Precisamos de uma Educação que equilibre o bem-estar humano com a economia, as tradições culturais e o respeito pelos recursos naturais da Terra. Que adopte métodos e abordagens interdisciplinares para desenvolver uma ética de aprendizagem ao longo da vida, e promover o respeito pelas necessidades humanas compatíveis com o uso sustentável dos recursos naturais e as possibilidades do Planeta.
A África é a única região do mundo onde os modelos a que as crianças são/estão expostas (santos e anjos, empresários, apresentadores de TV, artistas de novelas, etc.) não são dos seus contextos (1). As crianças africanas são as únicas no mundo cuja socialização começa com a aculturação, aprendendo sobre outros mundos e outras culturas numa língua estrangeira.
No nosso caso, para além do desajuste acima referido que traduz a situação em boa parte dos países africanos, algumas imagens sobre as condições (melhor, a falta de condições) em que o presente ano lectivo iniciou são, no mínimo, revoltantes, provocando indignação pela forma como “O Futuro” de Angola está a ser tratado.
São tantas as imagens recebidas dos quatro cantos do país que não daria para colocar num texto; mas partilho alguns links (2) de notícias sobre a falta de WCs nas escolas, a crónica falta de salas de aula, o recrutamento de estagiários para substituir os professores que vão trabalhar no Censo 2024 (pergunta que não quer calar: porque não fizeram durante as férias?).
No OGE 2023, o Governo apontava gastar 7,9% do orçamento em Educação e 6,7% em Saúde, mas acabou por gastar 6,4% e 5,8%, respectivamente. De acordo com cálculos do Expansão sobre a execução em 2023, para cumprir as metas assumidas lá fora, o Governo teria de ter gastado pouco mais de 2,9 biliões de Kzs em Educação, em vez dos 946,1 mil milhões de Kzs executados, bem como 2,2 biliões de Kzs em Saúde, em vez dos 852,7 mil milhões executados no OGE. Contas feitas, para cumprir os compromissos de Dakar e Abuja, o Executivo teria de quase triplicar a despesa para Educação e Saúde dos actuais 1,8 biliões de Kzs para pouco mais de 5,1 biliões de Kzsn(3).
No OGE 2024 manteve-se a perspectiva de um estado securitizado, com a supremacia dos sectores da Defesa e Segurança; apesar do aumento nominal do sector Social, na verdade, houve uma redução de 10% (4).
Angola continua longe de alcançar as metas estabelecidas na Declaração de Incheon de 2015, que recomendam que a alocação do OGE para a Educação seja de, no mínimo, 15 por cento do total e represente no mínimo 4 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Para 2024, a dotação prevista para a Educação é de cerca de 2 por cento do PIB.
Portanto, é essencial rever a dotação orçamental do sector, uma vez que a Educação é fundamental para o crescimento do país. Em termos educacionais, Angola aloca a menor fatia do seu Orçamento para Educação entre as economias comparadas (5), ou seja, é a única economia com menos de 10 por cento do orçamento alocado à Educação, um factor crítico para o desenvolvimento socioeconómico do país (6).
As dificuldades financeiras de Angola têm sido relacionadas com a dependência da economia da exploração e exportação do petróleo e, também, com a corrupção, como exposto no relatório preliminar da Perita Independente das Nações Unidas, Attiya Waris, sobre a dívida angolana e o impacto sobre os Direitos Humanos (7).
Decorrem desde o Setembro, na Sede das Nações Unidas, em New York, os trabalhos preparatórios da Cúpula do Futuro, que decorrerá nos dias 22 e 23 de Setembro deste ano. Está preparado um Dia de Acção na Assembleia Geral, na sexta-feira, 20 de Setembro dedicado aos jovens. Durante a Cúpula, o terceiro documento a ser adoptado será a Declaração sobre Gerações Futuras. As propostas incluem compromissos para acabar com a desigualdade, promover educação de qualidade para todos e garantir planeamento de longo prazoc(8).
Precisamos de uma Educação que equilibre o bem-estar humano com a economia, as tradições culturais e o respeito pelos recursos naturais da Terra. Que adopte métodos e abordagens interdisciplinares para desenvolver uma ética de aprendizagem ao longo da vida, e promover o respeito pelas necessidades humanas compatíveis com o uso sustentável dos recursos naturais e as possibilidades do Planeta. E, não menos importante, que contribua para a recriação de um sentimento de Solidariedade Global.
Criar capacidades para identificar e abordar os temas a reflectir e debater, promovendo a inclusão do contraditório e o respeito pela diferença e pela diversidade. Construir socialmente (quer dizer todos) uma Visão para nós, e, no processo, trabalharmos as makas da memória colectiva e da Paz que precisamos! Acredito que esse é o caminho para criar a ‘marca’ Angola de que nos orgulhemos!
18.09.2024
Bibliografia consultada
(1) Obanya, Pai, (2011) FOREWORD. Nsamenang, A. B. & Tchombe, T. M.S. (orgs) (2011). Handbook of African Educational Theories and Practices: a generative teacher education curriculum. Human DevelopmentvResource Centre (HDRC), Cameroon. ISBN: 978-9956-444-64-2;
(2) https://imparcialpress.net/angola-escolas-publicas-sem-balnearios/;
http://opr.news/305c5f9c240909pt_ao?link=1&client=news;
https://novojornal.co.ao/sociedade/interior/falta-de-salas-de-aula-expoe-ao-fracasso-medida-do- pr-121088.
html#pk_campaign=MASwpn&pk_kwd=Falta+de+salas+de+aula+exp%C3%B5e+ao+fracasso+medida+do+PR;
(3) Expansão. Execução na Educação e Saúde é a mais baixa desde 2004. 12-04-2024. Também em Lusa. Angola não cumpre protocolos internacionais de educação – Movimento de Estudantes, 24 Jan 2024;
(4) Posicionamento Conjunto OPSA, ADRA e LAB sobre a Proposta do OGE 24. Luanda, 16 Janeiro 2024;
(5) África do Sul, Moçambique, Cabo Verde, Gana e Nigéria;
(6) UNICEF. Análise sobre o Orçamento Geral do Estado 2024. Educação. Mensagens-chave, sem data;
(7) VOA. Relatório da ONU aponta dificuldades financeiras e corrupção em Angola. 17 Setembro 2024;
(8) ONU News. Conheça os grandes temas da Cúpula do Futuro. 16 Setembro 2024.