O QUE SIGNIFICA A ‘ALTERNÂNCIA DE PODER’?

Importa reflectir sobre o papel das elites na condução da prometida ‘construção da nação’ e na criação das condições para reverter as suas fraquezas intrínsecas, porque resultantes das disfunções introduzidas pela dominação colonial, entre as quais a destituição da maioria africana…

CESALTINA ABREU 

Aqui entre nós, e não só, há um tema repetido e mobilizado em vários grupos de cidadãos, nas redes sociais, que é a necessidade de ‘alternância de poder’. Directamente relacionado com o conceito de Democracia – o poder do povo – e a sua aplicação, ou seja, a vontade do soberano em colocar no poder quem considera que irá, em seu nome, implementar os programas propostos e escolhidos para melhorar as condições de vida de todos e criar mais oportunidades para o futuro. A alternância de poder, refere-se à mudança, de tempos em tempos, dos escolhidos para governar em nome do soberano.

Numa sociedade, a necessidade desta alternância constrói-se, tanto pela cidadania politicamente organizada – a sociedade civil – quanto pelas organizações que integram o sistema político, desde que se dediquem a estudar a sociedade para conhecer as suas necessidades e os seus interesses, gizar programas que permitam responder aos mesmos, e transformar esses programas em propostas de projectos políticos a apresentar ao eleitorado, nas diversas instâncias de realização de eleições. Em sociedades de facto democráticas, as eleições acontecem regularmente e aos diversos níveis de governação – local, regional e nacional -, e para os três poderes: legislativo, executivo e judiciário.

De uma maneira simplificada, a introdução acima exposta visa chamar a atenção para o seguinte: alternância de poder não significa, apenas, a eleição de outra força política. Alternância de poder significa, acima de tudo, a eleição da mudança na maneira de fazer política, na maneira de articular necessidades e possibilidades e responder gradualmente às primeiras com base na criação de condições para expandir as segundas, de uma maneira inclusiva e sustentável.

Este entendimento de ‘alternância de poder’ dialoga bem com o argumento, emprestado de Anne Applebaum(1) segundo o qual, para haver uma transição política dois elementos são cruciais: uma elite disposta a abrir mão do poder e uma elite alternativa suficientemente organizada para assumi-lo.

No caso de Angola, importa reflectir sobre o papel das elites na condução da prometida ‘construção da nação’ e na criação das condições para reverter as suas fraquezas intrínsecas, porque resultantes das disfunções introduzidas pela dominação colonial, entre as quais a destituição da maioria africana, o que impediu o exercício da cidadania devido à segregação institucional com base na distinção identitária.

Esta situação não se alterou substancialmente após a independência, uma vez que a substituição do governo colonial pelo ‘governo angolano’ não conduziu à democratização do Estado. Pelo contrário, o Estado continua tão distante da maioria da população como o era o estado colonial, perpetuando as distinções entre “a sociedade” – moderna, urbana, que se rege pelo sistema de direitos – e “a comunidade” – tradicional, não urbana/rural, que se rege pelos costumes -, mantendo formalmente excluída da cidadania, da esfera pública, e da tomada de decisão a maioria da sua população. Mantêm-se os traços da separação entre cidadãos e não-cidadãos, entre o urbano e o rural, entre o direito com base na constituição e o direito com base nos sistemas de valores (ou dito de outro modo, entre as leis e os costumes), caracterizando ‘mundos’ que não se reconhecem como fazendo parte de uma mesma sociedade, e que se tornam cada vez mais incomunicáveis à medida que as desigualdades sociais – escancaradamente crescentes – acentuam as diferenças nos modos de (sobre)viver, estar e comunicar-se, cada vez mais distantes devido à inexistência de instituições geradoras de confiança social e à ausência de descodificadores semânticos nas relações sociais e de poder(2).

Retomando o argumento de Applebaum, uma pergunta se impõe: e com que elites se pode contar, em Angola, para operar essa transição/mudança?

O mais recente Elite Quality Index 2024, da Universidade de St. Gallen (Suíça), classifica as elites angolanas na posição 139 em 151 países, e no último nível de cinco possíveis, isto é, elites atrasadas(3). Mais preocupante: o “Barómetro de Criação de Valor NextGen 2024: Dar prioridade às oportunidades para os jovens”, na sua 3.ª edição, apresenta o estado global da equidade intergeracional. O Barómetro é a componente EQx que se centra nos aspectos dos modelos de elite nacionais que proporcionam um legado de Criação de Valor ou, pelo contrário, extraem valor dos jovens e das gerações futuras. Nesta componente do Index, Angola ocupa a última posição em 151 países(4).

As elites contribuem significativamente para a criação da estabilidade ou instabilidade política e institucional, devido ao efeito dos produtos e resultados das suas acções na qualidade da consciência colectiva e no modus operandis da sociedade, particularmente devido à preocupação, ou não, com o desenvolvimento de uma cultura de respeito e de reconhecimento da diversidade que nos caracteriza. Os mecanismos mais efectivos para a construção da estabilidade político-institucional são aqueles que permitem exercitar democracia, criando um ambiente favorável ao reforço de cidadania e a uma inclusão social cada vez mais ampla. Estes arranjos institucionais não são dados nem estáticos. Resultam de entendimentos entre público e privado, na ‘distribuição de tarefas’ entre Estado e sociedade.

Do ponto de vista da mudança institucional seria necessário considerar, entre outras mudanças fundamentais, a criação de sistemas de controlo social, introduzindo as ideias de avaliação, correção e prestação de contas das políticas, a construção de confiança como bem público, e a coragem de iniciar um processo de experimentação institucional, mobilizando novas forças sociais de maneira a garantir a inclusão de novas formas de pensar e de fazer política.

1 Outubro 2024

(1) Colunista do Washington Post, autora do livro Gulag – Uma História, Civilização Editora (2005), e do artigo “Sobrevida de segunda”, Revista Foreign Policy, 25 de Junho de 2011.

(2) MAMDANI, Mahmood. (1996), Citizen and Subject: Contemporary Africa and the Legacy of Late Colonialism. Princeton, Princeton University Press.

(3) The Elite Quality Report 2024 (EQx2024) provides Country Scores and Global Rankings for 151 countries © Foundation for Value Creation 2024. O Elite Quality Index 2024 pontua e classifica 151 países usando 120 indicadores de várias componentes. Na 5ª edição anual deste índice de economia política global, da Universidade de St. Gallen, os dados mostram onde as elites agregam ou extraem valor das suas respectivas nações. Comparativamente a 2022, Angola desceu uma posição. file:///C:/Users/Admin~/Downloads/ssrn-4779686.pdf p.47

(4) The Elite Quality Report 2024, p. 19

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