As crises bancárias, o papel do Banco Central e as garantias do Estado

Há que repensar o papel dos bancos centrais, o formato do dinheiro e respectiva regulação.

Por Maria Luísa Abrantes*

Os  indícios de que algo estava a correr mal no cumprimento do plano de reestruturação no Credit Suisse, fundado em 1856, com activos de 796.3 bilhões de francos suíços em 2017, foram anteriores ao desmoronamento do Silicon Valley Bank e ocasionaram a queda em 25% das suas ações da bolsa Suíça, que provocou a corrida ao banco pelos clientes que sacaram bilhões de dólares. De imediato, o seu CEO veio a público sossegar os seus investidores e credores, dizendo que o banco estava bem, mas o dano reputacional já tinha dado origem à desconfiança instalada. 

Sendo a Suíça o maior hub Financeiro do mundo, qualquer oscilação negativa da banca influencia o sistema financeiro internacional. Segundo a Deloitte, em 2021,  o valor total do sector bancário na Suíça era de 2,6 trilhões de dólares, o que tem uma grande influência no seu PIB.

Por isso, o Governo suíço interviu de imediato, através do Presidente suíço, Alan Berset, num domingo (17/3/2023), já depois do desmoronamento do Silicon Valley Bank. Berset, anunciou uma ajuda de 50 mil milhões de francos suíços, a compra do referido banco pela sua congênere o UBS, por 1.800.000,00 de euros, uma garantia soberana de 9 mil milhões de francos suíços à UBS, e uma linha de liquidez do Banco Central suíço ao UBS no valor de 100 mil milhões de francos suíços. Essa comunicação acalmou os ânimos dos parceiros do Credit Suisse. Todavia, o valor total da transação para a aquisição do Credit Suisse, está avaliado em 3,02 milhões de euros. 

Lembremos-nos contudo, que durante a crise do subprime de 2008, o UBS quase colapsou, por falhas no compliance, só sobrevivendo pelas várias injeções de milhares de milhões de francos suíços do Estado suíço, que lhe volta a injectar mais 100 mil milhões de francos suíços para proceder à fusão com o Credit Suisse. 

Entretanto, o Credit Suisse já vinha demonstrado mau desempenho, pelos resultados negativos de 2021, não tendo sequer conseguido apresentar contas. É preciso não esquecer que estamo-nos a referir a dois dos maiores bancos suíços.

Sendo os bancos suíços considerados pelos investidores dos bancos mais seguros, pela confiança sustentada num passado recente, pelos apertados controlos dos mesmos, essa confiança, após o primeiro sinal de alerta em 2008 no UBS, seu maior banco e agora no Credit Suisse, aventa a possibilidade de contágio, pelo actual risco reputacional elevado. 

A desconfiança poderá ter como consequência a deslocalização de capitais da Suíça para outros paraísos fiscais, cada vez mais procurados, como o de Luxemburgo e de Singapura, Emirados Árabes, entre outros, o que seria de extrema gravidade para a Suíça, seus clientes e investidores ao nível global. De 2002 a 2021, o número de bancos suíços passou de 365 para 239, com o encerramento de 26 bancos.

Stefan Legge, Chefe da Política Fiscal e Comercial do IFF da Universidade de Saint Gallen, questiona a utilização pelo Estado do uso da Lei de Emergência, para vender o banco sem consultar os seus acionistas, nem comunicar aos detentores de títulos. 

No caso do Deutsch Bank, o maior banco alemão, criado em Março de 1870, com activos de 1.475 trilhões de euros em 2017, após a queda do Silicon Valley Bank, do  Signature Bank, da necessidade de concessão de liquidez ao First Republic Bank (foram injectados nos 3 bancos 300 bilhões de dólares, do fundo composto pelos 11 maiores bancos americanos, por empréstimo garantido pelo Estado) e da aquisição do Credit Suisse, a instabilidade do mercado financeiro global ocasionou uma forte subida no custo dos seguros das dívidas do Deutsh Bank. 

A queda das suas ações em bolsa  foi inevitável, o que fez soar o alarme e originou a desconfiança por parte dos “stakeholders”, que recearam os riscos de mercado. Por essa razão, os “spreads”  (taxa do CDS – Credit Default Swap) a 5 anos aumentaram, significando que  o mercado não tinha confiança na volatilidade do sistema financeiro. Segundo a S&P Global, no dia 20 de Março, os CDS do Deutsh Bank estavam a 142 pontos de base e no dia 22 de Março, os CDS estavam a 208 pontos de base. Os seguros aumentaram da mesma forma  para outros bancos .

Não obstante o Deutsh Bank tenha  tido um lucro  de cerca de 5 bilhões de dólares em 2022, em 2018 e 2019 teve prejuízos de 52 milhões de euros e 5,728 milhões de euros respectivamente. O Deutsh Bank, à semelhança do Citigroup, tem tido vários processos relacionados com suspeita de lavagem de dinheiro, através de abertura de contas off shore para alguns clientes, e o New Zeland Bank-AZN era suspeito de manipular os preços relativos à venda das suas ações. Esses eventos estão a levar a uma subida da taxa de juros, em vez de induzirem aos cortes aspirados. 

Acresce-se o facto dos  bitcoins, cuja crise originou a recente queda do Signature Bank, entre outras instituições regionais, fugirem ao controle dos bancos centrais, porque estes não tem uma regulamentação adequada a essa e outras moedas digitais, embora sejam as únicas instituições autorizadas a cunhar moeda. 

