De uma conversa de compadres para um fantástico comunicado da FAF!

(A propósito da deliberação punitiva do Conselho de Disciplina, na sequência da partilha nas redes sociais de um áudio de revelações do Treinador Tramagal)

POR FREDERICO BATALHA

O mundo futebolístico angolano foi colocado em estado de choque, em função do conteúdo de um áudio, posto a circular nas redes sociais, na primeira quinzena do mês de Junho último, e que se disseminou como um vírus, pois, em amena cavaqueira, o treinador Agostinho Tramagal, ligado à Académica Petróleos do Lobito, e o jornalista Adolfo Manuel, afecto à Rádio 5 do Grupo RNA, trouxeram à tona momentos sórdidos do nosso futebol, relacionados a negociatas sobre jogos e resultados de competições sob a égide da Federação Angolana de Futebol (FAF). E transcorridos cerca de 3 meses, sobre a data do vazamento do áudio, surgiu o Conselho de Disciplina da FAF com uma deliberação, produzida no âmbito do processo disciplinar, por si instaurado, sob n.º0006/23, contida no Comunicado Oficial da FAF, n.º31/SG/23, de 31 de Agosto.

Temos, então, dois fenómenos sobre os quais encetaremos um exercício abreviado de anatomia, de modo a vislumbrarmos e extrairmos conclusões sobre o essencial dos respectivos teores: de um lado, o áudio de revelações “tramagais” e, do outro, a deliberação, de demonstração de força, do órgão disciplinador da FAF.

Em relação ao áudio, depois de o ouvir com a devida atenção, se percebe que se trata de uma gravação feita pelo jornalista Adolfo Manuel, da Rádio 5/RNA, na perspectiva de se redimir/salvar a sua imagem, junto do presidente do Kabuscorp do Palanca, uma vez que foi ele, tal como em vezes anteriores, quem intermediou o acerto de resultado e de valores monetários entre o referido presidente e o treinador Tramagal, relativamente ao jogo para a Taça de Angola entre a Académica do Lobito e o Kabuscorp do Palanca. Com aquela diligência, o jornalista pretendia provar que estavam efectivamente entregues os valores aos destinatários, treinador Tramagal e, por via dele, aos jogadores, e que a falha no cumprimento do acerto de resultado estava no lado dos lobitangas.

Eis, afinal, a história central do áudio, não se sabe em que circunstâncias foi gravado, nem das razões da sua partilha em “velocidade furiosa”, mas, no seu cerne está a necessidade das pessoas envolvidas, na combinação de resultados, travarem-se de razões sobre quem terá falhado, tendo como incidência o jogo relativo à Taça de Angola entre a Académica do Lobito e o Kabuscorp do Palanca, que se realizou no Estádio do Buraco, Lobito, no passado dia 23 de Maio. Logo, os agentes desportivos, enquanto sujeitos da trama, envolvidos são: o treinador da Académica do Lobito, Agostinho Tramagal; o presidente do Clube Kabuscorp, Bento Kangamba; o atleta da Académica do Lobito, Márcio Luvambo; e o próprio jornalista da Rádio 5/RNA, autor da gravação, Adolfo Manuel Bambino.

Pelo que, havendo necessidade, pelos órgãos da FAF, de apuramento dos factos revelados, os sujeitos ora mencionados é que se constituiriam na parte arguida do processo, porquanto, todos os demais agentes e clubes, designadamente, presidente do Clube Williete de Benguela, o atleta Kaporal, o Atlético Petróleos de Luanda (APL) e o 1.º de Agosto foram citados en passant, não sendo elementos da trama e motivos da conversa gravada. Esta é, na nossa visão, a correcta delimitação subjectiva para o processo disciplinar, em sede dos órgãos da FAF.

Agora, a inclusão no processo de agentes citados no áudio, em primeira linha, e os citados, de passagem, estes como casos de ilustração usado pelo treinador Tramagal, não foi o caminho mais acertado, de sorte que acabou por ficar de fora do “raio demolidor” do Conselho de Disciplina (CD) da FAF um deles. Vejamos: o Clube Williete de Benguela, por via do seu presidente é referido, dentre outras artimanhas, como tendo estado na base da ausência em campo do atleta Kaporal da Académica, através de eventual contrapartida financeira, no jogo que opós o Williete à Académica, entretanto, nem o presidente Wilson Faria, nem o atleta em causa foram chamados à pedra pelo CD, fazendo suscitar e reforçar suspeições de tratamento privilegiado que o Williete tem vindo a beneficiar no âmbito da FAF e da própria imprensa. Essa omissão tem relevância, num processo que se queria de reposição da legalidade e da justiça desportiva, face a eventuais condutas lesivas de boas práticas, protagonizadas por agentes do nosso Futebol.

