Relações internacionais: poder, política e segurança

Depois da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o novo foco de tensão que dominará o mundo será entre Washington e Pequim, que pretende instalar uma Base Militar em Cuba, em resposta ao cerco americano, que ao longo dos tempos abriu frentes nos países aliados fronteiriços, com os olhos postos na China. Vem aí a 2ª versão da Crise dos Mísseis de 1962, quando a URSS instalou uma Base de Mísseis em território cubano.

POR LEONARDO QUARENTA*

A nova era do sistema internacional é, prevalentemente, caracterizada por vários tipos de poder: o poder econômico, o poder militar, o poder cultural, o poder diplomático, o poder político e o poder tecnológico. Mas, entre todos esses poderes, é o “Poder Nuclear” que  representa um elemento estratégico de estrema relevância, dentro dos programas dos governos que possuem uma Doutrina de Defesa e Segurança Nacional centrada na hegemonia e na influência global. Esse tipo de hegemonia, ou influência, depende exactamente dos objectivos ou da natureza do sistema político e da visão estratégica das suas respectivas lideranças. 

Nas relações internacionais, cada governo possui os seus próprios interesses, diferentes uns dos outros. Basta notar, por exemplo, que a Coreia do Norte é mais focada numa governação de tipo bélico (militarismo, segurança nacional, evolução técnico-militar, demonstração de força, persuasão, dissuasão, etc) do que, propriamente, no desenvolvimeto económico, apesar de que em tudo está presente o “factor economia”. Mas, muitos dos sistemas políticos usam a própria economia (desenvolvida ou não) para fins militares, sacrificando outros sectores do estado com finalidade de fortalecer o Exército e as Forças Armadas. É exactamente o caso típico da Coreia do Norte, tal como o Irão, Venezuela, Iraque, Turquia, Colômbia, entre outros países. 

Cada governo alcança/concretiza os interesses estatais (econômicos, sociais, culturais, políticos, diplomáticos e estratégico-militares) de maneira diferente, tal como referimos, em base dos seus instrumentos estratégicos. Esta é a natureza da Política Externa. Os estados tendem a reforçar cada vez mais as suas posições em termos de cooperação e alianças em todos os âmbitos, mas a vertente económica e militar têm prevalência e domínio sobre todo o resto. 

Enquanto governos como o da China, Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha (actores globais), investem alto e de forma constante nos próprios projectos estatais, mantendo o equilíbrio entre seus sectores nacionais, outros estados (a maioria) focam-se mais em apenas dois sectores: no econômico e no militar. É o caso da Rússia, Irão, Arábia Saudita e Turquia (este último muito mais no âmbito militar). Os restantes governos mergulham quase 80 a 90% dos seus recursos no sector militar, como é o caso da Coreia do Norte, onde há mais armamento, mas pouco desenvolvimento econômico-social. 

Mas é assim que funcionam as relações internacionais. Cada governo define para si mesmo as suas próprias prioridades e interesses de estado, dentro dos seus programas e projectos de Política Externa. E é aqui onde muitas das vezes surgem as guerras e os conflitos estatais, regionais e internacionais. O conflito russo-ucraniano é um exemplo concreto. Este conflito é fruto das divergências de interesses entre o Kremlin e Kiev. E mesmo com sanções económico-comerciais impostas à Rússia, esta não recuou e jamais pretende fazê-lo naquilo que considera uma luta de sobrevivência futura do estado e a manutenção da Segurança Nacional.

Guerra e Economia caminham juntas, e nelas estão incluídas as sanções económico-comerciais. Mas, no mundo de hoje (moderno e globalizado), regra geral as sanções económico-comerciais só fragilizam significativamente países pequenos, ou países que não possuem uma diversificação e sustentação econômica eficiente. Olhando para o conflito russo-ucraniano, nota-se claramente que as sanções impostas ao governo de Moscovo têm causado também efeitos negativos para a Economia Mundial, tal igual a crise alimentar global, subida dos preços dos cereais, etc. E apesar das várias restrições impostas à sua economia, a Rússia conseguiu contornar as sanções tornando-se hoje na 5ª maior economia do mundo e a maior da Europa, com 5.510 triliões de dólares, ultrapassando a Alemanha, que era antes a maior economia da Europa, segundo dados do Banco Mundial. 

Portanto, olhando este facto económico russo, incluindo as sanções e o conflito, fica claro que, na actual conjuntura político-global, é impossível derrubar um estado com status de “actor global”. Tais tentativas têm sempre efeitos colaterais internacionais. Porque a Rússia, assim como a China, Reino Unido, França, EUA, Alemanha, são “actores globais”, têm uma boa base de sustentação e não caem com sanções económico-comerciais.

