Samakuva: “Vendemos o País e hipotecamos o futuro”

Por ocasião da celebração do quadragésimo sexto aniversário da independência nacional, Isaías Samakuva, presidente da UNITA, endereçou igualmente uma mensagem de saudação patriótica a todos os angolanos, “não tanto para festejar”, como disse, “porque não se festeja com fome, endemias e dívidas galopantes”, mas para assinalar a data que considera ser de “reflexão nacional” convidando “os angolanos a construir de facto a independência e a unidade nacional”.

Lembrou de seguida que Jonas Savimbi, Agostinho Neto e Holden Roberto assinaram os Acordos de Alvor, em Portugal, mas, “centenas de outros angolanos tornaram este acontecimento possível por via da sua resistência nas cadeias, das suas reivindicações nas plantações agrícolas, nas células clandestinas nos bairros e até nas Igrejas”.

Isaías Samakuva referenciou o contexto político “revolucionário” e “excludente em que se proclamou a independência, onde a defesa dos objetivos, interesses e valores perseguidos pelos movimentos de libertação e seus patronos da guerra fria eclipsou a prossecução primordial do grande objectivo de construção da Nação, da identidade angolana e da unidade nacional”.

A via “revolucionária” seguida nas décadas de 70 e 80, disse em complemento, “trouxe mais destruição do que construção. A via dos acordos, desacordos, fraudes e corrupção, seguida nas décadas seguintes, apenas serviu os objectivos da preservação da hegemonia e da subversão da democracia. Não houve reconciliação efectiva, nem democratização do País. O projecto de construção da Nação continuou adiado”.

Para Isaías Samakuva, se por um lado se conseguiu “manter intactas as fronteiras territoriais definidas pelos europeus no século XIX”, por outro, “não conseguimos com as fronteiras da coesão familiar nem definimos ainda as fronteiras da nossa identidade nacional e muito menos da unidade nacional. Conseguimos, ainda assim, proclamar um Estado constitucional, mas falhamos em demonstrar o nosso patriotismo. Vendemos o País e hipotecamos o futuro. Falhamos, tanto em 1975, como em 1991 e em 2002, porque não fomos capazes de colocar a Pátria mãe acima dos grupos partidários”.

Apesar de todo o crescimento económico de dois dígitos que ocorreu no início do século, que como disse, deve constituir orgulho, o presidente da UNITA afirmou que ainda assim, é necessário “reconhecer que a matriz dessa economia rendeira dos petrodólares e a exportação massiva e furtiva de capitais que a caracteriza, não satisfaz as necessidades do desenvolvimento das maiorias e da sustentabilidade da independência nacional”.

Em geral, referiu, do petróleo à Banca, os angolanos, enquanto colectividade política, não dominam as tecnologias de produção, as cadeias de distribuição, os sistemas de informação e gestão, nem a produção de estudos e relatórios que sustentam as decisões do Governo. “Todos os principais sistemas da cadeia produtiva de bens e serviços, inclusive a manutenção das redes de água e de energia das centralidades, são geridos ou garantidos por estrangeiros” – concluiu.

Isaías Samakuva defendeu que, “46 anos depois de proclamada a independência, o povo, que detém a soberania, está prisioneiro da ignorância, da pobreza e das endemias evitáveis; os partidos que proclamaram a independência estão em crise; o Estado está capturado e a independência económica dos angolanos é uma utopia”. Já fizemos várias transições políticas e económicas, prosseguiu, “já emendamos várias constituições e realizamos várias eleições, já experimentamos vários programas de governação e de reformas, mas ainda não fomos capazes de contruir a unidade nacional”.

Interpretando esse balanço, Isaías Samakuva considera que o País precisa de novas ideias, novos ares, para construir um novo rumo. E argumenta que é necessário começar de novo, e cada um de nós, pessoalmente e em grupo, deve fazer a sua parte. A sua, como esclareceu, “é ajudar a construir primeiro a unidade no seio da UNITA”.

