Agora falta ajustar o lugar de Agostinho Neto na história do passado

Estava, por imposição do sistema, a cumprir um período de hibernação quando recebi um telefonema do meu irmão Victó (Victor Aleixo) comunicando-me que pretendiam contar com a minha presença no programa FALAR CLARO, que durante alguns anos (ou talvez menos) preencheu às sextas-feiras a programação da TPA. Na nova gestão política do País, deu lugar ao POLÍTICA NO FEMININO.

Manifestei ao meu irmão (também ele jornalista) a minha estranheza e grande surpresa, porque na verdade, nalguns sectores do poder e até mesmo dos comandos da comunicação social, gozo do estatuto de proscrito por pensar com a minha cabeça e exercer o meu direito de liberdade de expressão mesmo depois do encerramento forçado do semanário Agora, que dirigi. Por outro lado, feio como sou, não gosto mesmo da exposição da televisão. Prefiro o meu canto e o meu diálogo com o teclado e o monitor do computador.

Mas como não é minha prática deixar a cadeira vazia ou negar só por negar um convite, sem mesmo perguntar quais as condições que me impunham, pegava na minha viatura na quinta e as vezes mesmo na sexta-feira, logo pela manhã, e percorria os 450 km de Benguela a Luanda e mais 450 km de regresso a Benguela, para honrar esse compromisso que assumi, repito, sem ter perguntado ao Victó, de quem partiu a iniciativa. E da mesma forma como surgiu o convite, de repente zás… o silêncio. Nem sequer um obrigado ou um telefonema a dar conta da minha dispensa, tal como faziam para comunicar os temas agendados.

Reflectindo sobre as razões da dispensa, percebi que deverá ter resultado de uma abordagem que fiz sobre o 27 de Maio. Disse em voz alta e bom tom, que o Presidente José Eduardo dos Santos antes de deixar o poder, deveria resolver este caso “pedindo perdão a Nação pelos crimes cometidos pela direcção do MPLA”, para que se desse início ao processo de reconciliação. Mas fui interrompido por outro jornalista que integrava o painel, obviamente ligado ao sistema, que argumentou que esse pedido já tinha sido feito por via de uma declaração emitida pelo Bureau Político do MPLA. De nada valeu a minha resposta de que não tinha o mesmo significado, nem o mesmo impacto.

Ao ouvir ontem a mensagem que o Presidente João Lourenço dirigiu a Nação sobre o 27 de Maio, voltei a recordar-me desse debate e de como José Eduardo dos Santos perdeu uma grande oportunidade de prestar um elevado serviço patriótico, até porque ele não esteve, directamente, ligado aos assassinatos. Antes pelo contrário, foi por sua decisão que se pôs fim à matança, porque até a sua eleição, ainda se matou e havia valas comuns nos campos de repressão.

O Presidente João Lourenço, provavelmente por influência da sua esposa que foi vítima directa do sistema, aproveitou essa deixa histórica. E foi mais longe: abriu as portas também para o debate sobre o papel desempenhado por Agostinho Neto em todo esse processo de matança. E como que a reconhecer o envolvimento directo dessa figura, optou por silenciar o seu nome. Contudo, é incontornável, porque a história não se apaga e porque nessa época era ele o Presidente da República, fundada há pouco menos de dois anos.

Mas, atribuiu-lhe directamente essa responsabilidade (pelo menos na perspectiva política) ao considerar, cito, que “No intuito de reposição da ordem constitucional, a reacção das autoridades de então foi desproporcional e levada ao extremo, tendo sido realizadas execuções sumárias de um número indeterminado de cidadãos angolanos, muitos deles inocentes”.

Aqui, apenas uma correcção: não foram “muitos deles inocentes” como referiu o Presidente. Foram milhares os “inocentes”, porque culpados mesmo, não terão passado de meia dúzia mas foram executados e presos mais de 30 mil inocentes.

O assassinato de 10 altas figuras do poder instituído, não justifica tanto horror, tanta chacina a que se assistiu, traumatizando a Nação por quatro décadas. E como disse também o Presidente nessa sua mensagem, “A postura de um Estado perante situações adversas e de extrema tensão deve ser, sempre que possível, ponderada e comedida, pelas responsabilidades maiores que o Estado tem na defesa da Constituição, da Lei e da vida humana”.

Aqui chegados, acredito piamente que se imperar o bom senso, o patriotismo e o respeito pelas vitimas deste conflito do 27 de Maio, Agostinho Neto não é merecedor do lugar de destaque que o MPLA insiste em impor-nos, menos ainda aquele lugar no Largo da Independência. Constitui um insulto à Nação. O melhor local para deposição daquela peça em bronze, pode ser o quintal da sede do MPLA. E mesmo essa história do mausoléu, também deverá merecer outra abordagem.

Por melhor que seja essa intenção de reconciliação, esse desejo de sarar feridas não é sincero ao colocar-se vítimas e verdugos no mesmo patamar da inocência. E contraria a mensagem de que “importa que cada um assuma as suas responsabilidades na parte que lhe cabe”.

Mas nessa mensagem, onde o Presidente apela aos outros “um pedido de desculpas e de perdão pelas almas de Tito Chingunji, de Wilson dos Santos” e demais vítimas da intolerância na UNITA, não ficou clara qual a parte afinal que cabe ao MPLA. Seria bom que aproveitassem esta elevada iniciativa de pedido de “desculpas e de perdão”, se é que efectivamente reflecte o “sincero arrependimento”, para dar sequência à esse desejo de reconciliação com o passado. Porque, como disse o Presidente da República, que é também presidente do MPLA, “A história não se apaga, a verdade dos factos deve ser assumida para que as sociedades tomem as necessárias medidas preventivas, para evitar que tragédias idênticas se repitam”.

É apenas isso que a sociedade espera do MPLA. O conhecimento da verdade, porque todos temos consciência que não será possível entregar às famílias as ossadas de todas as vitimas porque muitas foram atiradas para o mar do interior de aviões voando a alta altitude, na fenda da Tundavala, em rios e serviram para alimentar jacarés famintos, ou dos que foram enterrados em matas longínquas na calada da noite, enquanto os assassinos dançavam e bebiam. A história, não se apaga.

Finalmente, também não entendi a omissão da FNLA nessa mea culpa relactiva ao passado. Porque será?

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