A onda gigante

A paz é a única forma de nos sentirmos realmente humanos

Albert Einstein 

Parte do conteúdo desta crónica e a ideia que dela emerge, incluindo o título, subtraí-a de uma breve e saborosa “conversa” à distância, lonjura grande por sinal, mantida com uma amiga, há muito distante do nosso meio tropical. Retirei-a da sua tese de doutoramento, onde fazendo o estudo da celebrada obra de Manuel Rui “Quem me dera ser onda”, compara situações. Não confronta com o Pai Diogo, com o Zeca ou com o Ruca, nem sequer o faz com o leitão “Carnaval”. Centra-se em várias personagens, porém, basicamente na onda, a grande vaga que o escritor adoraria ser, aquela que não se conseguia prender com corda nenhuma, por mais forte que ela fosse. A minha amiga é doutorada em ensino e pesquisa de literatura africana em língua portuguesa e manifesta com frequência a preocupação que tem em relação ao futuro de Angola e da juventude do seu país. No nosso país, ela leccionou, deu aulas a muitos jovens, conhece perfeitamente as suas principais necessidades e as aspirações de quem estuda. As de ontem como as actuais. Não é alheia à pouca importância que, aparentemente é dada a esses anseios pelo poder político estabelecido no país. Não se trata de novidade alguma, corroboro-o abertamente e com conhecimento de causa. Nada que possa surpreender a minha amiga, tenho a certeza. A preocupação da doutorada é a mesma que me assalta o pensamento e da qual volta e meia, melhor ou “piormente”, vou dando conta neste espaço. 

É a mesma ideia fixa que me obriga a clamar, até à exaustão, se a isso for forçado, que a preocupação do país em relação à sua juventude e ao seu futuro, não se pode resumir em proporcionar-lhe carreira política com o consequente salto para a ribalta do poder, vista como as altas instâncias partidárias o vêm, tudo apontando para mestrandos e doutorandos que resultam em altos dirigentes. Mas, sabemos bem, que para que tal aconteça, é necessária a qualidade e o talento para o qual, muito poucos, pouquíssimos mesmo desses jovens, estão talhados. Pelo menos da imagem que faço de um político à altura que possa vir a desenvolver trabalho consentâneo e ser respeitado pelo eleitorado. A preocupação de quem manda no país, não pode também e a um nível mais baixo, dar somente à juventude oportunidades de integrarem-se em passeatas, farras, assíduos contactos com o “show business” internacional, o mais mediático possível, muito menos com o nosso que, salvando honrosas excepções, é compreensivelmente medíocre. Promover essa relação inocente que permite imitar as vozes e os gestos de astros e estrelas do mundo do espectáculo em deploráveis programas televisivos, ou, noutra vertente, aproximá-la aos grandes craques do mundo do futebol que a televisão também nos trás a casa, e faz sonhar a nossa juventude, não será, de modo nenhum, solução que valha para elevar a nossa juventude. Prometer-lhes o céu é bem mais fácil e possível, já que ele está ali bem ao alcance das mãos. Como é possível? Através dos professores e dos livros, do trabalho e da vontade de os ler e estudar, tudo isto possível caso se invista na educação, caso contrário, nada há a fazer. E, assim sendo, tudo indica que a nossa luta deve incidir contra essa velha retórica funcional que continuará a ditar teses segundo as quais o estudo ou a ambição de estudar pode causar mal ao cérebro. Ora, sabemos bem que o contrário é que está certo e é dela que brotará a sabedoria de que tanto necessitamos. 

Mas, em quantas ocasiões já falei ou escrevi sobre estas ou semelhantes questões? E apesar de vezes sem conta ter ouvido dizer sobre o assunto, categoricamente que sim, “estamos a trabalhar”, nada de palpável transparece do trabalho dos mestres que sabem tudo.

A vida, no caso, a dos jovens angolanos, tem, terá de ter, outras prioridades e eles, os jovens, outro tipo de preferências e necessidades, para lá do fato e gravata, relógios e fios de ouro, no balcão de um banco ou de empresa de peso, da farra com bebida, muita comida, música e fumo para inspirar, e da magia do futebol. É curial que tenha. Desde logo a da educação nas suas imensas valências, o que pressupõe uma gama enorme de oportunidades, desde que apoiada na base de instituição familiar bem estruturada, com saúde e trabalho conquistados, quando chega a hora de ganhar a vida. Direitos fundamentais que a “rapaziada” infelizmente não usufrui na sociedade desequilibrada que construímos e teimamos em mantê-la, não no seguimento do que havia sido superiormente concebido, mas no de uma via estupidamente escolhida. Os resultados desta ausência de educação estão a cada dia que passa, mais visíveis, a transformarem-se em manifestações de protesto que, a breve trecho, ganhando volume, poderão virar numa bravata estúpida mas perigosa, uma discussão facilmente levada à tragédia, com nefastos efeitos para as pessoas que forem atingidas e, claro está, com mais desgraça para a nossa desatinada sociedade. Será isso que virá a acontecer, se não houver bom senso da parte de quem governa e da outra que se lhe opõe e quer legitimamente governar.    

Se o diálogo, vocábulo que, dos mais diversos modos, fartamente tenho mencionado como sendo a palavra de maior importância e urgência implementar e transformar em actos, continuar a não constar na primazia das acções dos políticos angolanos, não tardará, teremos a cair sobre nós, sobre toda a sociedade, os maléficos efeitos dessa necessidade desprezada pelos homens que sabem tudo e não aceitam conselhos de ninguém, gestos que se vêm a reflectir no lamentável comportamento duma juventude transviada e, pior que tudo, sem medo de nada, já que, na sua amarfanhada consciência, lembrando tempos passados de incrível violência, eles gritam que já nada mais têm a perder. Ora, não é disso que necessitamos. Nada é mais trágico de perder, do que a própria vida, de modo estulto. Muito menos de vidas jovens. Tratando-se de iminentes perdas consentidas de modo inútil, há que prevenir, há que fazer alguma coisa para não chegarmos a um estado que nos leve a lamentar mais tarde. Depois, por muitas lágrimas que se chorem, já não servirão pedidos de perdão e memoriais para recordar os que forem apanhados por essa onda gigantesca de ódio que se anda a preparar nas marés da política.

Ficará, não tenhamos dúvidas, marcado com sangue, uma vez mais um crime hediondo que vai ser necessariamente atribuído aos políticos que, numa obstinação incrível e sem qualquer classificação, com discursos inadequados, se recusam à mais fácil das atitudes que é conversar, conversar para se estabelecerem diálogos por onde poderão passar ideias para a salvação de Angola, num período onde o combate não pode ser feito com metralha, mas com palavras, argumentos e razão. Em suma, com política, com todos os seus truques e artimanhas aceites pelas leis da política, nunca contrárias à Constituição, com cedências de toda a parte, mas jamais pela violência. Em todo o mundo conversa-se em momentos de crise política, principalmente em momentos cruciais. A onda de violência que pode vir da falta de pensamento sobre o evitar de mais sofrimento para o país, tal como a onda do Manuel Rui que não pode ser parada com cordas, pode igualmente tornar-se uma onda gigante, destruidora, de graves proporções e de irreparáveis consequências. 

Aguardando que o bom senso impere, despeço-me dos meus leitores, A todos desejo saúde e firmeza, esperando a sua presença saudável, no domingo à hora do matabicho.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2022 

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One Comment
  1. Um prazer ler os seus artigos!!!!!!!!!!!!!!

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