Um projecto de desenvolvimento que, obviamente, não converge com os interesses ortodoxos do Ocidente, que tem agenda própria, que em princípio por mais interessados que possam estar em investir nele, nada os impede de o fazerem nos seus timings, que não têm que coincidir necessariamente com os nossos.
Na sua versão original e pelo desafio do contexto histórico que o gerou, o antecedente histórico do actual Corredor do Lobito, nasce como um projecto colonial, diante do desafio colocado pela história em sequência da Conferência de Berlim e da partilha de África, tratando da execução da ocupação dos territórios, nos termos delineados no Mapa Cor de Rosa e consequente pilhagem do vasto manancial de minérios da região do Thanganica, o cobre do Katanga e da Zâmbia.
Os colonizadores desses territórios, a Bélgica e a Inglaterra, criaram um consórcio a quem chamaram Thanganica Concession, e encomendaram avaliar a viabilização do escoamento desses minerais para os respectivos países colonizadores.
É essa a história do CFB, que na realidade surge como um projecto colonial no quadro do desenvolvimento da Europa, em contrapartida, subdesenvolvimento de África, no caso concretamente o Zaire e a Zâmbia e por extensão, toda a região Austral de África, em plena época da segunda Revolução Industrial.
A implementação desse projecto propiciou o desenvolvimento da Europa e inversamente, o subdesenvolvimento da África Austral, apesar de ter gerado, concomitante, o crescimento da região que mais tarde se chamaria SADC.
Podemos falar mesmo de uma história de prosperidade tal que diante das dinâmicas desenvolvidas na região em prol da Libertação de África e o repto da OUA, segundo o qual, os países da região tinham de dar guarida aos movimentos de libertação, em armas contra o colonialismo como era o caso do MPLA que era albergado pela Zâmbia.
A Zâmbia se sentiu obrigada a se engajar num pacto com Portugal, usando como moeda de troca o comboio do CFB. Pelo que a Zâmbia aceita albergar o MPLA, na condição de este se abster de atacar o comboio do CFB, o que foi observado no pé da letra pelo MPLA, ao longo de toda a Luta de Libertação.
O ataque pela UNITA ao comboio do CFB em Teixeira de Sousa, no dia 24 de Dezembro de 1966, são contas de outro rosário, que termina com a UNITA confinada a um espaço exíguo de sobrevivência, ao longo da luta de Libertação, sem reconhecimento pela OUA.
O processo de reconhecimento da UNITA seria desencadeado por Portugal com início a bordo do Iate de Mobutu, em águas internacionais, nas proximidades da Ilha do Sal, sendo que tal missão de bons ofícios iniciada pelo General Spínola, seria selada no Quénia junto de Yomo Keniata. (Haverá bibliografia relevante sob assinatura do Chefe da Repartição de Reconhecimento e Informação da Zona Militar Leste, a propósito, Brigadeiro Pedro Pezarat Correia – A Libertação de Angola, a Jóia da Coroa do Império Português).
Por conseguinte, a história do CFB data do início dos anos 1900, em sequência da Conferência de Berlim. Desde então ao presente, vários eventos mundiais com impacto global tiveram lugar, que muito distanciaram o contexto da colonização trazida pela Conferência de Berlim e o ulterior contexto de advento do actual Corredor do Lobito, a saber:
1– A Primeira Guerra Mundial; 2– A Revolução Socialista de Outubro; 3– O surgimento da Liga das Nações; 4– A Segunda Guerra Mundial; 5– O surgimento das Nações Unidas; 6– As Independências Africanas; 7– As Lutas Armadas de Libertação Nacional; 8– As independências das colónias portuguesas; 9– A Guerra Civil em Angola; 10– A independência do Zimbabué; 11– A Batalha o Cuito Cuanavale; 12– A Independência da Namíbia; 13– A Libertação de Nelson Mandela; 14– A Erradicação do Apartheid em África.
Os eventos acabados de elencar, todos eles geraram impactos globais uns e regionais outros, que são conhecidos revelando a marcha da história, uma história progressista, uma história de libertação e de desenvolvimento. O que por si só, demonstra que se trataria de estarmos diante de um novo contexto diametralmente oposto ao gerado pela Conferência de Berlim.
Consequentemente, os elementos materiais geradores do novo Corredor do Lobito, tomaram como base as seguintes instituições regionais:
– Estados da Linha Frente (Front Line States):
Uma união de cinco estados africanos: Angola, Moçambique, Botswana, Tanzânia e Zâmbia, para fazer face as acções políticas e militares de desestabilização da região pela racista Africa do Sul.
Uma tal aliança prescreve com o alcance da paz em Angola em 1992;
– SADCC (Conferência de Coordenação do Desenvolvimento da África Austral) um mecanismo permanente de consulta e concertação entre os estados da região, visando delinear estratégias na luta contra o subdesenvolvimento, instituída inicialmente em 1980;
– SADC (Comunidade para o desenvolvimento da África Austral), uma aliança envolvendo catorze estados da região em busca de estratégias comuns para a luta pelo desenvolvimento, almejando a intensificação de trocas comerciais entre si e a busca da experiência relevante no relacionamento entre os estados do Mercosul.
