História. Obituário de José Eduardo dos Santos ex-presidente de Angola e do MPLA

Compilação de Ulika da Paixão Franco*

(De 28 de Agosto de 1942, Luanda, Angola, a 08 de Julho de 2022, Barcelona, Catalunha, Reino de Espanha)

Iª Parte – Da infância à formação na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas 

José Eduardo Van-Dúnem dos Santos, nome de baptismo de José Eduardo dos Santos, nasceu a 28 de Agosto de 1942, em Angola, na Província de Luanda, filho de Avelino Eduardo dos Santos Van-Dúnem, calceteiro, e de Jacinta José Paulino, dona de casa, foi criado em ambiente de grande humildade no bairro de Sambizanga, onde viveu grande parte da sua infância e adolescência. 

Desportista também com alma de músico, foi jogador do Ginásio e do Futebol Clube de Luanda, tendo completado o ensino secundário no Liceu Nacional Salvador Correia, onde tomou contacto com os ideais independentistas e se envolveu nas lutas urbanas clandestinas em defesa da independência de Angola, integrando, em 1958, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). 

Três anos depois, a 4 de Fevereiro de 1961, 200 angolanos sublevaram-se e atacaram, em Luanda, a Casa de Reclusão Militar, a Cadeia de São Paulo, a Companhia Móvel da Polícia, a sede dos CTT e a Emissora Nacional no que ficou conhecido pelo primeiro grande movimento de luta armada contra o colonialismo português, não esquecendo, contudo, o sangrento movimento liderado por camponeses que teve lugar a 4 de Janeiro do mesmo ano, e que ficou registado na história de Angola como a Revolta da Baixa de Kasanje. 

Também a 4 de Fevereiro de 1961, sem que a história permita factualmente estabelecer paralelos, do outro lado do Atlântico, Henrique Galvão levou a cabo o ataque ao Navio Santa Maria. 

No mesmo ano, a 15 de Março, a União de Povos do Norte de Angola (UPNA) fundada por Holden Roberto (1923-2007) e que mais tarde se viria a designar UPA, protagonizou um dos mais sangrentos episódios liderados essencialmente pelos Bakongos, que se sublevaram contra a maioria branca detentora do poder na Angola colonial, constituída maioritariamente por fazendeiros portugueses que ocupavam a zona Norte e se estendiam até à zona dos Dembos. 

António de Oliveira-Salazar (1889-1970), Presidente do Conselho de Ministros do Governo de Portugal no Estado Novo, envolvido numa crise política interna que quase dava origem a um golpe de Estado liderado pelo então ministro da Defesa Botelho Moniz, demorou semanas a reagir ao estado de guerrilha que se vivia entre os combatentes da UPA e os fazendeiros portugueses organizados em milícias, como a Organização Providencial de Defesa Civil (OPDC), criada a 29 de Março de 1961, imediatamente a seguir aos ataques da UPA, a que se juntaram muitas outras milícias populares integradas por portugueses, como a Organização Provincial de Voluntários (OPV) as quais, mais tarde, vieram dar origem a uma das mais sangrentas milícias populares portuguesas, a Organização Provincial de Voluntários e de Defesa Civil de Angola (OPVDCA), comandada pelo português nascido no Carregado do Sal, Eduardo Vieira de Carvalho “O Barbas” (1924-1986), que no sangrento 15 de Março, participou na defesa da então vila de Carmona, cidade do Uíge, que tem hoje o mesmo nome da Província de que é capital, Uíge. Barbas ficou conhecido em Angola como um dos mais torcionários comandantes da OPVDCA por arrancar olhos, cortar orelhas, decapitar cabeças de negros com as quais jogava à bola; enterrar negros vivos e violar mulheres negras com paus e objectos cortantes. Acabou por integrar a Polícia Internacional e de Defesa do Estado – Direção Geral de Segurança PIDE-DGS em Angola.

Depois de acalmar as hostes em Portugal Continental chamando a si o Ministério da Defesa, António de Oliveira Salazar, a 13 de Abril do mesmo ano, reagiu através da televisão para enviar a mensagem para Portugal avançar para Angola “rapidamente e em força”. 

Desembarcou em Luanda, no navio Niassa, a 1 de Maio de 1961, o primeiro contingente de saldados tidos como salvadores da Pátria, com a missão principal de restabelecer a ordem na zona do Norte de Angola. 

