O PETRÓLEO E O ÓLEO DE PALMA

JAcQUEs TOU AQUI!  

Ainda tenho voz para dizer com convicção que os bizarros ideólogos do nosso desencanto de hoje, sugerem com os seus actos e estratégias, que a sua máquina acolhe muita gente impreparada…

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Um alto dirigente do MPLA, infelizmente já fora do nosso convívio, utilizava muitas vezes a seguinte frase: “estes gajos pensam que extrair petróleo é a mesma coisa que extrair óleo de palma”. Com a sua voz calma mas bastante forte, pausada mas sempre entendível, manifestava claramente os seus desencantos. Seriam causados pelo comportamento do povo em geral ou pelo dos compagnons de route? Naquela altura não me foi fácil decifrar. Quem seriam os gajos, afinal? 

Vivíamos o tempo inicial da Primeira República. Um tempo lindo, esperançoso, de muitos sonhos. Foi nesse período que ouvi o desabafo pela primeira vez. Na altura não tinha nenhuma confiança com ele, só nos aproximamos muito mais tarde. Passamos então a conviver e tornámo-nos amigos. Nessa primeira vez, estávamos parados em frente às portas dos elevadores instalados no edifício do Ministério da Indústria, ali ao lado do BPC. Não éramos só nós, mais duas ou três pessoas aguardavam a chegada de um dos dois elevadores de serviço. Ouvi então pela primeira vez ao vivo, a voz forte que já conhecia da rádio e da televisão: “Isto não funciona?” Perguntou a ninguém e ninguém soube responder. Nos nossos olhares encontrou provavelmente a resposta, uma vez que, cofiando a barba branca, sempre bem tratada, fez ouvir novamente o famoso vozeirão: “pois, como tudo neste país”.

Seguiu-se a frase habitual que referia o óleo de palma e o petróleo e fiquei esclarecido. Afinal eles, os poderosos, também se criticavam, pensei com certa maldade. Claro! Tinham olhos e também observavam o que o povão via. Já nessa altura não estavam contentes com o não funcionamento das coisas que se desenvolvia. Isto aconteceu há muitos anos e a lembrança do episódio faz-me hoje pensar sobre essa época espantosa de sonhos lindos, em que as coisas mais elementares começaram a dar sinais de não funcionarem em Angola.

Acredito que a tirada do petróleo e do óleo de palma terá sido utilizada com o mesmo sentido crítico noutros contextos e, quase certo, em vários momentos da sua vida. Hoje atrevo-me a pensar que esse hábito desabrido de dizer as coisas como ele o fazia terá influenciado a sua carreira política e o seu futuro de vida. Posso enganar-me na análise, mas continuo a pensar que não teve o percurso que se augurou que viesse a ter. Solidifiquei essa ideia num dia em que propositadamente me visitou na Chá de Caxinde e com amizade e muitos cuidados me alertou: estas crónicas que andas aí a publicar e, particularmente, a recente entrevista que deste…

Aparando a barba, arregalou os olhos e encarou-me de frente. De facto, eu continuava a escrever, tinha sido entrevistado por um semanário e as minhas declarações manifestavam insatisfação por aquilo que o regime do Presidente José Eduardo dos Santos estava a oferecer ao povo. “Não te metas com eles, o MPLA é uma máquina trituradora”, disse-me ele, na sua voz característica.  

Agradeci o alerta, mas o que acabara de ouvir não era nada que eu não soubesse. Já muitos tinham sido triturados pela fantástica máquina! Entretanto, o tempo passou e, depois dum efémero sonho de mudança e já sob o comando do Presidente João Lourenço, continuamos a ver o não andamento das coisas. Essencialmente por ter abraçado uma ideia de regime que quis ser diferente do antecessor, mas que desconseguiu de encontrar uma máquina capaz, mais adequada à modernidade do tempo em que entrou na disputa política. Têm-lhe faltado, sobretudo, a noção da realidade das coisas, o mesmo que os óleos e lubrificantes que fazem as boas máquinas funcionarem.

Até agora, os meus 81 cacimbos dizem-me que estou bem, felizmente. Com bom juízo, ainda estou aí para as curvas. Pelo menos em termos de dignidade, mantenho-me firme, direito, que é coisa de que não se orgulha muita gente. Ainda tenho voz para dizer com convicção que os bizarros ideólogos do nosso desencanto de hoje, sugerem com os seus actos e estratégias, que a sua máquina acolhe muita gente impreparada, que não sabe distinguir o petróleo do óleo de palma. 

Vou terminar, mas antes olho para a minha secretária e noto que em frente dos meus olhos se encontram arrumados três livros à espera de serem lidos nos próximos dias. “Se o passado não tivesse asas”, de Pepetela, “África em transformação”, de Carlos Lopes e “Como caem os tiranos”, de Marcel Dirsus. Vou fazer uma força nesse sentido.

Despeço-me dos meus amigos, da família e dos estimados leitores, com um abraço e a estima de sempre. Até ao próximo domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 30 de Março de 2025

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