Carta Aberta ao sr. Luaty Beirão

Ulika da Paixão Franco*

Hoje consumou-se apenas a perda dos sinais vitais, o cidadão, esse, já andava “morto” desde 2018. Zero pena, zero emoções, é-me completamente indiferente. Com licença, tenho a semifinal do Wimbledon por assistir. – Luaty Beirão, in Facebook 

Foi esta a mensagem que o sr. Luaty Beirão postou na sua página do Facebook, logo após ter sido anunciada a morte do ex-presidente da República, José Eduardo dos Santos. Logo ele, filho e sobrinho dos tenebrosos irmãos Beirão, homens da Divisão de Informação e Segurança de Angola (DISA) um dos braços da ditadura instalada em Angola no pós-independência chefiado por Ludy Kissassunda e por Henrique dos Santos “Onambwé”, então secretário para os Assuntos Internos do 1.º Governo de Transição, duas das mais tenebrosas figuras de tristes recordações pelo luto que semearam em inúmeras famílias angolanas. Mas como também eles já não se encontram no mundo dos vivos, desejamos Paz às suas almas. 

Posta esta introdução, a afirmação do sr. Luaty Beirão é reveladora de falta de empatia pelo próximo, o pior que pode existir num ser humano. 

O sr. Luaty Beirão, que herdou dos seus familiares mais de 30 mil mortos por fuzilamento no período que foi da madrugada de 27 de Maio de 1977 até  sensivelmente, Novembro de 1979, é, como cantava Franco Luambo acompanhado pela Orquestra TP OK Jazz naqueles tempos, um exemplo claro de um padrão genético que faz dos filhos, imagens dos seus pais – “tel père, tell fils” – o que também está gravado no Antigo Testamento, parte primeira da Bíblia Sagrada, que refere que “Deus criou seu Filho à sua imagem e semelhança”.

Logo o sr. Luaty Beirão, que ao contrário da maioria dos jovens angolanos que nunca beneficiaram de bolsa para estudar em Angola, quanto mais no estrangeiro, usufruiu de todas as mordomias e privilégios da elite angolana. Aproveito este ponto, para colocar a mão no ar pois, como a maioria dos angolanos, nunca o Governo do meu país me subsidiou um livro que fosse para estudar, quanto mais bolsas de estudos. Eu, desde os 16 anos, em Lisboa, comecei a dar explicações de Filosofia, História e Português para ganhar algum dinheiro e era com ele que apoiava a minha mãe com a conta da luz, sendo que, com o que restava, pagava os meus livros. E existem dezenas de explicandos meus que o testemunham. 

Pois que, o sr. Luaty Beirão, a quem a vida humana não causa empatia, não só teve o privilégio de tirar duas licenciaturas – como eu também as tirei – à custa do Estado angolano – sendo que eu fiz as minhas duas licenciaturas completas à custa do meu trabalho e do part-time que a minha mãe, funcionária pública do Estado português por determinado período, abraçou para continuar a pôr pão e leite à mesa e para eu não ir estudar de barriga vazia. 

Não contente com o privilégio das bolsas, em vez de voltar para Angola e através do trabalho devolver ao Estado angolano o que andou a esbanjar na Europa, o sr. Luaty Beirão ainda se deu ao desfrute de andar a fazer, nas palavras do seu fiel padrinho José Eduardo Agualusa, “retiros espirituais pelo deserto” investido dos milhões herdados dos psicopatas da sua inescrupulosa família. 

A minha mãe fez todo um percurso desde há 45 anos, que para muitos foi há muito tempo e já ninguém se lembra. sozinha, privada do apoio financeiro do meu pai, Adelino António dos Santos (nome de baptismo) ou Betinho (diminutivo de família) ou ainda Kolokota (nome usado na clandestinidade e enquanto guerrilheiro urbano do MPLA; nesssa condição tinha antes adotado o cognome de Cuanza que substituiu aos 17 anos pelo de Kolokota por razões de segurança). 

E os senhores Beirão, que nome de guerra usavam quando combatiam na clandestinidade? Ou será que nunca combateram na clandestinidade nem passaram meses na figura de estátua, encurralados, sem dormir, sem comer e a fazer as necessidades básicas num gaveto de 2 metros, sem acesso a luz natural construído no Pavilhão de São Paulo? Talvez sequer tenham sido levados para o Bentiaba para trabalhos forçados em pedreiras e salinas no 3.º Campo onde permaneceu o meu pai, isto porque, como filhos do colono, estavam do lado dos seus familiares, em liberdade, gozando das praias de Angola e a serem abanados pelos negros obrigados pelas autoridades de Portugal, nomeadamente a Polícia de Informação e Defesa do Estado – Direção Geral de Segurança (PIDE-DGS) ao estatuto de, como referiu a sua fiel madrinha Dra. Ana Gomes no dia de ontem, 08 de Julho de 2022, perante as câmaras e os microfones da SIC Notícias, “criados”? Com família, fiel padrinho e fiel madrinha legitimados pela superioridade branca, que mais se poderia esperar de si que não uma parca máscara branca em pele branca a esconder o falocentrismo e a escravatura de séculos que os seus companheiros de cozido à portuguesa vão empratando?