Os actuais BRICs se configuram em alinhamento com esse desiderato
Com este trabalho, visamos espelhar que o contexto do surgimento do CFB em 1900, gerado pela Conferência de Berlim, é, na verdade, um contexto de colonização, por conseguinte, um projecto colonial.
Todavia, o contexto do advento actual do Corredor do Lobito emerge num contexto diametralmente oposto ao do seu antecedente, tratando-se agora de um contexto de Libertação e de Desenvolvimento.
Em linha com o grande projecto ambicioso de intensificação das trocas comerciais entre os estados da região, industrialização de Angola e da região, e por extensão, a agenda da industrialização do continente.
O Corredor do Lobito é, por conseguinte, um projecto de desenvolvimento que, obviamente, não converge com os interesses ortodoxos do Ocidente, que tem agenda própria que em princípio por mais interessados que possam estar em investir no Corredor do Lobito, nada os impede de o fazerem nos seus timings, que não têm que coincidir necessariamente com os nossos.
Em conclusão, cabe a nós vincarmos bem os nossos objectivos e interesses e definir regras conforme estes objectivos, já não se tratará tão-somente de transportar matérias-primas da África Austral para a Europa e para as Américas.
As infraestruturas criadas ao longo do Corredor do Lobito são de grande capacidade de carga, sejam elas minérios, matérias-primas em geral e produtos acabados, para a qual foram feitas contas com a ambição da industrialização de Angola, da região e industrialização em geral de África, que pode começar a acontecer a partir de 2025, quando João Lourenço partir proximamente para Adis Abeba.
Tive a sorte a tomar contacto com estas matérias na rede clandestina do meu tempo. E quando em Outubro de 1969 a PIDE me foi prender na Coreia, eu detinha parte da biblioteca da rede de onde constava a seguinte bibliografia a propósito:
Revelando a Velha África, Basil Davidson; Angola no Centro do Furacão, Basil Davidson;
No pós-independência, seguindo a pista de Basil Davidson, adquiri na Lello, em complemento:
A política da Luta Armada, Basil Davidson; Os Camponeses de África, Basil Davidson.
A posterior, na Faculdade de Economia da Universidade Agostinho neto – UAN (onde apenas estudei o primeiro ano), ampliaria bibliografia sobre a temática com a obra “Como a Europa subdesenvolveu a Africa, de Walter Rodney”.
Dir-me-ão tratar-se de história de África escrita por europeus, mas saliento que Basil Davidson foi um jornalista, conferencista britânico progressista, Coronel do Exército Britânico, amigo de Agostinho Neto, que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente em Julho de 1974, quando visitei pela primeira vez Londres, em missão de serviço do MPLA.
Posteriormente, profissionalmente, enquanto técnico de seguros da ENSA ao serviço do Departamento de Riscos de Transportes, tive o privilégio de tomar contacto com as matérias que foram sendo diagnosticadas ao nível das reuniões de concertação da SADC, por via de acessoria contratada de académico em desempenho de funções no MINTRAN.
O que permitiu absorver conhecimento acerca dos projectos regionais de reabilitação, desenvolvimento e interconexão do CFB e da Rede Inter-regional, tendo sido para o efeito assessorados. O que a visão de Don Bernardo Luzevikweno Makombe permitiu mobilizar.
Em conclusão, o Corredor do Lobito é um Projecto de Reconstrução, Desenvolvimento e Interconexão Regional, concebido no quadro da SADC, pelo que não pode ser um projecto colonial.
Foi concebido no quadro da SADC com dimensão enquadrada na visão futurista de Industrialização de África.
Situação similar se trata com o projecto NAIL, dimensionado em função do aproveitamento do potencial turístico regional a partir de Okavango Zambeze, e a determinante histórica construída a partir de Cuito Cuanaval.
Parece-me que estes dois projectos estão em paralelo, e o problema é que a industrialização de Angola não está ainda a acontecer, assim como o turismo.
É também de admitir que a conjuntura belicista que se assiste em evolução, seja um factor perturbador que possa ter efeito de saturação e conceder o móbil do desfecho desencadeador de uma nova ordem, como aconteceu no desfecho das duas grandes guerras. Todavia, faz sentido ser motivo de orgulho e credencia a SADC, aqui onde tudo começou em 1900, acabou (o colonialismo e o apartheid) e se inicia uma nova história, de uma nova África jamais de “bosquímanos”, mas sim, que se pretende de voz igual.
Pelo que faz pleno sentido a partida de João Lourenço para Adis Abeba com credenciais da SADC, e quem sabe, abrindo outros caminhos para o percurso, desta feita, já não do filho do enfermeiro, mas ele mesmo no seu próprio pé de historiador e estratega.
Os dois exemplos citados parecem-me ilustrar que o país está bloqueado, e a causa pode ser a fractura ou fracturas no seio do MPLA.
Há que construir um novo país de fraternidade. O que se constrói com amor, como alguém disse recentemente.
*Nas redes sociais, para o prezado Pof. Doutor Eng. Feleiras Revelino Pepe de Gove
Luanda, 16 de Setembro de 2024.