui, hoje e na minha mesa comprida coberta por toalha branca de renda, neste sítio público onde matabicho aos domingos, os meus parcos e quiçá inúteis conselhos, a quem os queira aproveitar. Seja quem for que os deseje acatar, agirei sem nenhum preconceito. 

Afianço aos interessados, não irei transformar a refeição matutina numa imitação de palestra ou orientação de comício. Compatriotas, acreditem e aproveitem porque, como todas as coisas gastáveis, eu não durarei sempre. Na verdade, estou em tempo de disparar os meus últimos cartuchos. 

Tirando este exercício da escrita, nunca fui de entrar em coisas de dar nas vistas, não sou de me envolver com as luzes da ribalta. Confesso que me falta a habilidade para me movimentar à luz do dia em palcos e palanques e, sobretudo, porque careço da força e da coragem que a idade levou, como levou o à-vontade que nunca tive, daquele que é visto estampado nos rostos dos artistas que, justiça lhes seja feita, conquistaram nome e títulos exibidos vaidosamente como diplomas para enfrentar e divertir multidões. Também me vai faltando a energia e a dinâmica da movimentação, ingloriamente perdidas ao longo dos anos. Estas e outras falências acabam por revelar fraquezas antigas, práticas que vêm da minha educação. Na verdade sempre fui ingénuo, portanto, nada há a fazer neste domínio. As minhas capacidades estão marcadas por tempos de pura ilusão, quando os sonhos pouco lúcidos não incluíam a política. Situavam-se no percurso sobre um fio de arame fino, esticado o suficiente, e, onde simultaneamente, se pendurava roupa lavada, nunca a suja, e se caminhava nele no jeito que o fazem os equilibristas. Nas vontades rascas do meu e de outros sobados do interior limitante, distantes da capital, dos colégios e dos liceus, apenas a ideia de se ser artista em qualquer ofício. Estrela cintilante no futebol, inchar anseios de ver campos relvados com público a vibrar de entusiasmo com as nossas habilidades, seria o máximo.  

Apesar disso posso dizer que os meus pobres palpites, embora míseros de conteúdo, hão-de ter alguma serventia, disso não tenho dúvida. Porém, mesmo que contestem os que percebem destas coisas de influenciar os outros, os experientes em indicar rumos correctos para as grandes massas seguirem, acho que eles, os meus palpites, claro, contêm suficiente matéria para ser aproveitada. Têm, modéstia à parte, um certo valor social, logo, não são de se deitarem fora. 

Sabendo todos como sabemos, que entre as promessas eleitorais feitas em campanha e a sua concretização no decurso dos mandatos ao vencerem-se eleições, vai uma enorme distância; sabendo igualmente que em política o que é verdade hoje se torna numa pegada mentira amanhã; sabendo ainda que se constata com frequência a presença efectiva da utopia na execução dos pactos políticos, aquela quimera que, por má sorte nossa aparece como marca registada das democracias africanas; sabendo finalmente que essa política incoerente é um desígnio a que estamos fortemente amarrados, e ao qual não temos conseguido fugir. 

Certifica-se, sim, que se trata de um problema de África e de outros continentes nessas circunstâncias, o qual obriga a reflectir sobre a eventualidade de tais democracias serem confrontadas com o autoritarismo das suas falanges mandantes. Como será que as sociedades irão reagir? Pergunta-se ainda: será que vão poder aguentar humildemente a situação, quando se sabe que elas, as sociedades, em todos os nossos países enfermos, se apresentam globalmente doentes da cabeça?

Creio não haver resposta pronta e adequada que sirva de amparo mas, enfim, exijamos, aconselhemos que se faça algo de mais sério e positivo. Caminhemos no lado certo da rota e mesmo que nada se afirme contra o que fica dito, sempre direi que a melhor propaganda que um partido político africano ou outro em plena campanha eleitoral, principalmente aqueles partidos que governam e pretendem continuar a governar, deverá assentar em políticas sérias e firmes que podem (devem) desencadear outro tipo de emoções no eleitorado, diferentes daquelas que observamos e sentimos a vibrar no ar.