A minha mãe foi obrigada a evacuar-me clandestinamente de Angola em 1977, pressionada pela DISA, que exigia a minha cabeça caso ela não lhes entregasse a localização do meu pai. E pressionada pelo meu médico pediatra Dr. Luís Bernardino que aconselhou a minha imediata evacuação para Lisboa por motivos graves de saúde, motivos esses que mais cedo ou mais tarde me colocariam no leito da morte com apenas 13 meses. 

A minha mãe permaneceu em Angola sobre vigilância dos senhores pai e tio de Luaty Beirão, funcionários e carrascos da DISA, que não a permitiam sequer passar em frente à Embaixada de Portugal, ameaçando-a de morte. De Maio de 1977 a Novembro de 1979, não viu a filha e nunca mais viu o marido. Já a mim, coube-me passar dois anos da minha vida privada de leite materno e de colo do meu pai de um momento para o outro.

Eu acuso este sr. Luaty Beirão de ser um liambeiro da pior espécie, que sempre fez uso dos enormes privilégios herdados pela cor da pele, da mesma forma que afirmo ter-me compadecido do mesmo, colocando-me a favor da tomada de posição do Estado angolano ao assegurar os procedimentos que emanam dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nomeadamente, no que ao auxílio e acompanhamento médico diz respeito durante a tentativa de suicídio televisionada num luxuoso estabelecimento de saúde em Luanda, a Clínica Girassol, propriedade da Sonangol, isto é, do Estado angolano, de quem o sr. Luaty Beirão sempre viveu às custas. Como todos sabemos, nenhum Estado de Direito pode permitir a morte de um cidadão seu, pelo que o Estado angolano fez o que era obrigado como membro da Organização das Nações Unidas que integrou em 1976, por via da diplomacia chefiada pelo Eng.º José Eduardo dos Santos. Só me indigno que tenha feito uso de uma das mais luxuosas clínicas de Luanda, quando existem hospitais públicos. Eu própria, quando em 2013 adoeci em Luanda e precisei de um aporte de sangue transfundido por estar com uma hemoglobina de 5.2, fiquei internada numa unidade pública, o Hospital Militar, por ser familiar direta de militares patenteados.

Só não posso acusar o sr. Luaty Beirão de ser um dos mercenários sul-africanos pró-apartheid que invadiram Angola em 1975 – facto que levou o meu pai Betinho, sob as diretrizes militares de Ernesto Eduardo Gomes da Silva “Bakaloff”, comandante-geral das FAPLA e ex-combatente na 1.ª Região Político-Militar de Angola (1.ª RPM) durante o período colonial, nesse ano, a integrar a luta armada e combater os sul-africanos que ameaçavam dominar a província de Malanje – porque nessa altura o sr. Luaty Beirão ainda não era nascido. Mas, não duvido que, como escreveu no seu mural do Facebook, tal como por estes dias foi ver a semifinal do Wimbledon, supõe-se que em Luanda, na sua habitação onde beneficia da energia elétrica e de Tv por cabo das quais grande parte dos meus compatriotas se vêm privados – estaria, com toda a certeza, ao lado de quem sempre esteve, a maioria opressora branca que o Eng.º José Eduardo dos Santos, então comandante-em-chefe das FAPLA, combateu na Batalha do Cuito Cuanavale  (1987-1988) e sob a “Operação Outubro” do qual foi estratega, permitindo assim a libertação da Namíbia, a expulsão do exército sul-africano de Angola, o retorno das Forças Armadas Revolucionários (FAR) a Cuba, e o princípio do fim do regime a que o privilégio branco pretendeu subjugar para todo o sempre a África Austral. Não conseguiram. Se conseguissem, provavelmente, a esta altura seria governante honroso de uma Angola etnicamente, humana e socialmente segregadora.

A si, sr. Luaty Beirão, envio os meus mais sinceros votos de rápidas melhoras do estado de privação de saúde mental em que se encontra desde há muito, bem como, o faço beneficiário de todas as minhas orações no sentido de que os seus entes queridos genocidas e psicopatas já falecidos, possam, de onde espiritualmente se encontram, ser iluminados pela Luz e Fraternidade de Deus para que, perdoados pela Omnisciente Bondade do Criador, se resignem à condição de mortos e libertem os seus parentes vivos da falta de empatia humana que o Sr. Luaty Beirão tão bem protagoniza e verbaliza nas suas repetidamente desumanas palavras e actos de rebelião justiceira e desprovida de justiça. Fique na Paz do Senhor. No Dia do Juízo Final, só a ele caberá perdoar a crueldade da sua natureza humana. 

A si, aos seus entes queridos vivos, aos que já passaram e aos seus fiéis padrinhos: Paz de Cristo. Ámen! 

*Consultora de Comunicação e Imprensa

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