VAI UMA APOSTA, SENHOR MINISTRO?

Não se pegando no touro pelos cornos como se alvitra, não haverá investimento, a descrença internacional continuará, e turismo que valha, nem vê-lo. Portanto, não haverá futuro, subsistirá a malta oportunista, alimentada pelo Estado e por todos nós.

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Ao apreciar em vídeo o “bate-papo” estabelecido há dias entre o nosso Ministro dos Transportes e alguns jornalistas nacionais, apeteceu-me (é o termo), em vários momentos da visualização, transportar-me para o local do encontro, intrometer-me na conversa e dizer-lhe que a fé inquebrantável no futuro de Angola mostrada por SExa., é igualzinha à minha e à de milhões de compatriotas nossos. Que o olhar da maioria de nós também está direccionado para a frente; que nem sempre é para trás que mandamos as nossas vistas. Somos, por força das circunstâncias bem conhecidas, obrigados a fazê-lo, amiúde. A olhar para trás. A fim de certificarmos os tremendos erros cometidos por gerações de governantes, apostados em políticas falhadas, nefastas para o país. Não é segredo para ninguém. Dito isto em início de conversa, sublinharei que não deixo de considerar, nunca deixei de o fazer, o problema da guerra, as conjunturas, a libertação da África Austral, a diplomacia política e assuntos afins. 

Digam o que disserem, empreguem os subterfúgios que entenderem, uma coisa é certa. Não há angolanos diferentes no amor patriótico. Por outro lado, Angola nunca deixou de ter futuro. Muito embora se saiba que existe futuro para uns angolanos, e um outro futuro para outros. Seria com este estado de espírito que, ao chegar ao local, o interromperia, para seguidamente questionar o ilustre governante. No entanto, refreei o meu ânimo exaltado, porque o meu bom senso fez-me lembrar que afinal sonhar é um direito de todos. Na verdade, até é muito fácil (quer para mim, um veterano da vida, quer para o Ministro, um jovem sonhador), tendo o meu juízo alertado ainda para o facto de não ser jornalista. Também me avisou do elevado nível de argumentação do nosso Ministro. É uma daquelas personalidades, raras, por sinal, no nosso Conselho de Ministros. De boa aparência e palavra solta, é inteligente e daqueles que trazem o trabalho de casa preparado, sempre bem elaborado. Tem, com sói dizer-se, as respostas na ponta da língua e vai convencendo certa gente, principalmente a que se deixa dormir, tal como os bois da marchinha brasileira. 

Se acaso me tivesse sido dada a oportunidade de enfrentá-lo, facilmente desistiria. Chegaria à conclusão de estar a desperdiçar tempo. Na verdade, não gosto de perder tempo. Mas, tenho noção exacta das minhas limitações. Sou indivíduo que nem sempre é fluente a falar, que carrega consigo um handicap. O da fácil emotividade que, por isso, o leva a preferir escrever, uma vez que nesse exercício arranja sempre tempo e discernimento para não dizer muitas asneiras.

Não deixaria, contudo, de fazer certos reparos. Apreciaria, em primeiro lugar, o sítio e a estrutura onde se realizava o encontro com a mídia (já me informaram que é uma das obras mais imponentes do género, construídas nas últimas décadas no país). Um Aeroporto Internacional como deverá haver poucos em África e no Mundo. Um Aeroporto para o Primeiro Mundo, dizem. Deram-me essa garantia. Está inserido num projecto gigantesco, uma cidade aeroportuária que vai crescer, alcançará Catete ou andará lá nas cercanias. Um orgulho para os angolanos. 

Ora, tendo nos próximos dias o Aeroporto, tendo já Hospitais de primeira linha, vamos esperar pelas refinarias e pelas barragens. Faltará apenas quem vai cuidar bem dessas estruturas e saiba fazer bem as contas da sua gestão e do seu crescimento. E entre inúmeras necessidades, a mais importante, a vontade política (o eterno busílis). Não esquecendo nunca que falta também o essencial, ou seja, cuidar e educar as pessoas, tratar das crianças e dos jovens, dos mais vulneráveis, do povo em geral. Hão-de vir os expatriados para as obras e para fazerem as respectivas contas, claro que virão. Resolverão os problemas que são nossos? Não sei. Porém, reflectiria depois, para dizer a mim mesmo que apesar da grandeza e brilho dessas obras todas, esse orgulho não me está a tocar (pelo contrário, para certos casos invade-me até uma inexplicável tristeza), por duas razões objectivas, suportadas noutras tantas dúvidas. 

