Hotelaria. A rede de unidades IU – IKA está em colapso

Por José Honório

2017. A ascensão de João Lourenço a Presidente da República, depois de um longevo consulado de 38 anos do inditoso “bom patriota” José Eduardo dos Santos, prometia nova era de prosperidade para o povo angolano. Com efeito, o terceiro inquilino do Palácio à Cidade Alta fez do combate à corrupção “cavalo de batalha” e, assim, reacendeu a última réstia de esperança. Mas, a esperança, que, somos nós, como diria Agostinho Neto, num poema seu, foi-se desvanecendo pouco a pouco, à medida que os efeitos colaterais do combate à corrupção se revelavam uma espécie de areia movediça, engolindo em sua insaciável e invisível cratera tudo…e todos, tal e qual a lava de um vulcão em erupção. 

A missão, quase impossível, de recuperar dentro e fora do país bens adquiridos de forma fraudulenta, avaliados em milhares de milhões de dólares, disseminou a crença de que seria um passo definitivo para acabar com a corrupção e com a impunidade e transformar Angola num país funcional.

Não foi o que sucedeu. Quer dizer, em vez de consertar a crise económica e social que grassava o país, em cinco anos, foi evidente o encerramento de muitas empresas que davam emprego e geravam renda para famílias.

Se essas empresas eram ilícitas, por terem sido construídas com recursos do erário, ficaram pior ainda quando foram abaladas com a força demolidora do combate à corrupção e por isso o inevitável colapso. 

O estado de quase total abandono dos hotéis das redes IU e IKA, espalhadas por todo o país, são um exemplo de como Angola precisa de repensar a forma como se combate à corrupção, de tal sorte que os efeitos adversos não sejam maiores que os crimes económicos que se quer coibir. Melhor: que se protejam sempre os postos de trabalho. Como aconteceu com o canal televisivo ZAP VIVA onde o Estado, e, por isso, reconhecemos, depois de suspender a emissão e mandar para casa centenas de jovens, deu meia-volta e nos lares onde havia desespero há agora satisfação porque voltaram a ver a cor do Kwanza. Não do rio, mas do kumbu.

Há quem diga que combater a corrupção é como lutar contra um câncer. Temos de matá-lo sem matar o paciente. Ou seja, é necessário adoptar medidas equilibradas que não perturbem o ciclo de crescimento económico que se almeja, até porque a corrupção é um fenómeno social em toda a parte do mundo. Não se combate este mal como se de um incêndio se tratasse. Em vez de força, deve-se empregar inteligência. Porque a força destrói, mas a inteligência edifica e estabelece pontes de negociação “face to face”. Certo dia ouvi a história de um astuto ladrão de bancos nos Estados Unidos que, depois de apanhado, em vez de ser preso, foi convidado para trabalhar no FBI. Isso chama-se inteligência.

Esta semana, ao ser “arrebatado” de Benguela para Luanda, por imperativo profissional, fui alojado no IU Hotel, constituído por duas torres – A e B, em Talatona. São 120 quartos, mas a taxa de ocupação semanal em média varia de sete a 10 dormitórios. Num país onde a procura por vagas de hospedagem é enormíssima a situação do IU é, no mínimo, surreal. 

E ao abrigo da liberdade de imprensa e de expressão, cuja existência em Angola o Governo faz questão de apregoar aos quantos cantos do mundo, escrevo estas linhas, pois, é impossível ficar indiferente ao estado de quase total abandono em que se encontram as unidades hoteleiras do grupo IU e IKA. É urgente que o próximo Governo apresse o concurso público internacional, para evitar a completa degradação destes empreendimentos de grande valia para a economia. 

Em 2020, o “tsunami” do combate à corrupção em Angola abalava completamente os edifícios AAA e todos os hotéis das redes IU e IKA do empresário Carlos São Vicente, em todo o país. A apreensão, sob mandado do Serviço Nacional de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral da República (PGR), destes empreendimentos, cujo fiel depositário é o Cofre Geral de Justiça, fez que a maioria destes hotéis fechasse às portas aos hóspedes. Os que ainda funcionam, a meio-gás, sobretudo em Luanda, atravessam sérias dificuldades. É de arrepiar, principalmente para quem já viajou um pouco por este mundo. 