Nas relações internacionais, os estados (independentemente do tipo de regime ou forma de governo) preocupam-se primeiro com a própria segurança. Isto tem levado os governos a fazerem inúmeras cooperações e alianças militares. Por exemplo, se de um lado o Pacto AUKUS (Aliança Militar) que envolve países como Austrália, Reino Unido e os Estados Unidos da América, tem preocupado bastante a China, d’outro lado, a aproximação entre Cuba e a China também tem preocupado os Estados Unidos da América. Sobretudo no âmbito estratégico-militar, sendo que o governo cubano já deu praticamente luz verde para que Pequim instale uma base militar no seu território, decisão que tem deixado Washington em estado de alerta total. 

Esta preocupação americana é natural, pós que, em matéria sobre Estudos Estratégicos, país nenhum aceita bases militares de seus adversários ou inimigos políticos próximo das suas fronteiras, porque constitui um perigo real à Segurança Nacional. A China Continental tem crescido muito a nível militar. Pequim tornou-se líder, por exemplo, em tecnologia sobre mísseis cruzeiro hipersônicos (mísseis apelidados de destruídores de porta-aviões). 

Vários oficiais de defesa dos EUA disseram à CNN no início desta semana que Washington está a expandir o seu acesso a bases nas Filipinas com um olho na China, como parte de uma mudança contínua na postura da força na região do Indo-Pacífico. Washington tem feito acordos agressivamente no Indo-Pacífico, incluindo o anúncio um dia antes de planos para compartilhar tecnologias de defesa com a Índia, e no início deste mês planeia implantar novas unidades da Marinha dos EUA nas ilhas japonesas. E na semana passada, o Corpo de Fuzileiros Navais abriu oficialmente uma nova base em Guam, uma ilha americana estrategicamente importante a leste das Filipinas. Camp Blaz é a primeira nova base da Marinha em 70 anos e espera-se que um dia receba 5.000 fuzileiros navais.

O aumento do acesso às bases militares nas Filipinas daria às forças armadas dos EUA uma base estratégica na borda sudeste do Mar da China Meridional, a apenas 320 quilômetros ao sul de Taiwan, a ilha democraticamente governada de 24 milhões de habitantes que o Partido Comunista Chinês reivindica como parte de seu governo território, apesar de nunca o ter controlado.

Face esses novos cenários, prevê-se que a próxima década será difícel, porque aumentará ainda mais a corrida armamentista, se acentuará a luta pela hegemonia regional, internacional e global, o sistema internacional entrará numa fase de “anarquia total”, o poder bélico e económico definirão todas as regras da Geopolítica, da Geoestratégia e da Geoeconomia Mundial e as leis internacionais serão duas vezes mais “ignoradas” pelas superpotências… serão épocas difícies. A próxima década será assim caracterizada pelo caos, tensões e conflitos interestatais pela busca de mais poder, influência e de posições estratégicas. Serão anos muito difíceis. A China vê-se cercada por bases militares americanas através dos países vizinhos que possuem bases militares americanas e Cuba pode constituir uma pretensão de equilíbrio.

Essa posição político-militar e político-estratégica da parte de Pequim em estabelecer cooperação militar sólida com Havana, pode levar o mundo para três cenários possíveis, a breve, médio ou longo prazo:

  1. Reação política por parte dos EUA em pressionar os dois países a cancelar tal acordo (o que já vem acontecendo);
  2. Ameaçar Cuba com mais sanções económico-comerciais, caso realmente venha a permirtir a instalação de bases militares chinesas no seu país;
  3. Entrar em tensão directa e concreta com a China (via comercial, diplomática ou até mesmo com ameaças reais em termos militares, caso Pequim não retire a sua base da Cuba). Isto seria praticamente a 2ª versão da Crise dos Mísseis de 1962, entre os EUA e a URSS. Foi uma época difícil de tensão global, mas que poderá vir acontecer novamente (mais tarde ou mais cedo). A Defesa e a Segurança internacional encontram-se numa fase de desiquilíbrio, o caos e a anarquia tomaram conta da comunidade internacional. Será ainda pior na próxima década, serão anos difícies.

Os fortes exercem o poder e os mais fracos se submetem

A política é sinônimo de poder, e o poder é o principal elemento e instrumento que distingue a influência e a hegemonia dos estados. Aqueles que o detêm devem saber como usá-la, moldando também (estrategicamente) a personalidade política dos próprios dirigentes, não no sentido de bondade ou maldade, mas no sentido de “resultados”. Mas, muitos excluem o termo “bondade” na política, motivo pelo qual, para Maquiavel, “a distinção entre um bom e um mau Principado-Príncipe (presidente, primeiro-ministro, chanceler, monarca, líder supremo) seria apenas calculado pela estabilidade do estado”. Segundo Maquiavel, “um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um Príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade”. 

