MEMÓRIA CHEIA

JAcQUEs TOU AQUI!

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS    

Segunda-feira, dia 6 dos Reis, não foi um bom dia para mim. Aliás, há uns anos que deixou de ser. Estava eu no lamento das tristes lembranças, quando inesperadamente me surgiu na mente coisa nova, sem explicação. Para mal dos meus pecados. O meu telefone, esse indispensável aparelho que já faz parte da minha vida e sem o qual não sou eu mesmo, lembrou-se de me pregar grande partida. Uma chatice!

Não respondeu às minhas solicitações, vejam só. Não se ficando por aí, mostrou-me, tristemente, a incapacidade que tenho de dominar as técnicas das novas tecnologias. Sou um inapto nessas frescuras, admito, não consegui dar conta da anomalia. Senti-me simultaneamente ultrapassado e traído. Mas que coisa chata!

Ao atestado de incompetência assumido, juntei a situação caricata da falta de comunicação. Que desilusão! Daí a reconhecer que estava perante mais um daqueles barretes que se enfiam até às orelhas, foi um passo. Decididamente, tinha sido induzido a aceitar o aparelho como o melhor e mais moderno que já tive, quando há um ano, mais ou menos, o comprei em Luanda. Por boa massa e sem ter tido o cuidado de proteger-me de um perigo latente. Uma falha hoje em dia indesculpável. Máquinas e aparelhos são como certas pessoas. Mudam de comportamento quando menos se espera. 

Cogitando repetidamente no erro cometido mas já sem remédio, protegi-me o melhor que pude da chuva e do frio e fui à lojinha dos indianos, aqui mesmo a dois passos, no Centro Comercial. Tinha necessidade de cumprimentar os meus amigos, de dar notícias à família, informar que estava vivo. Uma tarefa diária que abracei há muito tempo, sem me incomodar com as respostas ao meu cumprimento diário, sincero, do coração. Venham ou não, não deixo de os cumprimentar todos os dias. Entretanto, fui-me abrindo com o empregado indiano. E o diagnóstico veio célere e contundente. O aparelho dá sinais preocupantes de ter a memória cheia. “Já somos dois”, pensei cá para mim. Porque também sinto a minha repleta. De cansaço, de tristes recordações a preenchê-la. Mas voltei a mim e à surpresa. Como assim? Para além de ter custado uma nota preta, o lojista lá da banda garantiu-me que tinha boa memória. De muitos megabytes. Nem por sombras me lembrei que os comerciantes são como os políticos. Mentirosos q.b. de um modo geral. Excepcionais a vender gato por lebre! 

Informei o técnico indiano dos cuidados que, apesar de tudo, tenho com o telefone. Apago regularmente as mensagens, ficheiros duplos, fotos e vídeos sem interesse. Alivio periodicamente a sua memória. “Tudo bem”, esclareceu o competente técnico que antes alvitrara outra hipótese para a avaria. Seria da internet? Ficando na dúvida, disse, “por agora fica resolvido mas vai ter que colocar uma nova memória, com maior capacidade”, rematou o jovem indiano. 

Paguei cinco euros pelo trabalho e enquanto espalhava pensamentos, dividindo o dever assumido com os meus telefonemas diários com a falência da minha capacidade de memória, recordei, não sei porquê, uma tirada lançada há poucos dias, por um político português. “Os que chegam ao poder com cem e saem com um milhão…”. A frase pairou no ar, incompleta, andou por aí suspensa Porque me lembrei agora disso? Não sei. Ai a minha pobre memória!

Com o respeito de sempre despeço-me dos meus leitores. Até ao próximo domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2025

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