Quem se hospeda no IU Hotel em Talatona, primeiro, fica com a sensação de estar perdido num deserto. Tal o silêncio sepulcral, que só o chilrear dos pássaros interrompe de quando em quando. E mais:  ressente da falta de quase tudo. Principalmente da dinâmica, do “vaivém” de turistas, de várias nacionalidades. O som do telefone tocando na recepção, os táxis que trazem e levam hóspedes do aeroporto e para o hotel. O cheiro da apetitosa gastronomia angolana e de outras paragens ou o sinal de TV, para acompanhar a campanha eleitoral nesta altura do campeonato da democracia em Angola. Também falta. Quatro dias sem ver televisão num hotel categorizado de três estrelas é complicado. Mas tudo o vento levou. Já para não falar da péssima qualidade do serviço prestado, não obstante a simpatia dos funcionários, por isso a imediata compreensão dos jornalistas de diferentes províncias aí “acantonados” durante cinco dias.

A consequência são os constantes atrasos salariais de três meses. Um calvário que vivem os poucos trabalhadores que não têm alternativa, senão persistir, pois, quem espera alcança. 

Com indisfarçável hospitalidade, traduzida em seu sorriso, Ana Paula, 31 anos, é uma das funcionárias que preferem aguardar por dias melhores a procurar outras oportunidades na grande Metrópole de Angola. Trabalhava no IU Hotel de Benguela. 

Depois do encerramento daquela unidade, em 2020, foi transferida para a capital. Para trás deixava uma filha por quem “morre” de saudades e um curso superior por concluir. Quando não tem saldo no telemóvel, recorre aos planos mais baratos de dados e, desta forma, fala com a família via Facebook. 

Apesar de lamentar que as coisas não vão bem por cá, a atendente de mesa não se arrepende de ter deixado a terra natal e, meio a brincar, diz que nem trocaria o emprego precário no IU Hotel por um amor. E reclama que o “game” anda violento, numa alusão aos homens que não assumem as relações. 

Já lá vai um ano desde que Ana Paula abraçou esta nova oportunidade de trabalho em Luanda, onde, segundo ela,  a vida “só Deus sabe”… “Sem salários, a nossa comida é esperança. É só mesmo esperar que as coisas melhorem”, atira, enquanto deixa cair das mãos um pano verde para  limpar uma mesa de vidro.

Na mesma condição está António José, 23 anos. Sonha ser polícia mas há dois anos encontrou no IU Hotel um emprego que lhe ajuda nas coisas básicas da vida.

Alto e tímido, José lembra com nostalgia como era o IU Hotel antes da chegada do “martelo” do combate à corrupção, que afugentou os hóspedes entre angolanos e estrangeiros, que, muitas das vezes, até ofereciam gorjetas, satisfeitos com o atendimento de outros tempos.

“Havia muitos hóspedes da Catoca e de outras grandes empresas aqui de Luanda”, conta. E enfatiza que, por estar localizada numa zona nobre de Luanda,  o IU Hotel era a coqueluche da cidade e o  parque de estacionamento estava sempre ocupado. Paradoxalmente, hoje ninguém mais vem aqui.

Enquanto conversa com o cronista, o interlocutor apontava para o IKA Hotel, de cor amarela berrante, ao lado do IU. No local, sobressai à vista uma larga piscina que era o centro das atenções aos fins de semana, atraindo gente de todos os cantos de Luanda. As cadeiras continuam devidamente alinhadas na esplanada, mas não aparece ninguém para sentar. 

No fundo da piscina apenas folhas secas, caídas de árvores e escoltadas pelo vento, esvoaçam de um lado para outro como crianças irrequietas. E José continuava a desfiar as memórias, agora com a voz embargada, na tentativa de conter uma lágrima que subitamente o afagava o rosto franzino.