Sobre a anulação do XIII Congresso do seu partido por decisão do Tribunal Constitucional, Isaías Samakuva justificou que “vivemos num Estado cujas instituições foram capturadas para cumprir fins político-partidários”, incluindo a Presidência o Parlamento, os Tribunais, a Procuradoria e demais órgãos, pelo que, a sua luta e a do seu partido, é democrática e pacífica, no sentido de “resgatar o Estado”. E conclui que, “o desafio é fazer isso a partir de dentro do próprio Estado capturado”.

Esclareceu de igual modo, que respeitando escrupulosamente os seus documentos reitores, a Comissão Política da UNITA debateu e deliberou, em sede da sua 1ª Reunião Extraordinária, que “as deliberações dos órgãos superiores da UNITA são para serem cumpridas e dizem respeito apenas e só aos seus membros, não sendo por isso toleradas interferências de quaisquer outras instituições”. E alertou que “Angola é um estado democrático de direito e nenhum partido concorrente pode imiscuir-se no fórum privado, na independência e na autonomia de outros partidos políticos”.

Tendo em conta todos esses factores que influenciam o exercício do maior partido da oposição, o seu presidente alertou que “é preciso muita inteligência, serenidade e unidade”, e do mesmo modo, que este desafio não se resolve “com arruaças, insultos e ânimos exaltados” e muito menos “com visão curta, com mensagens agressivas nas redes sociais, culpando-nos uns aos outros”.

Isaías Samakuva classificou o Acórdão 700/2021 do Tribunal Constitucional como “uma armadilha política, uma mina, que os outros querem que rebente debaixo dos nossos pés”, pelo que, disse, “temos de ter muito discernimento”.

Numa demonstração de que está atento ao que se passa na periferia do seu partido, mas que tem influenciado o seu funcionamento, o presidente da UNITA fez um apelo à sua massa de militantes: “Nas mensagens que circulam nas redes sociais, parece estar na moda o discurso da agressividade, os insultos e os disparates que só alimentam a intolerância e nada dignificam o nosso partido. Apelo a todos que parem imediatamente com estas práticas”.

Continuando, disse que “na UNITA, há democracia, que significa tolerância, ouvir o outro, mesmo que tenha opinião diferente. Não chamem nomes às pessoas que pensam diferente de nós. Na UNITA respeitamos os líderes, não seguimos pessoas, seguimos a causa. Seguimos objectivos, princípios e valores, consagrados. Na UNITA, não há savimbistas, nem samakuvistas, nem adalbertistas. Há cidadãos, que se respeitam uns aos outros, que têm opiniões diferentes, mas estão unidos na prossecução da mesma causa, na defesa dos mesmos princípios e valores. Não aceitem a divisão”.

Regressando aos problemas que o País enfrenta, Isaías Samakuva entende que “são de tal magnitude que não serão resolvidos por um homem, nem por um partido, nem tão pouco numa só legislatura”. Por isso considera que exigem uma ampla transformação da sociedade ao longo de várias décadas e que essa empreitada “requer um novo começo, assente em estratégias, inclusão e concertação entre as várias lideranças. Requer a concepção e implementação de uma Agenda Nacional para a construção da nação”.

Isaías Samakuva concluiu dizendo que “quando proclamamos a independência, em 1975, não tivemos a grandeza nem a humildade para compreender que a natureza multicultural das micronações que constituem Angola reclama várias lideranças, e não uma. Reclama concertação, unidade e inclusão, e não imposição, intolerância, competição e exclusão”.

Com base nessas constatações, o presidente do maior partido de oposição propôs que “neste 11 de Novembro se transforme a crise actual numa grande oportunidade para se repensar o País e promover finalmente o encontro de Angola consigo mesma”. E indica como receita, “o diálogo abrangente e suprapartidário entre os patriotas onde podem ser definidos objectivos, princípios e valores aos quais governantes e governados se deverão vincular num horizonte temporal suficiente para se construírem os fundamentos espirituais e materiais da Nação angolana”.

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