CIMEIRA ESTADOS UNIDOS/ÁFRICA

Quem tem tudo e em grande quantidade para vender, não vem investir em Angola, onde não há água potável, nem luz eléctrica, nem mão de obra especializada, nem estradas que possibilitem o rápido  escoamento dos produtos, nem divisas disponíveis.  

MARIA LUÍSA ABRANTES

A forma como tem sido anunciada pela comunicação social, a notícia sobre a organização do evento (Cimeira EUA/África ), a realizar pelo CCA – Corporate Council on Africa em Angola, no mês de Junho próximo em Luanda, presta-se a certa confusão, que pode ser propositada. Sugere, quase, tratar-se de um evento relacionado, possivelmente, com a Administração Americana. 

Como é normal e lógico, sobretudo num país com a dimensão, estatura e desenvolvimento  dos Estados Unidos, o Estado protege os seus contribuintes, estimula a inciativa privada  e apoia-os nas suas missões no exterior do país, visando a criação de emprego e de riqueza para os americanos (Americans first). Logo, é normal que quer durante a Administração Biden, quer durante a Administração Trump, qualquer actividade que possa resultar em benefício financeiro, para a receita fiscal e para pessoas colectivas ou singulares americanas, (como será o caso do  evento do CCA em Angola), tem todo o apoio e acompanhamento institucional como deve ser. Por isso, na qualidade de representante da Câmara do Comércio americana, a AMCHAM Angola, também dará o seu contributo a custo zero, mobilizando os seus membros para participarem e para patrocinarem o evento. 

O CCA – Corporate Council on Africa, é uma associação privada, embora  registada como organização  “sem” fins lucrativos (???), criada em 1993 por Stephen Hayes, um ex diplomata americano, na altura recém reformado, que tinha cumprido missões em África. Os eventos do CCA, por norma, organizavam-se de 2 em 2 anos, com a denominação de “Cimeira EUA/Africa”. Estas “Cimeiras”,  funcionam mais como elo de ligação entre empresas americanas prestadoras de serviços e “lobbies” americanos, com  membros de governos africanos, do que com empresas africanas. 

Tendo a clara noção de que nos países africanos existem poucas empresas de transformação, fora dos sectores de extracção geológica e minera, a estratégia do CCA  seria, de conseguir convencer os Chefes de Estado africanos e auxiliares do seu Executivo, a assinarem contratos de prestação de serviços e de fornecimento de produtos com  empresas americanas vocacionadas para o efeito e com lobistas. A visão seria, a de conseguirem angariar um maior número de membros, se demonstrassem conseguir atrair para os seus eventos, um maior número de Chefes de Estado prioritariamente e de membros do Executivo.  A missão seria, fazerem dinheiro para os seus proprietários. Porém, como os Chefes de Estado Africanos não estavam a obter os resultados esperados, nem encontravam nos eventos organizados pelo CCA representantes da Administração americana a sua altura, a sua participação começou a escassear e os auxiliares dos seus Executivos passaram a ser os  participantes mais habituais. 

É muito normal nos Estados Unidos, como em outros países desenvolvidos, pessoas desempregadas criaram associações e ONGs, com ou  sem fins lucrativos (aparentemente), porque se os trabalhadores voluntários não auferem salários, os seus dirigentes, não raras vezes, auferem salários elevados. 

O CCA – Corporate Council on Africa tem apenas cerca de 180 membros, (dos quais grande parte são prestadoras de serviço, ONGs e lobistas). Esse número de membros, num país com a dimensão dos Estados Unidos, é irrisório, comparado com os mais de 3 milhões de membros (empresas) da Câmara de Comércio Americana. Os Executivos do CCA – Corporate Council on Africa, são pagos regularmente com o lucro dos eventos, realizados com patrocínios avultados de empresas maioritariamente do sector petrolífero, ou suas prestadoras de serviços e, adicionalmente, pela venda dos ingressos aos participantes, que também não são baratos. 