A gravidade é tanto maior, quando nos Estados Unidos de América há uma grande exposição dos bancos ao sector imobiliário, e eventuais colapsos neste sector causariam como consequência, uma maior pressão aos pequenos e médios bancos. Pior ainda, é que nesse país, cerca de 40% do sector imobiliário compra e vende os imóveis em bitcoins, proveniente de dinheiro lícito, ou fruto de lavagem, sem que a emissão e supervisão seja executada pelos bancos centrais. 

Sendo a principal função dos bancos centrais garantir a estabilidade do sistema financeiro, através da implementação da política monetária e da emissão de moeda adequada ao funcionamento da economia, são estas instituições as únicas que estão investidas do poder de “imperium”, que lhes permite exercer o papel para que foram criadas com autonomia, imparcialidade e compliance, (r)estabelecendo a confiança ao sistema global financeiro.  

Se as negociações iniciadas hoje, pela Rússia e a pela Ucrânia, na Turquia, não chegarem a bom porto e a guerra que está afectar toda a Europa e seus aliados persistir, o Ocidente poderá conhecer uma maior crise de cereais, de gás e de energia

Porém, ainda que, na sequência da queda das ações dos bancos após a queda das bolsas de valores, as decisões dos bancos centrais e respectivos governos tenham sido comunicadas quase em simultâneo, dizendo estar tudo controlado para aclamar os mercados, a verdade é que não está. O stress dos bancos mencionados, que de momento apenas contagiou “ilhas” significativas do sistema financeiro global, pode sim tornar-se sistêmico, se as negociações iniciadas hoje, pela Rússia e a pela Ucrânia, na Turquia, não chegarem a bom porto e a guerra que está afectar toda a Europa e seus aliados persistir, provocando uma maior crise de cereais, de gás e de energia. 

Por outro lado, se o Silicon Valley contagiaria  cerca de 2% do mercado, o Deutsh Bank já poderia contagiar cerca de 20% do mercado financeiro.

No caso de Angola, há um empréstimo no valor de mil milhões de dólares, dos quais 200 milhões de dólares foram concedidos de uma forma não transparente à empresa privada Carrinho, com garantia do Estado, (que por incumprimento em momento de turbulência poderia ser acionada), pelo que, a subida de juros afectará o valor da dívida externa angolana. 

Enquanto os Estados Unidos recorrem ao aumento do endividamento externo para resgatar as instituições financeiras e para a compra de títulos da dívida privada, a Europa tende a utilizar o dinheiro público, pago pelo contribuinte para o mesmo fim. 

Tratando-se  de instituições financeiras privadas, põe-se a questão da justeza da contribuição dupla que os bancos recebem em momentos de dificuldade, seja por más políticas de intervenção dos Estados, seja por gestão danosa, seja por falta de compliance, já que o controlo interno não basta, por ser um exercício incompleto, porque funciona apenas por amostragem. 

É que as verbas do Estado são na verdade dos cidadãos, que coercivamente pagam impostos directos e indirectos, sem qualquer retorno, e os fundos criados pelos bancos são na verdade retirados aos depositantes, pagando serviços mínimos cada vez mais caros.

Levanta-se ainda a questão da legitimidade da oferta de Garantias Soberanas do Estado, muitas vezes acionadas sem retorno e da intervenção do Estado nos bancos privados falidos, através das nacionalizações “relâmpago”  (o terno é meu). É que o Estado paga para comprar parte das ações, para pouco tempo depois de alavancar o banco as revender, não poucas vezes, aos anteriores proprietários, ou perdoar grande parte da dívida aos bancos. 

Levanta-se também o problema de saber qual o fundamento para que seja o cidadão comum a pagar a factura pela má gestão dos banqueiros privados, ou pela má gestão de governos, em vez de serem os mesmos a pagar do seu bolso, deduzindo dos milionários bônus que mesmo tendo prejuízo recebem, alegando com descaramento que é porque consta do contrato. 

Nos Estados Unidos da América, só após a crise financeira de 2008, os presidentes Biden e Obama propuseram a intervenção do Estado na regulação do sistema bancário e a possibilidade de punir os gestores dos bancos, tendo o primeiro iniciado uma luta contra fortes lobbies pela regulação da  banca, que o Presidente Trump desfez. Em Angola, a última lei das instituições financeiras já inclui a responsabilização e sanção individual dos gestores bancários. Quanto à sanção da pessoa colectiva, essa legislação não pode ultrapassar o código penal, que não equipara  as sociedades às pessoas singulares, porque para o direito penal, para punir alguém por um delito culposo, é expressamente necessário que a culpa, elemento subjectivo obrigatório no crime, seja claramente tipificada. 

No caso de Angola, põe-se ainda a questão de as nacionalizações serem irreversíveis, porém, as ações poderiam voltar para os anteriores proprietários, através de sociedades nacionais de que sejam detentores de ações e de sociedades estrangeiras que detêm nos paraísos fiscais, para onde há anos drenam os recursos cambiais escassos.

Há que repensar o papel dos bancos centrais, o formato do dinheiro e respectiva regulação.

*Consultora Internacional, doutorada em Direito Económico e Financeiro com Mestrado em Ciências Jurídico-Económicas e pós-graduações em Finanças Internacionais, Negócios, Liderança, Negociação de Contratos Petrolíferos e Direito Económico Internacional 

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