COMBATER A POBREZA, OU CRIAR MAIS POBRES?

Ensinar alguém a ser autónomo e capaz de se sustentar a longo prazo tem um impacto muito maior do que uma ajuda pontual. É dar-lhe ferramentas e meios para produzir em vez de o transformar num mero pedinte.

ZOOM DA TUNDAVALA 

AIRES ALMEIDA

Os dados estatísticos sobre a pobreza em Angola têm feito soar os alarmes dentro e fora do país, e daí que se dê alguma atenção ao fenómeno, considerado mesmo um estigma da sociedade. Dando um pouco de atenção aos números, verifica-se que, de acordo com o Banco Mundial, em 2022, cerca de 32,7% da população angolana vivia com menos de US$ 2,15 por dia, o que representa um aumento em relação aos níveis pré-pandemia. Por seu lado, o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola estimou que, em 2022, aproximadamente 49,4% da população vivia em situação de pobreza, prevendo um aumento para 49,8% no ano seguinte (2023). 

De lá para cá, não existem relatos nem dados de inversão desta tendência, sendo suposto que  estes números tenham sofrido variações, para mais, salvo confirmação em contrário. Não será necessário, evidentemente, gastar avultadas somas com consultores externos, pois basta uma saída às ruas de qualquer cidade, para se constatar o crescente aumento de pessoas em situação de mendicidade, de fome, com principal incidência nas mulheres, crianças e pessoas idosas. A confirmar isto está a notícia publicada pelo jornal Expansão que, na sua edição 810 do dia 7 de Fevereiro de 2025, reportava: “Apesar da evolução que esta iniciativa trouxe no contexto do combate à pobreza e da acção das instituições públicas, o número de cidadãos em situação de pobreza extrema em Angola, saltou de 10,6 milhões de pessoas, em 2020, para 11,6 milhões em Janeiro de 2025.”

As causas da probreza são por demais conhecidas, assumindo particular relevo factores estruturais como a falta de políticas públicas eficazes, burocracia excessiva, ou a gestão dos recursos públicos muitas vezes considerada má, sem ser necessário falar, obviamente, do pior dos males de que padece a sociedade: a corrupção. Por outro lado, não é de ignorar que, quem nasce na pobreza, em famílias pobres, ou em meios onde predomina a pobreza, tem maiores dificuldades em sair dessa condição, perpetuando-se o ciclo da pobreza.

Combater a probreza será, antes de mais, desenvolver acções encaminhadas para a resolução dos problemas na origem, combater as causas, indo ao cerne da questão, com o estabelecimento de políticas que promovam o pleno emprego, assegurar uma educação de qualidade, ter um sistema de saúde forte que não assente apenas em “hospitais de referência”, sem colocar de lado que, uma sociedade mais justa, depende de instituições transparentes e da voz activa do cidadão. 

É de considerar que as intenções tornadas públicas têm sido significativamente melhores do que as acções realizadas ou em curso pois, caso contrário, deveriam ser visíveis alguns resultados e, os estudos e análises do domínio público, não seriam tão dramáticos quanto realistas.

Quando o propósito é o combate à pobreza, aplica-se perfeitamente o  provérbio  muito conhecido, atribuído à sabedoria chinesa: “Ao faminto não lhe dês um peixe, ensina-lhe a pescar.” A ideia é que ajudar alguém de forma sustentável é mais eficaz do que dar apenas uma solução temporária.

Ensinar alguém a ser autónomo e capaz de se sustentar a longo prazo tem um impacto muito maior do que uma ajuda pontual. É dar-lhe ferramentas e meios para produzir em vez de o transformar num mero pedinte.

Isto remete a um programa, lançado pelo governo, “destinado a inserir beneficiários em idade activa e com capacidade produtiva em actividades geradoras de rendimento, estimulando iniciativas locais no domínio da geração de trabalho e renda.” Este programa, a que se denominou Kwenda, visava, como os próprios objectivos definem, pôr o pessoal em idade activa a trabalhar para, a partir do resultado do seu trabalho, gerar rendimento. Ensinar a pescar.

Em teoria até se pode dizer que este programa, cujo objectivo primordial é o de combater a pobreza, possa ter sido bem delineado, quer dizer pensado mas, na prática, o que se está a fazer é mesmo dar peixe ao faminto, em vez de lhe ensinar a pescar. Em vez de “estimular iniciativas locais no domínio da geração de trabalho e renda”, como diz o próprio programa, ensinar a pescar, dá-se dinheiro. Dá-se peixe. E quando se ouve falar do programa, quase sempre só são referidos números, estatísticas sobre os beneficiários e dinheiros dados. Peixe dado.

Nessas avaliações, normalmente não é referido aquilo que também se sabe: que há gente em idade activa a receber dinheiro, muitos deles jovens, improdutivos, que apenas esperam o pagamento para depois irem para as praças “torrar”, ou para “bater palmas” quando for necessário. Seria naturalmente interessante saber, em que medida a situação de vulnerabilidade desses beneficiários se tem invertido, para que se soubesse se o programa não está a ser, como aparenta, apenas uma forma de jogar para fora estatísticas que não correspondem à realidade, partindo mesmo de um ajuizamento da realidade que se vive em certas zonas da província da Huíla, onde a preocupação de uns é fazer as entregas de dinheiro e, de outros, receber. 

Pretende-se combater a probreza. É verdade que o propósito é nobre mas, o que possivelmente se esteja a fazer é, produzir mais pobres. O que o programa sugere, é que se esteja a combater as consequências, camuflando-as sob a capa de dinheros dados. Atirar o lixo para debaixo do tapete não é fazer limpeza. 

É natural que, diante do quadro que se vive, perante as dúvidas que existem, se façam perguntas, se questione: o que se espera quando o kwenda acabar? Sim, isso é o que está previsto: que acabe em 2025, exactamente depois de se ter comemorado os 50 anos da independência. O que será dos actuais beneficiários? Será que a sua situação de vulnerabilidade estará reduzida nessa altura? O que será deles no “pós-Kwenda”? Possuirão formas e meios de subsistência que lhes garantam continuar a viver com alguma estabilidade e segurança? Terão aprendido a pescar? Ou o programa vai ser estendido por mais dois anos, e aproveitado para outros activismos? O mais certo é virmos a ler nos mesmos jornais e colher das mesmas fontes, estatísticas bem mais aterradoras porque, ao faminto só se lhe quis matar a fome durante algum tempo.

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