Angola está com problemas em alcançar o que supostamente terá contribuído para estabelecer: os indicadores e as metas dos ODS. Mas será que, no âmbito das actuais desiguais relações de poder entre ricos e pobres, desenvolvidos e atrasados, todos os países terão participado no estabelecimento das metas desse compromisso em igualdade de condições e oportunidades?
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (ou Objetivos Mundiais para o Desenvolvimento Sustentável) são uma coleção de 17 metas globais, estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas e são parte da Resolução 70/1 da Assembleia Geral das Nações Unidas “Transformando o nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”(1), que depois foi encurtado para Agenda 2030(2). As metas são amplas e interdependentes, mas cada uma tem uma lista separada de metas a serem alcançadas, num total de 169. Os ODS abrangem questões de desenvolvimento social e económico, incluindo pobreza, fome, saúde, educação, aquecimento global, igualdade de género, água, saneamento, energia, urbanização, ambiente e justiça social(3).
Assim, a proposta da ONU é construir os ‘Pilares da Sustentabilidade’, a saber:
- Vida próspera e formas de assegurar a subsistência humana (fim da pobreza, acesso à educação, emprego, saúde e informação);
- Segurança alimentar sustentável (fim da fome, segurança na produção de alimentos, com consumo e distribuição sustentáveis);
- Segurança sustentável da água (acesso universal à água potável e saneamento básico; eficiência na gestão dos recursos hidrominerais);
- Energia limpa universal (aumentar o acesso universal à energia limpa, minimizando a poluição e o impacto à saúde, além de reduzir o impacto do aquecimento global);
- Ecossistemas produtivos e saudáveis (assegurar os serviços ecossistémicos e da biodiversidade com uma melhor gestão, restauro e conservação do ambiente);
- Governança para sociedades sustentáveis (transformar e adaptar instituições e políticas públicas para aplicar as outras cinco metas, constantes no gráfico acima).
Os ODS e Angola em 2024
Citando a 9ª edição do Relatório de Desenvolvimento Sustentável(4), divulgado na segunda-feira (17), pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN) das Nações Unidas, a DW(5) salienta que “os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) continuam sem atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de erradicar a pobreza, com Guiné-Bissau na cauda do ‘ranking’. Angola registou uma descida … na prossecução do objetivo de erradicar a pobreza”, situando-se na 155ª posição do ranking entre 167 países.
Entretanto, na mesma notícia e tendo o mesmo relatório como referência, reporta-se o alcance de alguns dos ODS (lembrados resumidamente acima). Destaca-se, assim, que “apesar de não terem conseguido erradicar a pobreza, praticamente todos os países membros da CPLP conseguiram alcançar uma ou mais dos 17 ODS (…) Angola, juntamente com Moçambique e Guiné Equatorial, alcançaram o 12.º ODS – proteção e consumo sustentáveis”.
Confesso que me surpreendeu esta notícia. Em primeiro lugar, percebi que havia um erro na enunciação do ODS 12: trata-se de Produção e consumo sustentáveis, e não “protecção” como escrito na notícia. Em 2º lugar, resolvi conferir a missão do mesmo objectivo, que é: “mudar o padrão actual de produção econsumo para garantir o consumo responsável e eficiente de recursos naturais e meios de produção sustentáveis”.
A pergunta que não posso deixar de colocar é a seguinte: com base em que dados foi possível aos autores do relatório, afirmar que “Angola conseguiu alcançar este ODS”?
Importa recordar que o Relatório Global sobre Crises Alimentares 2024, da Food Security Information Network (FSIN), com 16 organizações parceiras, com uma cobertura global, baseada em critérios de selecção aceites (73 países/territórios com crises alimentares em 2023, 59 dos quais têm dados), embora indicando que Angola não fazia parte da amostra, tinha dados para a incluir no XX grupo dos Países/territórios de rendimento baixo ou médio-baixo/superior não seleccionados para análise pelo FAO-GIEWS, mas que haviam solicitado assistência externa em resposta a um choque ou choques na segurança alimentar provocados por conflitos/insegurança, condições meteorológicas extremas e/ou choques económicos (entre outras razões).
