É o comportamento das pessoas que define a integridade das instituições e no fim, até a qualidade de vida dos cidadãos. Se continuarmos assim, nem em 2100 teremos pessoas de bem, estrangeiras e nacionais, a aventurarem-se a implementar projectos em Angola.
LARA LENCASTRE
Dizia-me um familiar em 2014: “Eu, abrir uma empresa em Angola? Nem pensar!”. Ignorei-o, porque entendia que num país com tudo por fazer, todas as ideias faziam e fazem sentido. Mas, decorridos 11 anos, a prática do exercício das instituições, sempre no sentido de lesar o cidadão, levou-me a concluir, que esse meu familiar tinha razão. Abrir e manter uma empresa em Angola, com tudo por fazer e necessitando do desempenho de todos nós, continua muito complicado.
Há questões que não são exclusivas de Angola. Em quase todo o lado, são inúmeras as ‘dores de cabeça’ que um empresário tem no desempenho da sua actividade. Mas, em Angola, que precisa de investimento, de desenvolvimento, de criação de empresas para aumento da empregabilidade e com isso, para redução da fome e da miséria, as dificuldades são cem vezes superiores. E a principal ‘dor de cabeça’, chama-se Administração Geral Tributária (AGT).
Criada em Dezembro de 2014, a AGT é hoje comparada pela classe empresarial mas também pelo cidadão comum, como uma ‘Máfia’. Controla tudo e todos. Mas não se controla a si própria, mantendo no seu quadro um grupo de mafiosos de fato e gravata,camuflados de funcionários ao serviço do Estado. Não me vá alguém pôr um processo pelo que aqui afirmo, visto que até a própria ministra das Finanças já veio a terreiro, na Assembleia Nacional, pedir desculpas aos contribuintes, pelos rombos do e no seu pelouro. Também prometeu consequências junto aos órgãos de justiça, mas nessas não sei se ainda alguém acredita. Até porque, não fez nenhuma referência sobre as devidas compensações aos lesados.
Quando ouvia falar de empresas que recebiam multas de milhões, e de outras com as contas penhoradas, perguntava-me o que teriam feito para merecerem tal ‘pastilha’? Agora, sei que não é preciso fazer muito, para se ser alvo do terrorismo de Estado perpetrado pela AGT, ou pelos mafiosos instalados nessa instituição.
Tanto a ética por que nos pautamos na nossa empresa como o pavor de enfrentarmos represálias, sempre nos levou a apresentar Relatórios e Contas de cada Exercício, a responder às notificações, bem como a submeter declarações mensais e a pagar impostos, dentro dos prazos. Estes últimos, nem sempre foram fáceis de cumprir. Não por nossa distracção ou negligência, mas pelo péssimo funcionamento do Portal, a plataforma ‘online’ da Administração Geral Tributária.
Nos últimos anos, o Portal falha independentemente de ser o primeiro, o décimo quinto ou o trigésimo dia do mês. Muitos contribuintes esperam para na calada da noite entrarem no Portal, o que é ridículo, visto que é suposto aceder-se à plataforma durante o expediente. Há quem diga que as falhas residem na falta de pagamento ao provedor do serviço de manutenção, sediado, ao que se sabe, em Portugal.
Em 2024, a AGT mostrou uma eficiência nunca vista, enviando notificações para três anos de rajada. Exigiam todas as facturas recebidas em físico. Caricato, num país onde em instituições estatais ao mais alto nível (Tribunais, Ministérios, Polícia, SME, Administrações Municipais) não há papel, não há tinteiro, não há energia nem gasóleo para o gerador, se existir. Terá o seu Portal pifado de vez?
O que é verdade, é que a AGT passou a enviar emails em vez de notificações. Ao fim de mais umas tantas investidas, numa desenfreada e desavergonhada perseguição, enviámos uma carta indicando o que devíamos, mas também recordando à AGT, que tínhamos um crédito de vários milhões de kwanzas, resultado de um saldo devedor da AGT de outros tantos milhões. Claramente que, esta carta não caiu bem. Penhorou-nos as contas da empresa. Sem notificação nem explicação.
A quem responde a AGT? Ao Ministério das Finanças, sim. Mas não há uma instância superior independente que regule/controle a AGT? Quem fiscaliza o fiscalizador?
A maioria dos rombos por funcionários da AGT advêm de negociações (negociatas) com contribuintes. Tal como a viatura parada na auto-estrada, que parece precisar de ajuda se transforma numa emboscada, também a AGT usa artimanhas de embuste, para não pagar o que deve às empresas. E incrível, ainda as penaliza.
Pessoas compõem instituições. Instituições compõem governos, estados, sociedades. É o comportamento das pessoas que define a integridade das instituições e no fim, até a qualidade de vida dos cidadãos. Se continuarmos assim, nem em 2100 teremos pessoas de bem, estrangeiras e nacionais a aventurarem-se a implementar projectos em Angola.
Hoje, também eu digo: “Eu, abrir empresa em Angola?”