Os frémitos teriam de partir sobretudo de acções e promessas estribadas em compromissos honestos e corajosos. Missão muito difícil, sabemo-lo bem mas, sigamos adiante. Os cabos eleitorais deveriam, desde logo, ser promovidos a tenentes ou serem substituídos por outros de patente superior, a fim de estarem suficientemente preparados e à altura dos acontecimentos, para que a sua mensagem pudesse sair credível e sustentada por frases e palavras de ordem fortes, onde não se deveria dispensar a gíria, mas com ela a ter cabimento pleno e não o valor de asneiras de carácter político, como lamentavelmente se tem verificado em certos eventos e passeatas.   

Se porventura a acção vingasse, o que, diga-se de passagem, constituiria um fenómeno (os fenómenos também se constroem, se houver vontade), retirar-se-iam desses acontecimentos substanciais dividendos. Sem dúvida nenhuma. Para tanto, bastaria que se anunciassem sob juramento solene, a adopção de medidas de carácter social, com plenas garantias de serem cumpridas. Os resultados do crescimento económico seriam a principal garantia. Pena é que a maioria dos políticos se recuse a jurar, refugiando-se negligentemente em lugares-comuns, quando o conseguem fazer. 

Sendo que (todos sabemos isso) a fragilidade de um país é observada e medida pelo seu sistema de educação e também pela organização da protecção dos trabalhadores e pessoas vulneráveis (saúde, água e luz, segurança social, subsídios de desemprego e de invalidez, etc., sendo ainda sabido que a protecção e segurança não se conseguem sem saneamento básico e vias de comunicação); teria decerto êxito político garantido, o partido que conseguisse, mesmo que os resultados dessas políticas viessem, como teriam que vir (não há como não ser assim), passo a passo mas sem vacilar, sairia triunfante porque no imediato seria posto à prova por outra condição que o povo admira: a capacidade de regeneração dos políticos situacionistas e dos sistemas que defendem (desculpar-se, pedir perdão pelos pecados cometidos revela dignidade e nunca um gesto difícil), ao mesmo tempo que seriam escrutinados favoravelmente o amor à pátria e o respeito pelos seus compatriotas. Para atingir tal objectivo, bastaria que deixassem temporariamente projectos megalómanos (avançar-se-ia apenas para projectos com a envergadura dos Sistemas Nacionais da Educação e da Saúde para todos, que necessitam obviamente de estruturas sólidas abrangentes e, por conseguinte, plenamente justificados) e libertassem para modo de execução prática, os de menor dimensão (ajuste de pensões de reforma e invalidez, com os sindicatos a saírem da sua habitual inércia, comércio geral urbano e rural, agricultura familiar, pequena e média indústria, serviços administrativos e outros sustentados pelas artes e os ofícios, por exemplo) moradores há décadas nos gabinetes e arquivos ministeriais. Evidentemente, tudo no estilo de um Estado Social, o que obrigaria provavelmente à substituição de funcionários por equipas de novos agentes capazes e sem vícios (a militância partidária teria de ser dispensada em larga escala), para serem intérpretes dessa mudança. Assim, ganhariam sempre nos pleitos, sem dúvidas nem contestações, sem recurso a combates de qualquer tipo, recordando-se que, para todos os contendores políticos, o tempo da confrontação física já lá vai, terminou. O povo cansou-se de se digladiar. E ainda mais porque se sabe bem que um qualquer combate, o de box, inclusive, não se resume, é muito mais do que isso, a simples gestos de desferir e encaixar murros.

Termino com uma citação lida algures, que poderá ter cabimento aqui. Segundo a mesma, miséria significa também mesquinhez e avareza, o apego ao dinheiro e à valorização demasiada dos bens materiais. Dou força a esse conceito acrescentando ainda em jeito de palpite, clamando, meus senhores e minhas senhoras, o povo generoso continua firme a desejar o melhor para o país, pronto a ajudar, até no desenho da futura estrutura governamental, se necessário, para a tornar mais funcional. Não tenham medo e não estejam distantes do povo, enriqueçam com boa educação patriótica, saúde, trabalho, unidade nacional, diversidade política e religiosa, e salvem o país salvando-o também da miséria que o maltrata.

Com os meus cordiais cumprimentos, caros leitores e amigos, espero-vos como de costume, no domingo próximo, à hora do matabicho. 

Luanda, 14 de Maio de 2022 

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