O que temos para festejar, para além de uma aparente independência de miséria, num país onde grassa o racismo e o tribalismo, que está a ser neocolonializado?

A partir de 2018, foram sendo dadas “machadadas” às finanças dos cidadãos nacionais (por desvalorização do salário e desemprego), aos residentes fiscais estrangeiros e às empresas, pela desvalorização contínua do Kwanza (cerca de 1.000%). Espanta-nos que ainda assim, desde a semana que findou persistiram notícias, dando conta que o Executivo pretende aumentar a contribuição dos trabalhadores e das empresas à Segurança Social, passando o trabalhador a contribuir com 5% do seu salário, em vez dos 3% actuais, e o empregador, passaria a contribuir com mais 10%, ao invés dos actuais 8%.
Como se não bastasse, circula também a notícia, que na proposta de Lei para a aprovação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Executivo também pretende obrigar os cidadãos angolanos residentes no estrangeiro (os que afinal fazem falta, após insultá-los publicamente), a contribuir para a receita fiscal nacional, através do pagamento coercivo do referido imposto (IRPS). Não duvidaria que tal diploma passasse na Assembleia Nacional, onde a maioria dos deputados que é do MPLA só diz “Ámen”.
Será para mostrar ao FMI, que pode emprestar novamente mais uns “tostões” (se comparados com os gastos só em viagens do Executivo), porque com o emagrecimento, ou “assassínio” dos contribuintes, teria como pagar-lhes?
Como é possível que os auxiliares do Titular do Poder Executivo não conseguem enxergar, porque não são cegos, ainda que não consigam falar possivelmente receando perder os cargos, ou raciocinar por incompetência, que não há emprego para ninguém (excepto se for no Estado com cunha), por que já quase não existe iniciativa privada formal?
Já não basta terem passado a taxar novamente os reformados que estão a ser absurdamente roubados, quando por esse motivo conseguem arranjar algum “bico”, depois de terem o Imposto sobre o Rendimento no Trabalho mais que pago? Só se compreende que seja para suprir o rombo do INSS, que tem tapado os furos do BPC e de outros negócios, com os descontos para a reforma dos trabalhadores.
A taxa de desemprego aceitável num país (civilizado) é de 3% (William Beveridge) e pode ir até aos 4%. Num país desenvolvido, quando o índice de desemprego bate os 5%, soa o alarme e o Estado intervém com medidas adequadas para travar o desemprego. Onde é que o INE foi aferir que em Angola a taxa desemprego era de 32,3% em 2024, que num país normal já é super elevadíssima?
A taxa de desemprego em Angola deve rondar os 60%, incluindo os que trabalham no sector informal. Não deveremos esquecer que, infelizmente, no campo já pouco se trabalha, devido aos 27 anos de colocação de minas terrestres, falta de acessos secundários e terciários ou de manutenção, mudança de hábitos e falta de poder de compra dos camponeses para a aquisição de insumos.
Pelas mordomias que os membros do Executivo (incluindo a AGT) Legislativo e Judicial têm, nem se apercebem que desde 2018 a desvalorização do Kwanza foi de cerca de 1.000%. Fazem “vista grossa” à miséria que grassa no seio da nossa população, que desde tenra idade deambula pelas lixeiras e contentores do lixo, à procura de algo para saciar a fome, ainda que aí só acelerem a sua vida efémera.
Durante os 23 anos de paz, Angola viveu um período áureo de crescimento médio do PIB excepcional entre 2002 a 2008 de cerca 15%, de 2008 a 2010 de 12,1% e de 4,633% de 2010 a 2015. Mesmo aquando das eleições, em Setembro de 2017, a 3 (três) meses do final do ano e com um PIB pela primeira vez negativo de 2016 a 2017, devido à baixa drástica dos preços do petróleo, foram deixados pelo Presidente José Eduardo dos Santos 15 bilhões de dólares, para além das receitas da venda do petróleo.