É neste ambiente, em Novembro de 1961, que José Eduardo dos Santos seguiu para o exílio, em Brazzaville, na República do Congo, de onde passou a coordenar a Juventude do Movimento Popular de Libertação de Angola (JMPLA), da qual foi um dos fundadores.  

Em 1962, José Eduardo dos Santos integrou o braço armado do MPLA, o então designado Exército Popular para a Libertação de Angola (EPLA) para um ano depois, em 1963, ser chamado para exercer as funções de 1.º Representante do MPLA em Brazzaville, capital da República do Congo. 

São as suas reconhecidas capacidades intelectuais que o levam a beneficiar de uma bolsa de estudos da União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em Novembro de 1963, partindo para o Azerbaijão onde se formou em Engenharia de Petróleos, no Instituto de Petróleo e Gás de Baku. Foi durante a sua estadia nos antigos territórios da URSS, que tomou contacto directo com os ideais marxistas-leninistas, ao mesmo tempo que não se privou de, com outros estudantes angolanos ou exilados do MPLA, na Europa, integrar grupos de intelectuais e pensadores, bem como participar activamente em manifestações culturais e cofundando o grupo musical Conjunto Nzaji (Tempestade)  – onde foi músico, compositor, guitarrista e intérprete – com Fernando de Assis que o acompanhou ao piano, mas também na composição dos nove temas que integraram o disco gravado em 1972, na Finlândia, pela Eteepäin! 

O primeiro e único disco do grupo musical contou ainda com a participação de Pedro de Castro Van-Dúnem “Loy” (voz e composição), Brito Sozinho (voz e composição), Mário Santiago (guitarra) Faísca (guitarra), Fernando de Castro Paiva (ngoma) e nos coros Maria Mambo Café, Amélia Mingas e Biguá. O tema Kaputu, da autoria de José Eduardo dos Santos, contou com a participação activa de Euclides Fontes Pereira, nome transversal na história da música de Angola que, de passagem pelo Leste da Europa, juntou-se ao grupo para garantir os passos e compassos da dicanza. 

Ainda na já extinta URSS, depois de completar a sua licenciatura, em 1969, frequentou o Curso Militar de Telecomunicações. Foi em Azerbaijão que conheceu aquela que viria a ser a sua primeira esposa, Tatiana Kukanova, com quem se casou em 1966. Do casamento nasceu a sua filha primogénita Isabel Kukanova dos Santos, na terra da mãe, Baku, Azerbaijão (República Socialista Soviética) no ano de 1973.

Entretanto, em Luanda, em 1969, Eduardo Artur Santana Valentim “Juca Valentim” (1945-1977), um dos fundadores da célula urbana clandestina Comité Regional de Luanda (CRL), com os estudos secundários concluídos no Liceu Nacional Salvador Correia e a frequentar o 3.º ano o curso de Engenharia Química na Universidade de Luanda enquanto trabalhava como controlador de tráfego aéreo nos Serviços de Aeronáutica Civil de Angola, no dia 4 de Junho, lidera, da Torre de Comando, a tomada do avião DC-3 da Divisão de Transportes Aéreos de Luanda (DTA). A aeronave fazia a rota de ligação entre Luanda e Sazaire e nele viajavam dois agentes do Comando de Angola da PIDE-DGS, feitos reféns por três jovens angolanos – Luís António Neto “Loló Kiambata”, Manuel Soares da Silva “Nelito Soares” e Diogo de Lourenço de Jesus – que, com uma arma de fogo, ordenaram ao piloto o desvio para Brazzaville. 

Em Luanda, rapidamente circulou a notícia da prisão, de Juca Valentim e outros membros da CRL, célula urbana clandestina integrada por correligionários do MPLA como Joaquim Pinto de Andrade, bem como, o desmantelamento da mesma, provocando apreensão e revolta junto dos jovens que comungavam dos ideais do movimento de libertação. 

Foi nesse ambiente que, em 1970, José Eduardo do Santos regressou para reintegrar as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) na Frente Norte, mais precisamente na 2.ª Região Político-Militar (2RPM) do MPLA localizada em Cabinda, na sequência da extinção da EPLA. Na 2ª RPM da Frente Norte, até 1974, exerceu funções nos Serviços de Telecomunicações, tendo sido promovido a subcomandante de Telecomunicações daquela RPM. Ainda em Cabinda, em 1974, foi nomeado membro da Comissão de Reajustamento da Frente Norte, tendo sido uma das figuras da Campanha Miconje-Cabinda que assegurou a integração de Cabinda no território de Angola independente.

Continua…

*Consultora de Comunicação e Imprensa

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