Joaquim é outro exemplo de resiliência no IU Hotel. Todos os dias, tem a missão de abrir todas as portas dos quartos com apenas um cartão. Nenhum hóspede tem acesso ao cartão para abrir as portas. Só há um para todos. Lacónico, o recepcionista, considerado pelos colegas como o guardião do IU, reivindica: “Está difícil. Melhor, dificílimo”.

E enquanto o país social aguarda por um anunciado leilão para passar a gestão definitiva das redes IU e IKA Hotel a quem tenha comprovada capacidade financeira e experiência no ramo, a força do tempo ameaça degradar estas infraestruturas, que custaram milhares de milhões de dólares aos cofres do Estado e que antes davam emprego e geravam renda aos angolanos, muitos dos quais actualmente a preencher as estatísticas do desemprego ou talvez da criminalidade e prostituição.

À exemplo do Brasil, Portugal, África do Sul, Angola, país de infindáveis e inigualáveis potencialidades naturais, devia fazer do turismo uma das suas principais actividades económicas, em vez da dependência sempiterna do petróleo. Por isso, o Governo e o sector privado tinham de sentar à mesma mesa para dialogar em torno de um turismo mais eficiente.  

As redes IU e IKA deviam continuar a funcionar, porque aumentariam a disponibilidade à escala nacional de camas para hospedagem dos turistas entusiastas de todo o mundo atraídos pela proverbial hospitalidade do nosso povo, as nossas culturas. A hotelaria tem força e pode ser alavanca da economia de uma cidade, província e País. 

Com o aumento de hóspedes em hotéis, todos os sectores da economia ganham, como comércio, serviço de táxi, transportes terrestres, aéreos, ferroviários e marítimos. 

A economia é volátil e não pode ficar refém da decisão burocrática da Justiça que tem tudo para ser célere mas prefere andar a passos de camaleão.

O interior do IU Hotel faz – me lembrar o hotel onde estive hospedado em Beijing, na China. Vamos deixar estes empreendimentos morrer?! De jeito nenhum.

É preciso sinalizar que, se houver uma aposta séria na hoteleira, haverá geração de empregos a nível local e nacional em diversas áreas. Face à demanda do atendimento dinâmico, os gestores dos hotéis IU e IKA teriam que contratar mão-de-obra especializada e geral, como atendente de mesa, recepcionista, chef de cozinha, cozinheiros, camareiros, entre outros.

Além disso, o hotel também contribui para outras áreas, como consumo industrial. A hotelaria usa milhares de televisores, aparelhos electrónicos e electrodomésticos, roupas de cama e banho, que movimentam a economia.

Este será, sem dúvidas, o efeito multiplicador das redes IU e IKA nos municípios onde foram instalados.

Pergunto eu: “Era possível depurar as unidades hoteleiras sem estagna-las?”.

Mais: “Não é possível combater a corrupção sem degradar a economia e, nomeadamente, a hotelaria?!

O combate à corrupção, embora de fundamental importância, não deve combater o crescimento económico e, nomeadamente, o emprego. O combate à corrupção deve ser, acima de tudo, o avesso da vingança, das intrigas, das zangas. Deve ser a expressão da justiça social, da dignidade do povo, para o desenvolvimento da economia do país.

Quando voltar a Luanda, um dia destes,  espero que possa  mergulhar na piscina do IKA em Talatona, ou degustar um Bacalhau a Brás no IU Hotel.

One Comment
  1. Quanto ao texto do Dr Sérgio Calundungo,penso que as questões apresentadas já existem respostas e muito sérias. De princípio ,o processo já está viciado a partir do momento em que,a sociedade civil manifestou-se contra a indicação do presidente da CNE, a contratação da Indra e mais recentemente,a não publicação das listas dos pontencias eleitores às assembleias de voto. Não menos importante,tem a ver com a postura da imprensa pública bem como actos de intolerância política sob o olhar silencioso da PGR,do tribunal constitucional bem de outras estruturas afins. Por tanto,penso que temos de nos rever relativamente ao respeito do primado da lei,no que diz respeito as eleições livres e justas.

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