O meu Mundo Novo

JAcQUEs TOU AQUI!

No dia em que dei como pronto o texto que segue abaixo, perdi para sempre a minha amada Ana Paula. Com ela partiu parte da minha vida. Pela inevitável dor que vivia, pedi ao Ramiro para não o publicar. Passado precisamente um mês sobre o fatídico 11 de Fevereiro, apesar de tudo o que enfrentei então e, agora perante a (in) esperada tragédia que ameaça o mundo, ganhando de forma dramática consciência de que a vida faz-nos entender melhor a morte, vou reeditá-lo na íntegra. Será uma forma de a homenagear também.

Queiram pois, estimados leitores e amigos, prestar atenção ao texto que vos ofereço, com a promessa de voltar semanalmente ao vosso convívio: 

As flores do campo e as paisagens têm um grande defeito: são gratuitas.

O amor à natureza não estimula a actividade de nenhuma fábrica.

 Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley

Não há como negá-lo. Ando há anos a sonhar com um novo mundo. Que não é, seguramente, nenhum dos idealizados quer por Aldous Huxley quer por George Orwell, dois famosos autores dos quais me aproximei recentemente. Huxley é magnífico e dele transcrevo à entrada desta crónica, um pensamento inscrito no seu admirável livro, sim, “O Admirável Mundo Novo”. Um especialista de quem não recordo o nome, descreveu que nesse local imaginado pelo autor se criara uma sociedade que, aparentemente perfeita, fugia com extrema facilidade de tudo o que podia infligir dor ou sofrimento. O meu novo mundo que dá título à prosa que ofereço hoje, é diferente e também não é igual ao que trata o célebre livro de George Orwell, “O Triunfo dos porcos”, do qual trouxe respingos para esta coluna, há umas semanas atrás. Não é igual, mas certamente nunca se esteve tão próximo desse mundo imaginário criado por Orwell, atrevendo-me mesmo a dizer que, sem darmos conta disso, estamos a viver as suas incidências já com alguma intensidade.

Seguindo conselhos amigos – boas escolhas e melhor leitura –, procurei por Hannah Arendt, a filósofa política alemã que acabou por se tornar cidadã americana nas muitas voltas que a sua vida a obrigou a dar, interessou-se profundamente por variadas questões urbanas, tais como a exclusão social dos judeus e a emancipação da mulher na vida pública. Foi defensora do princípio de que a cidadania é o primeiro dos direitos, “o direito a ter direitos”, tudo isto afirmado em muitos dos seus estudos, tendo num desses trabalhos escrito que “o estado de emergência é elemento fundamental para o exercício da tirania”. Declaração mais que suficiente para me impressionar e ser fundamental na escolha do tema que trago hoje à apreciação dos meus leitores: o meu mundo novo.

Sonhar é fácil. Martin Luther King e Nelson Mandela exprimiram os seus sonhos em frases imortalizadas. Eu também tenho direito ao meu sonho. E sonho de olhos abertos com o meu mundo novo. Futuro próximo ou longo, alimento um sonho que é meu. Sonho com uma Constituição da República que conceda a qualquer cidadão angolano, a possibilidade de almejar atingir o cargo de Presidente da República. Imagino um Presidente que, depois de eleito legitimamente pela vontade do povo, venha a ser, de verdade, o Presidente de todos os angolanos. Um Presidente que cumpra e faça cumprir rigorosamente as leis gerais e, consequentemente, sem vírgulas a escapar-lhe, a lei magna, a Constituição da República, aquele calhamaço sagrado, de muitas páginas, sobre a qual o candidato eleito pousa, solenemente, a mão direita e, jura fidelidade eterna à Pátria, compromete-se a defender com todas as suas energias o País e todo o povo, quaisquer que sejam as crenças de cada um. Sejam elas religiosas, políticas ou outras. Qualquer que seja a cor da sua pele, quaisquer que sejam as circunstâncias que se vivam. Trata-se do mais sério compromisso que um cidadão pode assumir perante a Nação. 

