CODIFICAÇÃO DO DIREITO E DIREITO CONSUETUDINÁRIO

MARIA LUÍSA ABRANTES 

Deparei-me recentemente com parte de um vídeo do Professor Carlos Feijó, desconheço de que data, que me despertou a atenção por duas razões. Julguei o tema importante, mas, ao mesmo tempo, preocupou-me o facto, da abordagem parecer-me um pouco ligeira, pela sua complexidade, tratando-se da codificação, ou da não codificação jurídica.

A discussão entre a aplicação do Direito “codificado” sistematizado e unitário e a aplicação do Direito costumeiro, ou consuetudinário, não é pacífica, essencialmente pela ausência de sistematização. A questão sendo relevante, da forma como foi abordada, poderia prestar-se a alguma confusão, sobre:

i. O significado da terminologia “codificação” do Direito unitário sistematizado (ordenamento jurídico) por um lado, em oposição a “não codificação” do Direito consuetudinário (costumeiro), que nesse caso tem como fonte única e exclusiva, o costume, não sendo codificado, as suas normas jurídicas não são objecto de sistematização, o que poderia constituir um retrocesso; 

ii. Por outro lado, a diferença entre a “codificação parcial” do Direito unitário sistematizado e a aplicação parcial do Direito costumeiro. Isto é, a possibilidade da aplicação do Direito parcialmente “codificado”, através da regulação de normas gerais do Direito codificado e sistematizado unitário e a possibilidade de aplicação do direito costumeiro, desde que este não contrarie nenhuma das normas da Lei Fundamental (Direito Constitucional);

iii. O facto do Direito Administrativo apesar de ser considerado um ramo de Direito “não codificado” (ex: Portugal, Brasil e Angola, que seguem o sistema jurídico romano-germânico (civil law), não significa que não exista sistematização e unidade entre as suas normas. O Direito Administrativo é um ramo de Direito, regulado por normas da Constituição e por outros actos jurídicos (legislação avulsa). Os motivos pelos quais o Direito Administrativo é considerado um ramo de Direito não codificado são:

•⁠  ⁠O dinamismo desse ramo de Direito, em constante actualidade;

•⁠  Necessidade de flexibilização para actualização célere, sem ter de aguardar o processo mais rígido e demorado para a aprovação de legislação codificada (Código).  

A “codificação” é a sistematização das normas jurídicas que regulamentam determinados ramos de Direito, reunidas num único código, de forma sistematizada, que garante maior segurança jurídica e eficácia do sistema como um todo, pela interdependência das normas, promovidas pelo princípio da unidade. A codificação é diferente da “consolidação”, que consiste em simplificar, revisar e inovar relativamente ao ordenamento jurídico já existente.

Os tipos de codificação jurídica podem ser:

i. “Vertical”, quando compila o acto jurídico inicial e as suas alterações num segundo acto jurídico; 

ii. “Horizontal”, reunindo várias leis e actos jurídicos relacionados num único código. 

•⁠  ⁠A sistematização é o acto organizativo das normas, de forma lógica e estruturada, visando torná-las mais compreensíveis e acessíveis, para facilitar o acesso às informações, promover a padronização e uniformidade, facilitando a sua pesquisa e tomada de decisões.

•⁠  ⁠O princípio da unidade do ordenamento jurídico, ou princípio da unidade do sistema jurídico, “… orienta a interpretação e aplicação do Direito, garantindo a coerência, a segurança jurídica, a eficácia do sistema” e a prevenção de conflitos, exigindo uma interpretação coerente dos intérpretes das leis. 

A obediência à “unidade”, refere-se às normas, procedimentos e decisões, com o objectivo de garantir a harmonia, a coerência e a eficácia de determinado sistema jurídico. 

São exemplos clássicos de codificação a codificação dos Códigos Civil, Penal, do Processo Civil e Penal e de outros ramos de Direito. 

•⁠  ⁠Sempre que se faz uma remissão de artigos entre diferentes ramos do Direito, está-se a aplicar o princípio da unidade jurídica. A remissão consiste na referência a uma norma de um ramo de Direito, com o objectivo de regular determinada questão específica de outro ramo de Direito.

Apontam-se como pontos fracos da codificação, nomeadamente:

i. Dificuldade em adequar ou alterar normas jurídicas com celeridade;

ii. Rigidez na sua aplicabilidade a novas situações; 

iii. Possibilidade de interpretação das leis codificadas, ainda que padronizadas.

No sistema jurídico anglo-saxónico, (common law), originário do Reino Unido, cujos princípios são aplicados com modificações, por exemplo, nos Estados Unidos e no Canadá, dividem-se as opiniões, nomeadamente:

i. Os que defendem que o referido sistema jurídico não é codificado, embora se baseie em Códigos e leis avulsas, as decisões tomadas pelos tribunais são baseadas em precedentes judiciais e tem em conta também os costumes;

ii. Os que defendem que “não é correcto dizer que as leis nos Estados Unidos não são codificadas”, porque combinam elementos de “um sistema jurídico com elementos do direito consuetudinário e leis escritas estatutárias, que podem ser consideradas codificadas”. O Código de Leis dos Estados Unidos, é uma compilação de legislação federal geral e permanente.

Tracei estas linhas, apenas para esclarecer os internautas não juristas, alguns dos quais fizeram comentários que me preocuparam.  Seria bom com não ficassem com a ideia, que no caso da não opção pela não codificação jurídica e da adopção do costume, voltaríamos ao tempo que cada tribo aplicaria estritamente as suas normas, de acordo com os seus costumes. Nessa base, por exemplo, o crime de assassinato por acusação de feitiçaria, seria possivelmente despenalizado. Infelizmente, ainda hoje, o costume pode constituir um factor atenuante para a sentença desse crime hediondo.

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