
Segundo notícias que circulam nas redes sociais referindo a comunicação social da República Democrática do Congo (RDC), a Assembleia Nacional de Angola teria aprovado o envio de 400 a 500 militares angolanos, para irem combater ao lado do exército daquele país, contra as forças do grupo rebelde M23, que o invadiu. Lamentavelmente, tenho sérias duvidas, que os congoleses (zairenses da RDC) naturalizados angolanos, ou residentes em Angola, integrem o grupo dos desafortunados militares que irão servir de “carne para canhão”.
Infelizmente, os congoleses (zairenses da RDC), apenas buscam os benefícios deste país e raramente cumprem com as suas obrigações. O momento deveria servir para despertar o patriotismo da grande comunidade zairense (da RDC) em Angola, que deveria ir em massa combater os invasores, que pretendem apoderar-se dos recursos mineiros do seu país (número 1 no mundo).
Enquanto o Presidente da RDC Félix Tschisekedi com certa razão, defende que o grupo rebelde M23, criado fora da RDC, é um grupo armado estrangeiro anarquista, apoiado pelo Ruanda, o Presidente ruandês Paul Kagame (tutsi), defende que o M23, ainda que criado no exterior (pressupõe-se que seja no Ruanda), deve ser considerado um grupo de congoleses (zairenses), denominados “banyamulenge”. Segundo o Presidente Kagame, embora oriundos maioritariamente do Ruanda e alguns do Burundi, os “banyamulenge” são residentes há vários anos na RDC (uma minoria de 60 a 80 mil, no final dos anos 90, segundo Gerard Prunier), sobretudo na província do Kivu do Sul, que faz fronteira com os dois referidos países.
Entretanto, não estranhamente, o ex-Presidente Joseph Kabila, de origem ruandesa (quando chegou ao poder, em 2001, falava inglês e kiswhaili), recentemente quebrou o seu prolongado silêncio, após o reforço do efectivo sul-africano, para apoiar o discurso do Presidente Kagame, ao afirmar, que não se deveria considerar erradamente (“à tort”), o grupo M23 como anarquistas, aconselhando não se seguir pela guerra (depreendendo-se que insinua, negociações de patilha de poder com o M23).
O alinhamento do ex-Presidente da RDC Joseph Kabila, ao Presidente do Ruanda Paul Kagame, tal como não surpreendeu a muitos cidadãos da RDC, também não surpreendeu a comunidade internacional, que tem acompanhado as convulsões no ex-Zaire e agora RDC, desde a proclamação da sua independência.
Durante a Rebelião Simba (1964 a 1965), liderada por Pierre Mulele, Soumialot Gaston e Christophe Gbenye, (ex-membros do Partido de Solidariedade Africana), os “banyamulenge”, apoiaram o Presidente Mobutu Sese Seko, que enquanto Chefe do Estado Maior do Exército, tomou o poder através de um golpe de Estado ao governo do Primeiro Ministro Patrice Lumumba, capturado e morto. Aquele, como reconhecimento, concedeu-lhes a naturalização.

É preciso retroceder na história e relembrar a forma como o Presidente Paul Kagame tomou o poder no Ruanda e impôs uma ditadura, apoiado por outro ditador, o Presidente Yowere Museveni do Uganda (onde era refugiado, devido ao conflito étnico com os hutus). O Presidente Kagame, juntou-se no exílio ao Presidente Museveni, combatendo no grupo armado liderado pelo último, (o Exército de Resistência Nacional do Uganda), que em 1986 capturou Kampala, derrubando um antigo aliado deste, o Presidente Titto Okelo e o colocou no poder.
Nessa altura, o Presidente Museveni nomeou Paul Kagame, Chefe da Segurança da Presidência da República. Mais tarde, Museveni apoia-o na criação, em 1986, de um grupo rebelde de que foi líder, denominado Frente Patriota Ruandesa, conjuntamente com outros tutsi exilados, visando a tomada do poder no Ruanda.
Sobre o grupo armado de Kagame, pesa a forte suspeição de ter derrubado a 4 de Abril de 1994, o avião comercial em posição de aterragem, onde viajavam o Presidente do Ruanda Juvenal Hebyarimans (hutu) e o Presidente do Burundi Cyprien Ntaryamira. Kagame, defende-se atirando a suspeição para possíveis radicais hutus (Powers), que não apoiavam as negociações com os tutsis. Este gravíssimo incidente teve implicações não só na origem do genocidio ruandês, pois os hutus não se convenceram com a versão de Kagame e do seu grupo armado, mas também na “Primeira Guerra do Congo”. Acusam-no de estar na origem de todos os horrores e de manipular os factos a seu favor, para permanecer no poder.
O início da “Primeira Guerra do Congo” (1996 a 1997), teve como líder Laurent Desiré Kabila, um congolês (RDC) do Katanga, que também falava Kisuahili (como os ruandeses e os ugandeses), gararimpeiro ilegal de ouro, que se opunha ao regime do Presidente Mobutu. Laurent Kabila consegue um contacto com o Presidente Museveni do Uganda, a quem expõe o seu empenho em derrubar o Presidente Mobutu Sese Seko. O primeiro (em entrevista que corre pelas redes sociais), ficou convencido que Kabila tinha algum potencial e seria útil, embora não tivesse capacidade organizacional, nem êxito nas suas acções contra Mobutu.

Nessa base, de imediato viu a possibilidade de Laurent Kabila poder servir os interesses e desejo de vingança do seu ex-companheiro de guerrilha, o Presidente ruandês Paul Kagame, de quem o aproxima. Segundo o próprio Presidente Museveni, naquela altura, o Presidente Kagame estava desavindo com o Presidente Mobutu, que não queria apoiá-lo na sua luta contra os hutus. Laurent Kabila, fica nas mãos do Paul Kagame. Este, em troca do seu apoio, propõe um acordo, com a garantia da partilha do poder, com os congoleses tutsis oriundos do Ruanda, em funções chave do futuro executivo, pós derrube de Mobutu.
Laurent Kabila, apoiado pelo seu grupo, conseguiu depor o Presidente Mobutu, e aos 17 de Maio de 1997, assume o cargo de 2.º Presidente da RDC. Porém, para a manutenção da estabilidade territorial, as Forças Armadas Angolanas tiveram um papel crucial. O problema, é que o Chefe de Estado angolano não estava ao corrente do interesse cruzado do Presidente Kagame com o Presidente Museveni, que já visavam a partilha do poder na RDC a partir de cidadãos da etnia tutsi, para garantir o seu interesse de exploração dos recursos minerais e possível anexação de parte do território.
A minha afirmação, deve-se aos seguintes factos vividos por mim:
• Durante uma recepção na Embaixada de Angola em Washington, alusiva à independência, encontrei um cidadão da RDC, mais precisamente do Katanga, que me disse que trabalhava na Voz de América e que se lembrava de mim do Ministério da Defesa, em Luanda. Sinceramente, não me recordava do seu rosto. Ele disse-me que costumava acompanhar o Comandante Mbumba (opositor a Mobutu), de que eu me lembrava bem, porque era eu que secretariava as reuniões, quando ele ia ter com o Ministro da Defesa Iko Carreira.
• Tempos depois, o General Ndalu perguntou-me se podia dar-lhe o meu contacto telefônico, porque ele queria falar comigo, ao que acedi. Durante o tal contacto telefônico, foi-me pedido um encontro numa sala de um hotel. Cheguei a pensar que se tratava de algum potencial investidor. Apareceram ao encontro três pessoas. Fiquei surpreendida pelo assunto que abordaram, que provavelmente teriam também abordado com o então Embaixador, o General Ndalu.