Adentrando para a famigerada deliberação do CD da FAF, temos de frisar, à partida, que os procedimentos usados e a linha de inquirição seguida foram tidos, por essa estrutura da FAF, como os mais adequados para a justa resolução dos problemas/males identificados no Futebol, já que o Direito Desportivo tem princípios e regras próprios, mesmo havendo apelo sistemático a princípios e regras de ramos de Direitos mais consolidados, como o Direito Penal/Processo Penal e o Direito Civil/Processo Civil. Seguramente, outras pessoas ou outras estruturas seguiriam procedimentos e linhas de inquirição totalmente diferentes, até nas conclusões para as sanções a aplicar. 

A título de exemplo, sendo o Desporto, em geral, e o Futebol, em particular, espaços de virtudes, era de boa acção, pelos órgãos da FAF, chamar os verdadeiros agentes da trama (Tramagal e o seu Clube, Kangamba e o seu Clube, Márcio e Adolfo), porque, repetimos, o que está em causa é o jogo para a Taça de Angola entre a Académica e Kabuscorp, e não qualquer outro jogo que envolvesse clubes diferentes, para a devida chamada de atenção sobre as consequências dos actos praticados, com sanções pecuniárias ou de outra natureza. Em acréscimo, lhes seria dito que, em caso de voltarem a cair na mesma situação as sanções seriam de maior impacto. Os agentes citados, por acaso (Wilson Faria, APL e D‘Agosto), também seriam chamados para uma reprimenda, ao estilo puxão de orelhas, porque, à luz da legislação da FIFA incorre em adulteração de resultado, portanto, conduta sancionável, quem usa de artifícios extra-campos, no seu jogo ou no jogo de terceiros, com ofertas financeiras, para a vitória ou para a derrota.

Assim sendo, tendo o CD da FAF, seguido as vias que escolheu, nos leva a questionar se, como qualquer Juiz/Julgador, terão prestado a devida atenção para os efeitos devastadores, não apenas para os clubes visados, mas, sobretudo, para o Futebol e o Desporto Nacionais, das medidas que tomaram? Terão lançado mãos de valores/juízos/princípios como a ponderação, o bom senso, a razoabilidade, a proporcionalidade, a igualdade de tratamento, o não entrar em contradição com deliberações anteriores, a primitividade de réus, só para citar esses, para se chegar a uma deliberação verdadeiramente judiciosa? No rol de medidas a aplicar, havendo uma hierarquia de sanções, será que se optou pelas mais adequadas, atendendo ao tipo de infracção, ao grau de participação dos clubes e ao dolo ou negligência associados aos actos? Por fim, a quem aproveita ou quem se beneficia com esse pretendido afastamento de toda a actividade futebolística, por 2 (dois) anos, do APL, quando no presente momento, é o clube que eleva mais alto as cores do país nas competições africanas de clubes, tendo, por mérito próprio, conquistado um lugar no restrito grupo de 8 (oito) equipas que disputarão, a partir deste ano, a primeira edição da Superliga Africana de Futebol?

Porém, há um lado positivo em tudo isso, i.é, o mote para a mudança do quadro. Porquanto, temos a soberana oportunidade de envolver, daqui para a frente, o nosso Futebol com um novo manto, o manto dos bons valores, das boas práticas e dos costumes condizentes com o fair-play. Que a FAF e as instâncias do Poder Judiciário tenham capacidade suficientes para captar todos os áudios e outros meios de denúncia de actos de corrupção (activa e passiva) no nosso Futebol, e no Desporto como um todo, que sempre existiram e continuarão a existir entre nós, para serem convenientemente investigados e punidos, à semelhança do que se tenta fazer a nível do Estado, em relação à depredação do património público e à malversação do Erário. Não podemos mais voltar ao tempo, sem precisar de recuar em demasia, como em 2015, em que o Senhor Horácio “Mi” Mosquito, munido de documentação bastante, para se iniciar investigações/inquirições sobre a corrupção no Futebol, pelos órgãos da FAF, órgãos de apoio ao Titular do Poder Executivo e instâncias do Poder Judiciário, que, até hoje, essas instituições não moveram nenhuma palha! Nem aos “procedimentos subterrâneos” que ouvimos denunciados à meia luz e à boca pequena, por altura dos processos de renovação de mandatos em Federações Desportivas, que depois aparecerem sob a forma de lamúrias de dirigentes de Associações Provinciais, por promessas não cumpridas pelos indivíduos eleitos! E nem ao tempo recente, em que, para os Conselhos Jurisdicional e de Disciplina da FAF, os áudios, obtidos nas circunstâncias em que o Adolfo Manuel fez, não têm valor de prova, devido à ilegalidade da sua obtenção!

Por conseguinte, para um novo começo no nosso Futebol, para um quadro morigerador de condutas, não há voltas a dar, precisamos caminhar todos e juntos para o cenário em que sejamos capazes de expurgar, a cada passo em falso, os elementos que só estão no Desporto e no Futebol para terem ganhos sem olhar aos meios. Definitivamente, esses não fazem falta, incluindo dirigentes que se fazem eleger, por meio de promessas de fundos e mundos ou coisas e loisas. Angola deve dizer basta!

Temos dito!

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR