“MAIS VALE UM JUIZ JUSTO DO QUE MIL PERDÕES INJUSTIFICADOS”

SOBRE O INDULTO DE FILOMENO DOS SANTOS

YOLENE VIEIRA*

A decisão de Filomeno dos Santos (Zenu) de renunciar ao indulto presidencial é como a parábola de um homem que recebe uma capa valiosa de presente do rei, mas a devolve e diz: “Majestade, não preciso desta capa, pois a minha já foi lavada e está limpa”. Ao fazer isso, ele não só afirma a sua autossuficiência, mas também questiona se o presente foi oferecido por desconhecimento ou por descuido. Essa atitude transforma uma decisão que poderia passar despercebida, num marco de discussão jurídica e política.

Na carta tornada pública, Zenu apontou um “equívoco legal” na sua inclusão na lista de indultados. Aqui, poderíamos evocar outra parábola: a do construtor que, ao receber um alicerce já construído, diz: “Por que me oferecem base para erguer uma casa, se já estou de pé sobre rocha firme”? Zenu, ao lembrar que a sua condenação foi anulada pelo Tribunal Constitucional, questiona por que o indulto foi-lhe concedido se, juridicamente, ele já não tem uma condenação a ser perdoada.

Mas há mais profundidade nesse gesto. A renúncia ao indulto pode ser vista como uma forma de lançar luz sobre um problema maior: a execução das decisões judiciais no nosso país. É como a história de um viajante que chega a um rio e encontra uma ponte quase construída. Ele olha para o engenheiro e diz: “Não me ofereças um barco; constrói a ponte para que todos possam atravessar”.

Zenu parece dizer algo similar: mais importante do que o perdão, é necessário que o sistema jurídico funcione plenamente, garantindo que decisões como a anulação da sua condenação sejam efectivamente cumpridas.

Além disso, o gesto toca na delicada questão do poder e da legalidade. Imagine um agricultor que cultiva a sua terra com honestidade e, um dia, o rei decide premiá-lo com mais terras, acreditando que ele está em dívida com o rei. O agricultor, porém, devolve o presente e diz: “Não me dê o que não necessito. O que desejo é que as regras sejam claras para todos, para que o trabalho de cada homem seja reconhecido”. Zenu, ao renunciar ao indulto, não só recusa o gesto presidencial, mas também levanta uma reflexão sobre os critérios e a lógica por trás de tais decisões.

Ao recusar o indulto, Zenu envia uma mensagem: “Não sou culpado, logo, não preciso de perdão”. É quase como a história de um juiz que, ao perdoar um inocente, recebe de volta uma carta a dizer o seguinte: “Com todo o respeito, senhor juiz, inocentes não precisam de perdão; precisam de justiça”. Essa atitude sublinha um ponto importante: o perdão presidencial, por mais generoso que seja, não deve ser usado para remediar problemas estruturais do sistema judiciário ou não?!

Zenu também demonstra uma habilidade política subtil. Ao devolver o indulto, ele se posiciona como alguém que respeita a legalidade e confia nas instituições, mas que exige que elas funcionem de forma eficiente e justa. É como um mensageiro que, ao entregar uma carta ao rei, diz: “Aqui está a minha resposta, mas não te esqueças de corrigir os erros no teu reino, para que outros não precisem escrever cartas como esta”.

No fundo, a renúncia ao indulto é um gesto que mistura legalidade, orgulho e uma crítica implícita ao sistema. Seja como parábola ou como facto jurídico, a história de Zenu é um convite para reflexão sobre o estado das instituições no nosso país, o papel do poder executivo e os limites entre justiça e política. Afinal, como dizia um velho provérbio: “Mais vale um juiz justo do que mil perdões injustificados”.

*Estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

– No Facebook (9.01.2025)

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