• O primeiro facto que estranhei, foi o de se me terem pessoalmente apresentado um a um, como sendo congoleses da RDC, quando a excepção do único zairense de Katanga que os acompanhava, os nomes e as fisionomias dos outros dois, estampavam claramente que eram ruandeses, que eu conhecia bem, porque já tinha visitado o país e não só. Um deles, era Azarias Ruberwa, que durante a “Segunda Guerra do Congo” (1998 a 2003), era o Secretário Geral do grupo rebelde de congoleses tutsi, “Rassemblemant Congolais pour la Democratie”, que foi criado com o apoio do Presente Kagame do Ruanda, para tomar o poder pela força a Laurent Kabila. O outro elemento era o Bizima Karaha, pertencente ao mesmo grupo.
• O segundo facto, foi o de me pedirem para os ajudar a ter um encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos, o que prontamente recusei, aconselhando-os a retornar ao Embaixador. Alegavam que, quando o Presidente Laurent Kabila estava no Ruanda, antes de chegar ao poder, tinha-lhes prometido determinados cargos chave, mas que após chegar ao poder, não estava a cumprir na íntegra com o acordo, embora um deles, presente, o Azarias Kahara, tivesse sido nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros. Por isso voltariam para a mata, para lutar contra o Presidente Kabila e precisavam que Angola os apoiasse, mas não estavam a conseguir o encontro. Falavam com a cara fechada, com arrogância e com ar de zangados, o que também não me agradou.

• No momento e perante as evidências, disses-lhes abertamente, sem me deixar intimidar, que não me pareciam congoleses (zairenses), mas ainda que fossem naturalizados, ou filhos de pais naturalizados, não via motivo para irem para a guerra por causa de alguns cargos políticos. Até lhes dei o exemplo dos zairenses (da RDC) em Angola, que me parecia estarem a querer seguir o mesmo caminho, mas de forma mais camuflada e os angolanos não estavam a gostar. As minhas respostas ainda os enervou mais. Eu, percebendo que o clima começava a ficar tenso, disse-lhes que tinha de sair para atender a outros encontros. Fiquei com a convicção, de que não mais me contactariam, até porque, dias depois troquei o número de telefone. No mesmo dia, narrei o sucedido ao Presidente José Eduardo dos Santos e ele apenas respondeu: “Eles não sabem o que querem. Fizeste bem”.

• Cerca de um mês depois, liga-me de novo o Bizima Kahara, para o número de casa, que possivelmente poderiam ter arranjado através da Embaixada. O Bizima, disse-me que a situação tinha piorado, que estava a falar da mata por via satélite, e que se a chamada caísse voltaria a telefonar. Insistiu no meu apoio para conseguir o encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos e enviou-me um bilhete pelo número do meu fax pessoal, que funcionava acoplado ao número do telefone. Repeti-lhe as mesmas respostas. Ele insistiu mais duas vezes e mudei também o número de telefone de casa.
• Qual não é o meu espanto, quando ouço pela comunicação social a notícia do atentado e morte do Presidente Laurent Kabila. Abordei o tema com o Presidente Jose Eduardo dos Santos e aventei a hipótese da possibilidade, de poder ter havido a intervenção de alguém ligado a esse grupo. O Presidente JES, muito diplomaticamente, respondeu-me que seria prudente aguardar pelos esclarecimentos oficiais.
• Fiquei ainda mais intrigada, quando é escolhido um filho de Joseph Kabila, sem experiência política, independentemente de ser jovem, de origem ruandesa (falava inglês e kisuahili) e este, nomeou Azarias Ruberwa, para seu Vice-Presidente da República (no final do mandato, foi Ministro de Estado para a Descentralização e Reformas Institucionais). Precisamente um dos homens que lutou para derrubarem o seu pai.
Cruzei-me mais tarde com Bizima Karaha em Conferências Internacionais e com o Azarias Ruberwa no Capitólio dos EUA.
Já somos adultos. Como diz o velho ditado, “Para bom entendedor meia palavra basta” e eu já me alonguei demasiado, mas julguei necessário.
Legenda (foto1): Tropas ruandesas escoltam efectivos das Forças Armadas da RDC, que se renderam em Goma, no Leste, após combates com rebeldes do M23. (DR)