Dança. “Isto é uma Mulher?” regressa à cena no Palácio de Ferro pela CDCA

A Companhia de Dança Contemporânea de Angola (CDCA) volta a cena a partir de amanhã, sexta-feira (21) no Palácio de Ferro, em Luanda, para a reposição da peça Isto é uma Mulher?, estreada em Maio deste ano, abrindo assim nova série de apresentações da Temporada de 2022, que terão continuidade no sábado e domingo (22 e 23) a partir das 18 horas.

Com a duração de uma hora, esta obra crítica e de intervenção social que resulta de uma criação conjunta de Ana Clara Guerra Marques e da coreógrafa Irène Tassembédo do Burkina Faso, convoca o público à descoberta, desafiando-o a confrontar-se consigo próprio e a envolver-se num universo onde, em cada pergunta e em cada resposta, existe uma probabilidade de razão. 

De acordo com nota de imprensa da CDCA, com a exibição da peça Isto é uma Mulher? “não se pretendem apresentar soluções, muito menos se tenciona homenagear, exaltar, mostrar compaixão ou assumir qualquer lugar comum”, mas apenas “integrar a construção de um lugar humanizado e evoluído onde ser Mulher já não cabe nos paradigmas do passado”.

Depois dessas exibições, a CDC Angola seguirá em digressão para o exterior do país por um período de 20 dias, para cumprir uma agenda que prevê a realização de espectáculos em Portugal e França, um dos quais, com carácter especial, na sede da UNESCO. 

Recordamos que esta companhia, à qual se deve a grande transformação do panorama da dança em Angola, foi fundada em 1991. A CDCA é membro do Conselho Internacional da Dança da UNESCO, e possui um historial de centenas de espectáculos apresentados em Angola e no exterior, com dezenas de obras originais, sendo hoje a principal referência da dança cénica angolana no mundo. 

Com 30 anos de existência, esta companhia ocupa um lugar privilegiado na História de Angola, ao ter semeado o “novo” no vasto terreno da dança onde continua a desenvolver um trabalho artístico único e original. 

Contextualização da peça pela CDCA. Vivemos hoje tempos que se distanciam daqueles modelos arcaicos em que a obrigatoriedade das mulheres se ocuparem exclusivamente das tarefas domésticas (que incluíam tomar conta dos filhos, da cozinha ou da roupa do marido) contrastava com a liberdade dos homens para trabalhar, votar, governar e movimentar-se livremente dentro e fora de todas as regras de conduta e princípios morais criados para manter as mulheres numa posição subalterna. Nestas sociedades ditas modernas, estas não tinham, inclusivamente, direitos sobre o seu próprio corpo. Como resultado de todas as transformações que este cenário conheceu, existem actualmente sociedades onde a mulher desempenha papéis de responsabilidade antes reservados aos homens. Paralelamente, outras há em que as mulheres continuam a viver numa condição de quase invisibilidade. 

Criar uma peça sobre a mulher ou sobre mulheres pode parecer tão oportuno como arriscado ou mesmo imprudente pois, às questões anteriores, juntam-se aquelas relacionadas com a construção e identidade de género as quais estão, igualmente, longe de ser resolvidas. Se existem geografias onde estes assuntos são amplamente debatidos e existe espaço para a realização pessoal de todos, outras há que permanecem enclausuradas nos parâmetros conservadores, que a própria ciência já descartou, de uma definição Homem-Mulher circunscrita às características biológicas. 

As possibilidades de equacionar todas estas variáveis são tão diversas como a sua própria essência ou como os distintos contextos sociais de onde provêm. A pergunta “o que é ser mulher?” gera, portanto, tantas respostas quantas as questões que nela estão contidas. Existe uma resposta “certa”? Talvez. Uma resposta aberta que inclua questões de ordem física e psicológica, mas também de ordem social e antropológica. 

Não sendo este um lugar físico de debate criámos, com a peça Isto é uma mulher?, situações que permitam a descoberta ou, simplesmente, que desafiem o público a confrontar-se consigo próprio e a envolver-se, ainda que por instantes, num universo onde, em cada pergunta e em cada resposta, existe uma probabilidade de razão. 

