ALI BABÁ E OS QUARENTA LADRÕES

O roubo a céu aberto leva à falência das instituições, das empresas, do sistema financeiro, do sistema social, das famílias e sobretudo depaupera o país inteiro de qualquer resquício de ética que ainda prevalecesse. 

LARA LENCASTRE

Ali Babá e os Quarenta Ladrões era a minha estória preferida. Contada pela minha mãe há mais de quarenta anos, à tardinha para atrair o sono da sesta, Ali Babá e os Quarenta Ladrões continua actual. A única diferença para a nossa realidade é o número de ladrões. A estratégia de ir acumulando os produtos do roubo também é semelhante. Os ladrões na estória do Ali Babá não tinham nem medo nem vergonha de transportar o tesouro roubado a céu aberto. E ai de quem se lhes cruzasse o caminho…Zás!                          

Não sei que consequências teriam advindo do roubo dos Quarenta Ladrões. Teria ficado o povo mais pobre ou eram eles uma espécie de Robins dos Bosques e só os ricos sofriam com a pilhagem? Hoje sabemos que ricos mais pobres podem conduzir à perda de empregos, à redução ou mesmo à supressão do pagamento de salários. Poderá haver ainda menor circulação de dinheiro para a compra de produtos o que provoca o aumento de preços e a inflação. Uma bola de neve com efeitos negativos para todos, não só para os ricos, muitas vezes meros empresários a tentar sobreviver na batalha económica. É uma bola de neve que arrasta muita podridão e acima de tudo conduz à degradação ou morte total da moral. Ao levar parte do tesouro dos Quarenta Ladrões, Ali Babá conseguiu impressionar o rei e pedir a mão em casamento da sua filha que há muito admirava. Com os sacos de ouro e jóias que furtara poderia agora comprar um palácio para a princesa que era condição imposta pelo rei. 

Fora Ali Babá diferente dos ladrões? Talvez no aspecto de homem trabalhador. Efectivamente não feriu nem matou ninguém, mas também roubou. Também enriqueceu sem esforço e graças às más acções de outrem. 

Nesta estória infantil há muitos paralelos com a Angola actual, onde há muita gente a viver feliz para sempre. Ajuda o justo o pecador e torna-se ele também pecador. A honestidade é uma palavra que poucos conhecem e quase ninguém pratica. No país rico e belo a falta de moral bateu no fundo: mulheres roubam maridos, jovens roubam namoradas, filhos roubam pais, netos roubam avós. É um Deus nos acuda. Ainda assim, há um número aterrador de angolanos que se pergunta como poderá ele também entrar no jogo, tirar o seu. No fim do conto os Quarenta Ladrões são alvo de um embuste pelo próprio Ali Babá e conduzidos ao chilindró. Já em Angola as consequências são muito diferentes: quem rouba é muitas vezes merecedor de novo cargo. Até pode ser uma demoção, passando o infractor por exemplo, de ministro a governador, ou a embaixador (num país do primeiro mundo no caso daqueles com doenças crónicas). Acumula-se riqueza. Não só em forma de produtos físicos como diamantes, ouro, dólares e petróleo, mas também em forma de impostos, desvios e devaneios. 

Ora vejamos, se os impostos ao álcool e ao tabaco são para desincentivar o consumo, para que servem os impostos sobre o trabalho (IRT)? Não é o Estado (que somos todos nós) que cria mais e novos impostos, mas sim o governo que impera há cinquenta anos. 

Em 2019 alegadamente por orientação do Fundo Monetário Internacional (FMI), impuseram o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) à força e em força com a promessa de que toda a economia entraria no IVA mais tardar até 2021. Pois escrevemos 2025 e temos o Regime Geral, o especial, o Simplificado, o de Exclusão e quantos mais lhes aprouver criar. Tal era o trungungu que só 14% sobre todos os produtos na venda e na importação faziam sentido. Escreveu-se, auscultou-se, falou-se, gritou-se, mas os suspeitos do costume não quiseram ouvir. Desde então já reduziram e aumentaram o valor do IVA q.b. 

Em 2021 criaram outro imposto. O Imposto Especial de Consumo (IEC). Até sobre a água mineral e de mesa queriam cobrar IEC, mas recuaram a implementação provisoriamente, não tendo retirado os 8% sobre esse bem essencial da pauta fiscal. Ficaram-se pelas bebidas alcoólicas e pelos refrigerantes. Até ver. 

Em 2023 pensaram em mais um imposto que entrou em vigor logo no dia 1 de Janeiro de 2024, a Contribuição Especial sobre Operações Cambiais (CEOC) que obriga uma dedução de 2.5% sobre o valor de transferências particulares e de 10% às empresas, salvo excepções pontuais. Ora, porquê a palavra contribuição em vez de imposto? Porque se os cofres do Estado não estão vazios, certamente apresentam um número assustador de buracos, daí ser necessário criar mais uma forma de ir ao bolso do contribuinte. Aliás, foi essa a razão da escolha da palavra contribuição. A CEOC foi introduzida como “ajuda” dos cidadãos ao Orçamento Geral do Estado (OGE). Como regra geral de imposição de impostos, o Estado está também neste, isento. 

Temos sido atormentados com notícias de rombos colossais quase semanalmente. Se não é o Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo (INAGBE) com 35 milhões de dólares desviados, é a Administração Geral Tributária (AGT) com 7 mil milhões de kwanzas que se diz serem muito mais, falando-se já de 80 mil milhões de roubo do montante de Recuperação do IVA. Este último foi tão bem engendrado que a Procuradoria-Geral da República está, alegadamente, a ter dificuldades em reunir provas. Será porque também os tribunais da mais alta instância apresentam furos (ver Tribunal de Contas e Tribunal Supremo)?

As inúmeras críticas nas redes sociais e na vida real reflectem o cansaço do povo especial. Compram-se 600 autocarros por um balúrdio cujo destino ninguém conhece (nem dos autocarros nem do balúrdio). Aprova-se por decreto a compra de viaturas para um único ministério no valor de 20 milhões de dólares. Esbanjam-se milhões de moeda pesada em farras e forrobodós. Enquanto isso o povo morre de fome e de cólera e o governo de Angola envia mensagens por SMS: “Procura com urgência uma unidade sanitária se tiveres sintomas como disenteria intensa e vómitos”.  

O roubo a céu aberto leva à falência das instituições, das empresas, do sistema financeiro, do sistema social, das famílias e sobretudo depaupera o país inteiro de qualquer resquício de ética que ainda prevalecesse.        

Tivéssemos somente Quarenta Ladrões talvez os conseguíssemos colocar em barris de vinho e ameaçar atirá-los pela ribanceira abaixo como fez Ali Babá. O pior é que os nossos são muito mais. Há que estudar uma forma eficaz de acabar com a roubalheira!

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