Para Maquiavel, “o Soberano tem de usar padrões morais diferentes dos restantes indivíduos, para garantir a sobrevivência da sua unidade estatal, ao mesmo tempo que teria de estar sempre preocupado com o poder, caracterizando a política como um conflito de interesses” (Dougherty e Pfaltzzgraf 2011). No entanto, o estado deveria estar sempre preparado para a guerra, sendo a demonstração de força o meio para garantir a segurança e a manutenção do Poder, e as capacidades que o estado possui como garante do alcance dos seus objectivos, o que nos remete para as “Capacidades de Acção”, referidas por Waltz, sendo para este, tal como para Maquiavel, que o “Poder é a capacidade de colocar o Estado numa posição de hegemonia”.

Esta visão de Maquiável e de Waltz dão lugar à Anarquia. É assim que os “realistas políticos” encaram as relações internacionais, como um palco onde não existe um órgão superior aos estados, onde somente os interesses nacionais importam. Tucídides (pai do realismo político tradicional) ao abordar a questão da Anarquia, afirma que a “única forma de manter a ordem é através da balança de poder”, o que, na sua visão, seria sempre pela forma do exercício do poder dos mais fortes sobre os mais fracos. Estas relações entre as unidades estatais, são caracterizadas pela constante luta pelo poder, fazendo depender a sobrevivência das unidades através do poder relativo que detêm e das suas capacidades instaladas. Esta forma de poder de um sobre o outro, está bem patente na descrição que Tucídides faz, segundo o qual: “Deveis saber tanto quanto nós que o justo, nas discussões entre os homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder e os mais fracos se submetem” (Tucídides, 2001, Livro V, capítulo 89, p. 348).

O realismo político patente em Tucídides, “é definido pela lógica da luta permanente pelo poder, objecto primário do estado, o que regularmente leva ao conflito. Sendo as políticas deste abjectas de moral (exclusão da moralidade e da ética) e baseadas no jogo de interesses, inseridos num ambiente anárquico, dando primazia à uma balança de poderes sistematizada de modo a melhorar os seus níveis de segurança, estabilidade, poder e influência” (Sheehan, 2000).

Abertura imposta pela “Nova Arquitectura do Sistema Internacional”

A geopolítica internacional actual, ganhou outra dimensão, não no sentido da ordem internacional, muito menos no sentido do equilíbrio internacional, mas no sentido que estão a nascer vários pôlos de poderes, e esses poderes estão a tentar implementar princípios globais em base dos seus interesses nacionais. A continuar assim, o caos (mais cedo ou mais tarde) irá alastrar-se e o mundo entrará numa situação de complexidade por causa da hegemonia e controle de poder por parte dos actores globais. 

As relações internacionais têm mudado constantemente. Mesmo o continente africano tem ganhado voz e relevância no cenário internacional. A entrada oficial da União Africana como Membro Permanente do G-20, no passado dia 8 de Setembro de 2023, faz-nos notar claramente, que o sistema internacional está a abrir-se para o resto do mundo. Mas esta abertura não é voluntária, pacífica nem democrática. É uma abertura imposta pela “Nova Arquitectura do Sistema Internacional”. 

Em termos geopolíticos a entrada da União Africana no G-20, leva-nos à 7 interpretações:

  1. Relevância estratégica da União Africana na arena internacional;
  2. Maior representavidade do continente nos organismos regionais e internacionais;
  3. Expansão gradual da cadeia do poder global;
  4. Presença de um mundo cada vez mais multipolar;
  5. Dinamização da economia internacional;
  6. Fluxo comercial mais abrangente: seja a nível bilateral, multilateral, regional e internacional;
  7. Possibilidade de crescimento econômico-social por parte dos membros, caso estes implementem políticas estratégicas no âmbito económico e de cooperação internacional ao desenvolvimento.

Concluindo, as relações internacionais são dinâmicas, e os estados devem seguí-la com bastante atenção, para levarem adiante os seus interesses nacionais estratégicos. Caso contrário, haverá sempre um pequeno grupo de países potentes decidindo (politicamente e economicamente) o andamento da comunidade internacional.

*Leonardo Quarenta é Ph.D em Direito Constitucional e Internacional; Tem Mestrado em Relações Internacionais: Diplomacia, Mediação e Gestão de Crises, em Criminologia, Direito Penal e Políticas de Segurança, Formação como Conselheiro Civil e Militar e em Geopolítica de África: O Papel da CPLP na Segurança Regional.

Áreas de domínio: Defesa e Segurança; Departamento Nacional de Políticas de Estado; Inteligência Estratégica de Defesa; Inteligência Militar; Diplomacia Militar; Planejamento Operacional Militar; Departamento Estratégico de Projectos Nacionais; Diplomacia e Projectação Internacional; Diplomacia Governamental; Diplomacia Presidencial; Conselheiro de Segurança Nacional e Competências Internacionais

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