Na altura (29 Maio 2024) eu alertei para o facto das notícias do Jornal de Angola(6) e da Angop(7), pecarem pela ausência de fundamentação e de uma análise isenta. As informações do INE sobre a variação dos preços ao consumidor, as notícias de meios de comunicação privados sobre custo da cesta básica, entre outros, e a constatação de que não há de facto diversificação da economia, não há aumento da produção agrícola, não há melhoria na condição nutricional do futuro do país – as crianças -, não há políticas de investimento nos sectores a jusante e a montante da produção agropecuária e das pescas (sector primário) para melhorar as condições de produção, a produtividade, os processos de colheita/armazenagem/distribuição e transformação primária; não há uma política de segurança alimentar – desejável seria de ‘soberania alimentar’ -, não há merenda escolar (são as agências internacionais que cuidam de centenas de milhares de crianças com problemas de desnutrição), e continua a prevalecer a importação do que poderia ser produzido no país, entre inúmeras outras questões que deveriam ser frontalmente colocadas ao governo e respostas exigidas.
Em jeito de conclusão, para além da necessidade de continuarmos a lutar para a institucionalização de um sistema de recolha e análise de dados, e de produção de informação fiável e necessária para a concepção e implementação de políticas que sejam, de facto, públicas, que obviamente estão fora da análise deste relatório, a análise aponta para uma generalizada falta de cumprimento dos 17 ODS e que apenas uma pequena percentagem – 16% – das metas estabelecidas (169, como acima dito) apresentam alguma possibilidade de virem a ser alcançadas.
Isto significa que não só Angola está com problemas em alcançar o que supostamente terá contribuído para estabelecer: os indicadores e as metas dos ODS. Mas será que, no âmbito das actuais desiguais relações de poder entre ricos e pobres, desenvolvidos e atrasados, todos os países terão participado no estabelecimento das metas desse compromisso em igualdade de condições e oportunidades?
Subscrevo a preocupação apresentada pelo Presidente da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN), Professor Jeffrey D. Sachs, e autor principal do relatório, que enfatiza:
“A meio caminho entre a fundação da ONU em 1945 e o ano 2100, não podemos depender do ‘business as usual’. O mundo enfrenta grandes desafios globais, incluindo crises ecológicas graves, crescentes desigualdades, tecnologias disruptivas e potencialmente perigosas, e conflitos mortais. Estamos numa encruzilhada. Antes da Cimeira do Futuro da ONU, a comunidade internacional deve avaliar as conquistas vitais e as limitações do sistema das Nações Unidas e trabalhar para modernizar o multilateralismo para as décadas seguintes”.
Eu acredito que precisamos de novos códigos e novos vocabulários, para compreender e traduzir as diversas realidades socioculturais, económicas e políticas coexistentes neste Planeta Terra, construir conceitos com base nessas realidades e que dialoguem entre si; obviamente, isso implica novas maneiras de avaliar, de valorizar, de quantificar. Implica novos “indicadores / marcadores”, construídos colectivamente, para ‘avaliar’ os estilos de vida, as cadeias de produção-transformação-distribuição-consumo, e o desempenho ecológico dos países na sua relação com o Planeta.
Considero ser fundamental e inadiável a participação de pessoas e colectivos na discussão, debate e construção de entendimentos locais e formas de significação, de verbalização e de operacionalização de conceitos como: “desenvolvimento”, “progresso social”, “participação”, “cidadania”, “sociedade civil”, “liberdade”, “democracia”, entre outros.
Há um vício nos códigos dominantes por regiões, por áreas de conhecimento, por sectores de actividade, que nos manterão divididos até sermos capazes de criar códigos para realidades sociais múltiplas, embora com características comuns. A interdisciplinaridade e a multiculturalidade são necessárias para novas formas de entendimento entre cidadãos, cientistas e políticos, visando construir um Pacto de Compromisso com o Futuro para não deixar ninguém para trás.
1 http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E;
2 «Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development». United Nations – Sustainable Development knowledge platform. Consultado em 23 de agosto de 2015;
3 «Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development». United Nations – Sustainable Development knowledge platform. Consultado em 23 de agosto de 2015;
4 https://s3.amazonaws.com/sustainabledevelopment.report/2024/sustainable-development- report-2024.pdf;
5 DW, Angola desce no ‘ranking’ da ODS para erradicação da pobreza das ONU. 19 Junho 2024;
6 JA, Oito africanos na lista dos dez países com crise alimentar aguda, 28/05/2024, 09H11;
7 Angop, Angola ausente da lista de países com crise alimentar aguda, 28-05-2024.
24 Junho 2024