O IMBRÓGLIO DO CONFLITO NO LESTE DA RDC

Nalguma esquina da história, esse conflito terá de terminar, sem necessidade de se esticar demasiado a corda para que ela rebente, com uma guerra inter-regional. Mas alguém terá de parar os apetites da formiga…

RAMIRO ALEIXO

A instabilidade na RDC é um caso que nos interessa sempre, não só pela geografia, mas pela ligação natural dos nossos dois povos, sobretudo no Norte, e pela influência negativa que pode ter no interior das nossas fronteiras. Não vão um dia outros cidadãos (ou minorias) descendentes, residentes e nascidos em Angola, seguir o exemplo, utilizando os mesmos argumentos que tsutis e hutus nascidos na RDC, no Ruanda e no Uganda, reclamar direitos de autodeterminação e exploração de riquezas, com o apoio de qualquer governo instalado nos dois congos, para voltarmos a ter guerra em Angola. As minorias têm direitos, mas as guerras não são solução e a prova está na desestruturação desse país e nós temos exemplos das consequências dessa via.

Por aí se entende o interesse de Angola na pacificação desse país e a intervenção do Presidente João Lourenço no papel de mediador. Mas, convenhamos, num conflito em que intervêm mais de 14 grupos armados, embora o mais expressivo seja o M23, dois governos, do Ruanda e do Uganda, para além de potências como a França, Estados Unidos e outras, ainda que por via de empresas que participam na pilhagem de recursos desse país, o desempenho da mediação angolana não pode ser fácil. Porque falta franqueza, vontade e comprometimento das partes envolvidas no conflito. Mas também, concordo que nas negociações para o cessar-fogo deve estar presente o líder do M23, para além da RDC e do Ruanda, representados ao mais alto nível pelos seus presidentes, Paul Kagame e Félix Antoine Tshisekedi, e nalgumas ocasiões também Yoweri Museveni, do Uganda, outra parte que, com Paul Kagame, constituem a rectaguarda de apoio político e logístico das várias forças rebeldes que actuam sobretudo no Leste daquele país.

A ocupação da cidade de Boma, capital do Kivu-Norte, nos últimos dias, constitui um elemento novo de pressão dos rebeldes comandados por Corneille Nangaa, sobre a governação de Félix Tshisekedi, mas também, de clarificação da intervenção directa e das intenções reais do Ruanda no conflito. Porque a quantidade de equipamento bélico e logístico que se viu desfilar pelas ruas daquela cidade, não caiu do céu e não constituem oferta de um bom samaritano. Se não foi fornecido por Paul Kagame, passou pelo Ruanda e isso significa uma violação do direito internacional, porque serviu para atacar um estado vizinho, seja quais forem as razões. E a julgar pelas declarações de Nangaa, que considera “João Lourenço cúmplice do ditador Félix Tshisekedi” (como se Paul Kagame é um santinho), confundindo relações entre estados com relações pessoais, ainda que se entenda que a mediação do Presidente angolano não tenha falhado, há de convir que por conveniência de Paul Kagame e de Yoweri Museveni, as negociações já não passam só por Luanda. Aliás, já se fala da entrada em cena do presidente do Quénia, William Ruto, que, ao que consta, mantém relações próximas com Paul Kagame, mas mantém uma postura ‘neutra’ relativamente ao caso. Informação dispersa dá conta que ao tomar conhecimento da ocupação de Goma, Ruto terá já contactado as partes, fez uma transmissão ao vivo e anunciou imediatamente, um encontro com os dois líderes intervenientes.

Com base nesses novos elementos, podemos inferir que, na nova fase de concertação, nem Angola, nem a África do Sul que participa com efectivos na força de manutenção da paz e viu 19 dos seus enviados serem mortos pelos rebeldes ou pelos ruandeses, farão parte do rosário. E Tshisekedi terá de ceder sentando-se à mesma mesa de negociações com quem não queria, sob pena de assistir à desintegração do seu país ou a queda do seu próprio governo, perigando a sua sobrevivência e continuidade na presidência. 

Como é sabido, a RDC não dispõe de capacidade militar para inverter os ganhos dos rebeldes, mais activos, melhor municiados e mais estimulados, que prometem, se necessário, avançar até Kinshasa. Logicamente que, embora seja uma questão interna dos congoleses, esse avanço pode ter outras consequências para a estabilidade das fronteiras angolanas, mas também afectar interesses comparticipados geoestratégicos políticos e económicos na região, com os EUA e a União Europeia, nessa inversão de aproximação feita pelo Presidente João Lourenço com o Ocidente, em detrimento da influência da Rússia e da China, na sequência da guerra contra a Ucrânia.

Não sendo propriamente um gigante na região nem uma nação rica de recursos, embora tenha ganho algum protagonismo na última década e nos últimos anos, sobretudo com o auxílio militar a Moçambique, que provavelmente foi um teste à capacidade das suas forças militares, Paul Kagame e por arrasto Yoweri Museveni, pretenderam com essa incursão e ocupação de Boma pelo M23, levar a resolução do caso para a sua zona de influência e de conforto. Mas, ainda assim, não há como ignorar a importante influência e interesses de Angola, que com a contribuição da África do Sul, a pedido do Governo de Tshisekedi com ou sem a concordância da União Africana, ao abrigo de acordos bilacterais, poderão intervir em defesa do aliado, contando com o apoio directo ou indirecto dos EUA e de vários países da União Europeia.

A próxima semana será decisiva e oxalá que as partes voltem à mesa de negociação, com pronunciamentos mais comedidos, em vez de desafios insultuosos a Angola e a África do Sul, que, de boa-fé, têm tentado auxiliar na solução deste caso, que embora se teime, não passa por morrer mais congoleses, nem que estes fujam mais das suas terras para encontrar segurança nos países vizinhos. 

Nalguma esquina da história, esse conflito terá de terminar, sem necessidade de se esticar demasiado a corda para que ela rebente, com uma guerra inter-regional. Mas alguém terá de parar os apetites da formiga.

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