A primeira Cimeira organizada pelo CCA – Corporate Council on Africa, foi em 1997, em Washington, D.C. Recordo-me que a delegação angolana convidada, era chefiada pelo economista Madeira Torres, então Secretário para os Assuntos Econômicos  da Presidência da República. Entretanto, como não foi efectuado o pagamento no acto da inscrição que confundiram com o registo, não participaram. Estávamos habituados ao facto de que em Angola, quando o Governo angolano  organiza ou apoia a organização de qualquer evento, não só não é cobrada a participação aos convidados estrangeiros, como ainda é pago o seu alojamento, a alimentação, o transporte, e não raras vezes, a deslocação. Isso é surreal, num país sedento de recursos financeiros escassos, para satisfazer o mínimo de condições sociais, de saneamento básico e de infraestruturas. Em 1999, o 2.º evento do CCA foi realizado em Houston e nela já participaram quer o então PCA da SONANGOL Manuel Vicente, quer o então Ministro da Indústria Joaquim David,  ex PCA da SONANGOL. 

Nesse evento, o CCA instituiu um prêmio. O primeiro galardoado foi um jovem estudante americano estagiário (voluntário) do CCA. Fiquei chocada, mais propriamente envergonhada, quando o Presidente da organização, entre altas gargalhadas sarcásticas, fez grandes elogios ao jovem estagiário inexperiente, com pouco mais de 20 anos, porque o incumbiu de entregar os convites aos Gabinetes de Chefes de Estado africanos e ele pasmem-se, conseguiu o prodígio de ser recebido não pelo staff dos Presidentes da República, mas pessoalmente pelos próprios Chefes de Estado. Nem sequer o recém criado e recém auto-nomeado Presidente da associação, deu-se ao trabalho de se deslocar. Ora, isso seria de todo impensável nos Estados Unidos da América. Que o diga o Presente João Lourenço. Entre os premiados, sem razão aparente, estava o Presidente do Gabão, Omar Bongo, cuja governação estava conotada com actos de corrupção comprovada e liderava um regime de partido único, porque a oposição era impedida de exercer o seu papel. Isso só era possível, pelo facto do CCA  ser uma Associação com fins unicamente lucrativos, permeável aos patrocinadores que pagam mais.

Sendo o CCA – Corporate Council on Africa uma organização privada, independentemente do grande encaixe financeiro proveniente das receitas dos patrocínios e da venda de ingressos, provavelmente haverá custos adicionais para o Governo angolano, a boa maneira africana. Essa hipótese seria impossível se se tratasse do inverso. Pela minha experiência e conhecimento de ambos os países, tenho sérias reservas sobre os benefícios para o empresariado angolano, porque quem tem tudo e em grande quantidade para vender, não vem investir em Angola, onde não há água potável, nem luz eléctrica, nem mão de obra especializada, nem estradas que possibilitem o rápido  escoamento dos produtos, nem divisas disponíveis.  Compensaria sim, caso o resultado da referida Cimeira desse origem a novas parcerias “win-win”, que pudessem no mínimo acrescentar valor a alguns dos nossos produtos e proporcionar a transferência de tecnologia, sem a qual  o nosso desenvolvimento económico ficará adiado. De resto, todos os fornecimentos de bens e de serviços a serem efectuados, seriam com financiamentos com base em garantias bancárias soberanas, ou privadas, ou em créditos à exportação. Todo e qualquer registo de criação de novas empresas, seria, sobretudo, com o objectivo de obtenção de licença para repatriamento de capitais, (ainda antes de finalizar a realização do investimento), que pode ser com recurso ao crédito interno e possível isenção parcial ou total de impostos. Maior facilidade, nem na China.

A actual Presidente do CCA, Florizelle Liser, foi nomeada, após final do seu mandato e reforma do cargo de Representante para África da USTR (Gabinete do Representante para o Comércio Exterior dos Estados Unidos). Nessa capacidade, visitou pela primeira vez Angola em 2014, se a memória não me falha. Na ocasião, durante um encontro no Ministério do Comércio, apontou as debilidades do nosso país, que dificultavam a implementação da parceria estratégica, que aliás pioraram.

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