EDITORIAL. “A fome é sempre relactiva…”

Velhos, mulheres e crianças aguardando pela distribuição de uma sopa, acção de solidariedade de irmãs de uma congregação católica

Disse o presidente do MPLA, que por acaso também é presidente da República, no comício realizado sábado (11) no Estádio Nacional 11 de Novembro, em Luanda, que marcou o encerramento do congresso do seu partido e o seu 65º aniversário, dos quais 46 na posse do poder absoluto.

Logicamente, que a fome em Angola está relacionada com muitos factores, mas, sobretudo, com a ausência de políticas para potenciar quem tem fome e quem é pobre, até porque, contrariamente ao que se apregoa, a pobreza não deve ser combatida. Decisão sábia e inteligente, procura reduzi-la por via de acções e de políticas inclusivas. Não se resolve só porque se vai levar água ao Cunene, afectado por secas cíclicas, pois a fome e a pobreza também campeiam em áreas onde existe enorme potencial de recursos hídricos, terras férteis e infraestruturas industriais. 

A fome e a pobreza, seus reflexos e consequências, são questões antigas entre nós que resultam de desajustes e da má gestão, incluindo de políticas de protecção social. E o Covid-19 apenas fez o favor de destampar, por completo, a nossa panela de pressão que mais ou menos, encobria a visualização abrangente do que já andava mal, e que vai continuar mal por muitos e longos anos. E essa nossa interpretação não reflecte pessimismo. Apenas e só, realismo, face o que tem sido a nossa vivência, ou se quiserem, o nosso percurso ao longo destes 46 anos, em que somos governados (ou desgovernados) pelo partido dirigido por quem hoje nos diz, que “a fome é relactiva”. Mas ainda assim, também foi evasivo pois não apontou saídas e soluções.

Temos pois, igualmente como opinião, que a fome, a pobreza e muitos outros males que nos afectam, são mais resultado da falta de comprometimento, de amor ao próximo, de sensibilidade e, fundamentalmente, de solidariedade de quem exerce o poder, do que da relação entre causas e efeitos da relactividade, que, eventualmente, até podem exercer sim alguma influência directa ou indirecta, mas não justificam tanto descaso, a falta de iniciativas e a soberba de querer resolver tudo mesmo não tendo capacidade. Afinal, somos muito poucos para tanto espaço e tanta riqueza, que deveria ser transformada em força motriz para promover o desenvolvimento económico e humano harmonioso, a competência generalizada e não o espírito de apatia ou de uma espécie de resignação do destino. 

Portanto, há, isso sim, falta de sentido patriótico e de visão de Estado para torná-lo aglutinador, porque com o que este país dispõe, viver da mendicidade e comer do lixo, é vergonhoso e não é relactivo.

E andamos nisto faz muito tempo, divergindo até no que é incontornável: a unidade nacional. 

Ramiro Aleixo

12.12.21 (capicua)

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