NÃO ESQUEÇAMOS AS VERDADEIRAS VÍTIMAS DO 27 DE MAIO DE 1977

MARIA LUÍSA ABRANTES

Para assinalar uma data impossível de se esquecer e apagar em Angola, o 27 de Maio de 1977, partilho em anexo o Capítulo 5 do meu livro “Uma Vida de Luta…”.

Com muita dor das famílias dos desaparecidos durante esse processo, reafirmamos que as vítimas da tentativa de golpe de Estado do 27 de Maio, não são aqueles que o organizaram, causando a morte, prisão e maus tratos a vários dirigentes do Partido no poder, ou simpatizantes do mesmo. Também não são aqueles membros da DISA, que torturaram e assassinaram com requintes de malvadez inocentes, só porque eram amigos ou conhecidos de organizadores, ou participantes da intentona, ou porque recusaram aderir ao golpe falhado pelos que tinham ficado infiltrados na DISA (Segurança de Estado). Esses torturadores da DISA do MPLA, à semelhança daqueles que na preparação da intentona de 27 de Maio, premeditaram a morte de A ou B, nunca poderão ter o perdão das famílias dos assassinados. Nunca.  

Usar a palavra reconciliação para condecorar à mistura premiados por mérito, com torturadores e assassinos de milhares de vítimas, é a todos os títulos uma infâmia e demérito a quem baixa a cabeça, ajudando a branquear assassinatos e assassinos para aparecer. Este facto, manifesta pura e simplesmente uma atitude de cobardia, egoísmo e alterações graves de comportamento (patologia psicológica???). É o que na gíria popular se chama “Maria vai com as outras”.

É uma notória a gritante falta de empatia, de grande parte dos militares, militantes e simpatizantes dos Partidos provenientes da luta armada, que já anestesiaram os sentimentos, muitos deles, porque também mataram. Não estão nem aí para com mais de 80% da população ambulante e indefesa. Estão apenas preocupados com a sua vez. Essa atitude demonstra, claramente, que a classe dominante apenas pretendeu substituir os dirigentes e a classe burguesa portuguesa, sem que para isso estivessem preparados.

Não é preciso ser psicólogo, para perceber, que há quem não olhe a meios para atingir os fins, pretendendo possivelmente, transformar Angola numa sanzala grande, porque os reinados há muitos foram neutralizados, embrutecidos, desmantelados e subordinados. 

Por tudo o que vi e vivi de muito perto, cheguei à triste conclusão, que a maioria dos “guerrilheiros” de origem operária e camponesa tinha lutado para ficar com a riqueza que o branco criou, substituindo-os sem esforço, vingando a escravidão a que os seus antepassados foram votados, muitas vezes vendidos pelos seus próprios “irmãos”, sem pensarem que a manutenção desses bens e sua preservação teriam de ser efectuados com trabalho árduo, organizado e abnegado.

É aberrante, o facto não só de se sentirem lisonjeados com simples medalhas de condecoração, mesmo sendo misturados com assassinos dos seus próprios entes queridos da pior espécie, quer do MPLA, quer da UNITA, quer da FNLA, só para aparecer.  

Os que não têm familiares mortos, ainda que tenham um coração insensível, têm ao menos olhos para ver os seus conterrâneos a deambular pelas ruas, lutando pelo domínio do lixo (placa) para se alimentarem, e nas sanzalas é muito pior. Acham isso justo e normal? 

Os intelectuais que iniciaram a luta de libertação e a luta armada, não foram nem Agostinho Neto, nem Jonas a Savimbi, que como primeiro partido político para se promoverem, ambos usaram o MPLA, que teve como 1⁠º. Presidente Ilídio Machado e como 2⁠º., Mário Pinto de Andrade. 

Agostinho Neto e Jonas Savimbi, aproveitaram-se do trabalho árduo de nacionalistas intelectuais de vários movimentos revolucionários, que deram origem a UPA e ao MPLA, na base do qual estiveram Cônego Manuel das Neves, Cândido Cardoso, Afonso Dias da Silva, vários membros da Casa dos Estudantes do Império, sobejamente conhecidos, entre outros. 

Não vemos qualquer empatia dos cidadãos privilegiados pelo sistema político-económico angolano, provenientes da classe operária e camponesa, oriundos do campo e dos musseques, para com a maioria dos cidadãos que comem no lixo, ou não comem e são enterrados aos “magotes”, até em cemitérios sem qualquer registo oficial.  Por essa razão, assistem com passividade ao abuso de autoridade e violência psicológica, contra as camadas da população mais carente e contra os poucos cidadãos intelectuais que não aceitaram vender-se por nenhum preço. 

Os que acham que chegou a sua vez, ou esperam por ela, não se pronunciam por covardia e comodidade. Alguns fingem choramingar, mas quando lhes é posto o “biberão cheio na boca” calam-se.  Que mediocridade! 

É uma vergonha. 

Nem o medo de um 2⁠º. 27 de Maio justifica tamanha submissão. Infelizmente, quer-nos parecer que estão a estranhar, enquanto assistimos ao aniquilamento dos que pensam, ao embrutecimento e morte prematura dos que não tiveram acesso à formação profissional, cívica e moral, ao encerramento de empresas e ao escoamento para o exterior das nossas riquezas e divisas por ignorância que se escondem por debaixo na arrogância.

Legenda: Os que chegaram das matas (alguns deles na foto, comandados por António Agostinho Neto), não tinham um projecto aglutinador de Nação, mas sim para tomada do poder a qualquer preço. E não se importaram de eliminar uma elite de jovens que despontou no final do período de colonização. Mataram de forma bárbara e quem os substituiu, presta-lhes agora homenagem condecorando-os e pronunciando discursos de louvor.

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