A possibilidade de construção colectiva de uma força inspiradora para conduzir este processo reside na reinvenção de um panafricanismo engajado e comprometido com a construção da união de conhecimentos, incluindo os endógenos, de vontades, de capacidades e de habilidades.

Há décadas que venho reflectindo sobre a necessidade de um Pacto para o Futuro, inicialmente pensado para Angola, mas de uns tempos para cá ponderando a possibilidade (aliás, necessidade urgente) de avançarmos em termos regionais e continental. Mas isto requer uma força inspiradora capaz de nos unir no que temos em comum e de estabelecer pontes entre as nossas diversidades e diferenças, resultando numa poderosa força orientadora do processo de recolocação da África no Mapa Mundi com todo o esplendor que o seu potencial permite considerar possível alcançar.
Patrice Lumumba considerava que a “A independência política não tem qualquer significado se não for acompanhada por um rápido desenvolvimento económico e social”.
A África precisa assumir os seus desafios e reinventar as modalidades da sua presença no mundo nos seus próprios termos. O alcance deste desiderato pressupõe o reconhecimento das actuais, muitas, inconsistências, insuficiências, lacunas e desvios, condição necessária para definir, com base na identificação das suas causas e na eleição das soluções que se mostrem mais promissoras para um caminho optimista e bem-sucedido. A possibilidade de construção colectiva de uma força inspiradora para conduzir este processo reside na reinvenção de um panafricanismo engajado e comprometido com a construção da união de conhecimentos, incluindo os endógenos, de vontades, de capacidades e de habilidades.
Inspirados no provérbio africano “Unidade é força, divisão é fraqueza”, nós, africanos, precisamos mobilizar as nossas muitas capacidades espalhadas pelo mundo, reunir os nossos recursos endógenos, tradicionais, diaspóricos, científicos, novos e digitais, dar espaço à nossa criatividade, para fazer emergir este nosso chão em consonância com o seu potencial humano e em recursos naturais. Ambos, recursos humanos e naturais, estratégicos para pensar um Futuro comum para a Humanidade neste Planeta Terra. E a África é ricamente dotada em ambos.
O que falta, então?
Mandela lembrava-nos que “Uma boa cabeça e um bom coração formam sempre uma combinação formidável”. Sim, mas do outro lado do Atlântico, Milton Santos esclarecia: “a força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos que apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une”. Um pensador anónimo dá-nos uma pista que apenas confirma o que constatamos no dia-a-dia, por quase todo o continente (felizmente, há excepções… e algumas, expressam-se em português!) “Se os ‘líderes’ ([sic], não seria mais apropriado, ‘chefes’?), africanos tivessem cérebro e coração, África seria um paraíso”!
A tendência para a perpetuação no poder por parte dos chefes de estado africanos foi assim traduzida por um ‘autor desconhecido’, nas redes sociais: “A cirurgia mais difícil do mundo é separar um africano do seu cargo”. Outro, apoiando, acrescentou: “Fazer uma chefectomia radical ou uma ditatorectomia …”.
Para melhor caracterizar a tendência situação, estudos de pelo menos uma década(1), indicam que “Os presidentes dos países africanos juram defender a Constituição dos respectivos países, mas (…) constitucionalistas verificam duas tendências: uma de líderes que tentam mudar a Constituição para se manterem no poder, e outra de uma nova onda de protestos populares contra essas manobras (…) ou seja, o que está a mudar é a atitude das populações que não toleram mais esse tipo de má governação (…) e é positiva a tendência cada vez mais crescente dos cidadãos dos países africanos de impedir as intenções de perpetuação no poder”.
A indignação é encorajadora, mostrando que as pessoas estão mais conscientes de seus direitos nos processos de democratização em curso no continente. Esta tendência de perpetuação no poder por parte dos chefes de estado africanos foi assim traduzida por um ‘autor desconhecido’, nas redes sociais: “A cirurgia mais difícil do mundo é separar um africano do seu cargo”. Outro, apoiando, acrescentou: “Fazer uma chefectomia ou ditatorectomia radical…”.
Kwame Nkrumah reflectia: “A África é um paradoxo que ilustra e põe em evidência o neocolonialismo. A sua terra é rica, mas os produtos que vêm de cima e de baixo do solo continuam a enriquecer, não predominantemente os africanos, mas grupos e indivíduos que operam para o empobrecimento de África”. Mas acrescentava: “As forças que nos unem são intrínsecas e maiores do que as influências sobrepostas que nos separam”. De novo, o apelo à união: “A África deve unir-se”!
E este apelo reflecte-se num outro provérbio africano: “quando o rebanho se une, o leão vai dormir com fome”.
Como nos lembra Iva Cabral, a sua filha, “Pensar pelas nossas cabeças é um dos grandes legados de Amílcar Cabral”. Muitos africanos continuam a ser inspirados pela grande liderança de Cabral. A sua vida e trabalho mostram que, quaisquer que sejam os obstáculos, as pessoas são capazes de ser os seus próprios libertadores, e eu acredito nisso e procuro praticar.
Mandela lembrava que “as coisas sempre parecem impossíveis até que sejam feitas”. E acrescentava: “A Educação é a arma mais poderosa que nós podemos usar para mudar o mundo”. Para Mandela, “Nenhum poder na Terra é capaz de deter um povo determinado a conquistar a liberdade”.
Investimento em capital humano, melhorando a qualidade e universalidade dos serviços públicos, apostando numa educação pública, universal e de qualidade, e um dia a África será um continente capaz de proporcionar aos seus filhos as condições e as oportunidades que hoje jovens africanos procuram em outros continentes. Angola tem conhecido um aumento vertiginoso de jovens emigrando em busca de melhores condições de vida.
Os ventos de mudança serão accionados pela ousadia de não perder a confiança no futuro nem em nós mesmos.
Thomas Sankara apontou o caminho: “Temos de ousar inventar o futuro”, uma inspiração para os revolucionários de todo o mundo e um lema adequado para a juventude africana de hoje que se recusa a ver o seu futuro sacrificado pela ganância de outros.
Mário Pinto de Andrade, outra grande inspiração, muito tem a nos ensinar se analisarmos as suas ideias sobre nacionalismo, pan-africanismo, negritude e cidadania, e a sua trajectória na luta do continente contra a dominação colonial, primeiro numa perspectiva “nacionalista” e progressivamente numa perspectiva pan-africanista.
Articulando a política, a ciência e a sociedade, ousemos trabalhar para a construção plural, democrática, inclusiva e solidaria de uma Visão para África (ou da reafirmação da visão “A África que nós queremos em 2063”), mas não mais numa perspectiva redutora dos seus “chefes de Estado”, mas da esperança e da utopia dos seus povos.
Outra África é possível, assim como outra humanidade é possível, na qual compaixão, empatia, equidade e solidariedade definiriam as sociedades. O que pode parecer uma utopia tem de entrar no nosso campo das possibilidades.
(1) Disponível em https://www.voaportugues.com/a/lideres-africanos-perpetuam-se-no-poder-com-manobras-constitucionais/2508312.html
25 Maio 2025