Não se pretendem apresentar soluções, muito menos se tenciona homenagear, exaltar, mostrar compaixão ou assumir a comodidade da fórmula redutora ainda tão reconhecida.
Queremos apenas integrar a construção de um lugar humanizado e evoluído onde ser mulher já não cabe nos paradigmas do passado.

Irène Tassembédo (a esquerda) e Ana Clara Guerra Marques

E quem é Irène Tassembédo? – Ex-aluna da Escola Mudra-Afrique de Maurice Béjart em Dakar, Irène Tassembédo é uma das maiores figuras da Dança na África contemporânea. Há mais de três décadas que desenvolve um trabalho coreográfico original, combinando a dança contemporânea e dança africana, reinventando novas linguagens para a dança. 

Para além da dança, Iréne Tassembedo, desenvolve também actividade como actriz no teatro, cinema e televisão. Após 30 anos de carreira internacional, voltou, em 2007, a estabelecer-se no Burkina Faso, seu país de origem, transmitindo a sua experiência profissional a bailarinos, coreógrafos e outros artistas do continente africano. 

Continua a criar peças coreográficas com a sua própria Companhia, a CIT, Compagnie Irène Tassembédo, e trabalha no desenvolvimento de projetos culturais inovadores como a EDIT, Escola Internacional de Dança. 

Em Janeiro de 2013, Irène Tassembédo lançou o Festival Internacional de Dança de Ouagadougou, FIDO, aberto a todas as formas de expressão coreográfica, no qual cerca de vinte companhias de dança de todo o mundo se apresentam regularmente todos os anos. O FIDO estabeleceu-se rapidamente como um ponto de encontro internacional de alto nível para a dança na África, aberto em particular às diásporas africanas em todo o mundo. Actualmente, prepara também a sua primeira longa metragem como realizadora. 

Ana Clara Guerra Marques é pioneira da dança contemporânea em Angola e fundadora da primeira companhia profissional angolana, a Companhia de Dança Contemporânea de Angola, com a qual propõe novas formas e conceitos de espectáculo, dividindo a sua criação entre a intervenção / crítica social e a extensão artística do seu trabalho de investigação sobre as danças patrimoniais angolanas, com incidência na cultura cokwe

A implementação da dança Inclusiva é outra das suas contribuições para uma diversificação do olhar sobre a dança em Angola. Da sua estratégia para a defesa e projecção da dança enquanto linguagem artística e arte performativa em Angola, fazem ainda parte a sua prática como bailarina e coreógrafa. Como investigadora, tem vários artigos publicados em periódicos angolanos e revistas de especialidade internacionais e é autora dos livros “A Alquimia da Dança” (1999), “A Companhia de Dança Contemporânea de Angola” (2003), “Para uma História da Dança em Angola – Entre a Escola e a Companhia: Um Percurso pedagógico” (2008), do Catálogo do Museu do Dundo (Org.), “Memória Viva da Cultura do Leste de Angola” (2012) e “Máscaras Cokwe: A linguagem coreográfica de Mwana Phwo e Cihongo” (2017). 

Trabalhou durante 37 anos no Ministério da Cultura angolano, onde foi directora e professora da Escola Nacional de Dança; autora das primeiras acções para a fundação de um ensino profissional das artes em Angola; membro das comissões instaladoras do Instituto Superior de Artes, dos Institutos Médios de Artes e da comissão interministerial para a criação do Sub-sistema de Educação Artística em Angola. Foi também Consultora do vice-ministro e da ministra da Cultura de Angola. Como reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento das artes e da cultura em Angola, foram-lhe atribuídos o “Prémio Nacional de Cultura e Artes” (2006), o prémio “Identidade” da União Nacional dos Artistas e Compositores (1995), os Diplomas de Honra (2006) e de Mérito (2016) do Ministério da Cultura de Angola e o “Diploma de Honra – Pilar da Dança” da UNAC (2011). É Mestre em “Performance Artística – Dança” e Licenciada em dança na área da Educação.

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