Justificando o semblante austero com que me apresentaria, e ao contrário do sorriso aberto do Ministro Viegas D’Abreu, impregnado de uma fé e esperança sem limites (o turismo e tudo o que embandeirou é uma triste utopia enquanto se governar assim, dessa maneira bizarra, sem gente preparada, a construir de cima para baixo, vou adiantando), uma esperança que desgraçadamente não é a minha nem a de milhões de angolanos de bom senso, dir-lhe-ia que esse sorriso largo só era, em minha opinião, corroborado por um número restrito de cidadãos (alguns estrangeiros no meio), a saber: em primeiro lugar e naturalmente, os seus parceiros na idealização (não me esqueço que veio de trás, do tempo da outra senhora), na projecção e implementação de uma obra de tão grande envergadura, absolutamente desfasada da situação sociopolítica e económica de Angola, a viver, como todos sabemos (os políticos e governantes melhor que todos), a maior crise da sua história, desde que somos país independente. Nunca é demais lembrar que temos milhões de angolanos a viverem dificuldades imensas, a maioria à beira dos mais baixos níveis de miséria. Salvo o eventual exagero (os exageros são normais neste contexto), e pelas razões expostas, este é um projecto que tem tudo para ser considerado antipatriótico. Isso, se tivermos em linha de conta os elevados custos já suportados e os que virão com a sua manutenção (vejam o que aconteceu aos estádios de futebol do CAN 2010), em permanente confronto com a conjuntura miserável em que nos situamos. Repetindo-me e tentando ser claro, é um projecto para uma Angola que não é a actual. Poderá vir a ser adequado a um país mais inclusivo. O que vai surgir muito mais tarde, infelizmente (caso não se façam mudanças). Quando brilhar luz no pensamento dos políticos. Pelo andar da carruagem, continuaremos distante do nosso tempo, a pagar caro a imensidão de erros cometidos em praticamente meio século de governação desastrada.

Em segundo lugar, não duvido que concordarão com o senhor Ministro, sem pestanejar, aqueles que, estando a borrifar-se para todo o resto da Nação angolana (incluem-se nesse rol os habituais visitantes das grandes capitais europeias e americanas; os frequentadores da terra lusa e adeptos da sua gastronomia e do seu bom vinho; os que não perdem o espectáculo da Fórmula Um, de Roland Garros, do Benfica, Real Madrid e Manchester, das sumptuosas festas com o timbre do Principado do Mónaco, da Notre-Dame de Paris e da Torre Eiffel, do Rio de Janeiro e Miami). Refiro-me especificamente àqueles que só vêm à sua frente, a figura de um tal de Braga enquanto tesoureiro. Falo dos que vão retirar vantagens da implantação desta e das enormes estruturas projectadas para a nossa terra. Sem sentirem o incómodo do espectro da fome que grassa, da saúde maltratada, da segurança social inexistente, enfim, dum futuro inexistente sem escola. Precisarei de ser mais claro?

Parece-me ter dito o suficiente. Melhor, seria tudo isso que gostaria de dizer ao senhor Ministro se estivesse presente no tal encontro. Para terminar e enquanto realço as flagrantes diferenças existentes entre as minhas esperanças e as do Senhor Ministro Viegas d’Abreu, lanço-lhe daqui, com o devido respeito, um repto: quanto vale uma aposta? 

O meu desafio assenta na seguinte base: pegar-se a sério (sublinho o sério) na componente socioeconómica da Nação (saúde, escola, educação da população a todos os níveis, emprego, segurança, comunicações, estradas e ruas nas comunidades, saneamento, etc.) como premissas imediatas do almejado desenvolvimento. Cinco anos a trabalhar a sério e com gente séria e competente (é o que mais há por aí), sem desvios de rota, para termos o país a andar, algum crédito de investidores e o turismo possível, se optarmos por este quadro. Não se pegando no touro pelos cornos como se alvitra, não haverá investimento, a descrença internacional continuará, e turismo que valha, nem vê-lo. Portanto, não haverá futuro, subsistirá a malta oportunista, alimentada pelo Estado e por todos nós.

E a breve trecho, os 15 milhões de passageiros e a enormidade de cargas (será mesmo verdade?) projectados para o Novo Aeroporto serão uma triste miragem. Um sonho irrealizável se a teimosia de não se ouvirem os outros, persistir no pensamento de quem governa. Levarão uma eternidade a serem alcançados os níveis ora anunciados. É, pois, nessa perspectiva, que avanço com a minha aposta. Ponho em jogo um mês da minha miserável pensão de reforma, contra os custos de um dia de despesas de manutenção do Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto, se os números anunciados forem alcançados nos próximos cinco anos. Aceita, senhor Ministro? Acredite, sinceramente, que gostaria mesmo de perder essa aposta.

Por hoje é tudo, caros amigos e leitores. Espero encontrá-los aqui, no próximo domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 10 de Setembro de 2023

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