Os preços do crude voltaram a subir em 2018. Só uma gestão desastrosa desses recursos financeiros (por ex: indemnização de 500 milhões de dólares a sócio americano de Manuel Vicente da COBALT, por licença petrolífera concedida a título gratuito), poderia reduzir cerca de 80% dos angolanos a mendigos. Na actual situação em que o Executivo colocou os angolanos, como pretendem que festejemos os 50 anos de independência com tanta miséria?
O que temos para festejar, para além de uma aparente independência de miséria, num país onde grassa o racismo e o tribalismo, que está a ser neocolonializado, sob influência de consultores estrangeiros (que dão os pareceres convenientes)?
No referido período áureo pós-independência, muitos estrangeiros sonhavam trabalhar em Angola, a maioria dos angolanos fugidos da guerra retornaram ao país (na realidade e não apenas no marketing politico), as kinguilas e até os camponeses estranhamente conseguiam viajar pelo mundo, para aquisição dos produtos que necessitavam para ampliar os seus negócios familiares e eu sentia -me mais orgulhosa de que nunca de ser angolana.
Não me venham dizer que vivíamos bem durante esse período, só devido ao preço do petróleo. Para se passar dos insignificantes 144.000 barris/dia de petróleo em 1973, para cerca de 2.000.000 de barris/dia em 2008, (chegou-se a ultrapassar), houve um trabalho de estratégia e de visão, ainda que muito mal gerido, depois da autonomia da SONANGOL. Entretanto, os ministros dos Petróleos não tinham, e duvido que já tenham, capacidade para monitorar as milhares de licenças de prestação serviços por eles concedidas.
Em países onde os eleitores cobram ao Executivo o que prometem durante as eleições e o que fazem, os governos caiem, ou os membros do Executivo demitem-se para deixar a justiça actuar em liberdade e independência, sempre que existir a mínima suspeita ou acusação de corrupção, ou de má gestão. Não é o caso de Angola, onde as eleições são para “inglês ver”.
Nesses países, onde o PIB per “capita” e o salário mínimo são muitíssimo superiores aos de Angola, quando o desemprego ultrapassa os 4%, de imediato, o Governo intervém com a aprovação de medidas de alívio fiscal. Temos o caso de Portugal, de onde provém a maioria dos consultores que operam em solo angolano (a seguir são brasileiros), que introduziu a redução de IRS por escalões, assim como a redução ou a isenção do IVA para produtos da cesta básica. Enquanto em Angola, por exemplo, durante o último período de campanha eleitoral suprimiram o IVA de alguns produtos da cesta básica, e após a suposta “vitória” não transparente das eleições, repuseram-no.
O Executivo chegou ao ponto de aprovar legislação para taxar os militares e paramilitares com o pagamento de IRT, quando, internacionalmente, essa classe de servidores públicos estão isentos dessa obrigação e nalguns casos, ainda tem outros incentivos fiscais. Foi preciso essa classe unir-se e ameaçar levantar-se, para ser ouvida.
Com este tipo de política fiscal, o Executivo está a demonstrar que não tem estratégias, nem visão, para intervir com a aprovação de medidas estruturantes exequíveis, que a ser implementadas garantiriam alguma empregabilidade e gerariam mais consumo, imprescindível a criação de empresas e de mais postos de trabalho. O Kwanza terá de valorizar com base na produção e na inflação, e não apenas por medidas administrativas, que não promovem a criação de riqueza, sector por sector. Queremos criar o “hub” do turismo, mas o que já fizemos para o efeito?
É preciso fazer-se muito mais, mas comecemos pelo lixo, pela energia solar e pela adução de água (incluindo com muitos mais furos). Sem medidas estruturantes, de apoio ao meio rural respeitando a conservação do meio ambiente e às famílias carenciadas urbanas, que não sejam apenas a mísera do programa Kwenda, (financiado pelo Banco Mundial), fica visível que o Executivo não pretende “emagrecer”, mas sim “emagrecer-nos”, até desaparecermos. O problema, é que já não existem dinossauros e vamos todos morrer. Uns nas melhores clínicas do mundo, outros na indigência, mas vamos morrer à mesma e esperar que as larvas nos comam com indignidade.