É um sonho a ganhar força diária na minha mente, apesar de não ter grande base de sustentação. Pouco interessa isso e, por favor, deixem-me sonhar com uma Angola livre e democrática. Não obstante ter noção de que, por mais democrática que seja a Constituição da República, não iria no imediato resolver problemas da fome que rói as tripas dos deserdados da sorte, não mitigará a doença, não resolverá a indiferença que magoa e gira como praga no pensamento de certos dirigentes. O problema das assimetrias regionais manter-se-á, como não se afastará a maldade da cabeça de certos cidadãos. É um sonho bonito, o meu sonho, apesar dos escolhos que se lhe colocam no caminho. Porém, esse sonho vai permitir-me ver alguém, num qualquer dia, próximo ou longínquo, lá bem na frente de todos nós, no nosso caminho, alguém especial que seja patriota e surja verdadeiramente como nosso farol, principalmente em noites de neblina ou tardes de turbulência, iguais aos dias que temos vivido actualmente. Um homem, ou, obviamente, uma mulher, que fale com o seu povo e admita que é com quem é honesto que deve lidar mais; que é com pessoas mais vividas, conhecedoras da história por experiência própria, pessoas que são peças importantíssimas, não apenas neste enorme enredo que é a historicidade de um país como o nosso, que deve contactar. Porque essas pessoas, com o devido respeito pelos jovens cérebros que, felizmente se vão destacando mas são, neste momento, minoria absoluta. 

É evidente que devem ser devidamente aproveitadas as suas capacidades, porém insisto que só a experiência dos conhecedores das perfeitas e mais correctas formas de trabalhar, onde incluo propositadamente a honestidade, de elaborarem os projectos que beneficiem o todo do país e não uma minoria privilegiada; terá de ser ouvida gente que conhece a bitola por onde deve seguir a linha que conduziria a locomotiva da governação a bom termo, fazendo escala em todos os apeadeiros da vida nacional. Porque, para a gente experiente que é patriota, não é difícil separarem-se os honestos dos impuros, porque essas pessoas especiais conhecem-nas bastante bem, mesmo ao longe, pelo percurso que percorreram. E, mais importante do que o resto, têm muitos anos de tarimba do conhecimento de Angola. 

São especiais porque facilmente distinguem um bom governante, um bom director, um bom e competente responsável, de um projecto de chefe, por vezes de um bom farsante. São pessoas que sabem o que é melhor para o desenvolvimento de um país e, como é óbvio, como avançar com cuidado e inteligência para métodos modernos de acompanhamento do crescimento mundial, para que, de facto, se evitem os erros, os gastos inúteis, e se saiba o que é aconselhável fazer para satisfazer, a vários níveis, todas as camadas da população.

O que me leva a sonhar com esse mundo novo, simultaneamente irreal e tão longínquo? Especialistas que leram o “Triunfo dos Porcos” e “1984”, dois sucessos de George Orwell aconselharam a que lesse o “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, um grande visionário do que seria o mundo de hoje, visto há setenta/oitenta anos antes e, deste modo, empurraram-me em direcção à quimera. 

Escrutinando o presente cheio de mentiras grotescas e ofensivas, concluo que não podem caber no compêndio da edificação de qualquer país decente, algumas das acções que se praticam. É uma sensação que nos domina e avisa quando se tem a convicção de que o país merece ter uma democracia limpa e não suja com mentiras que envergonham e gente ao serviço de causas perdidas, que inclua e não exclua, que só tenha olhos para benefício dos seus pares mais próximos. Ao ser eleito, o Presidente da República deixa de ter, para além da sua família directa, parceiros particulares, porque a parceria maior que lhe confere o seu mandato, é aquela a que é obrigado a manter com toda a população da República de Angola.

Não desistirei jamais de sonhar, nunca deixarei de sonhar. Persisto nos meus objectivos, por pior que me pareçam as dificuldades. 

Termino com os votos de que o ano do dragão traga mudanças profundas e benéficas para a humanidade. Que seja um ano de calma, harmonia, saúde amor, para todos. Espero pelos meus leitores, como sempre, no domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2022 

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