UMA LIGEIRA ESCALPELIZAÇÃO
O ideal é que haja uma discussão, um debate, com a necessária exaustão, sobre as propostas em liça, para que o consenso impere e que possamos ter as soluções legais mais consentâneas à nossa realidade e aos anseios do grosso dos actores do processo eleitoral em Angola.

Vale lembrar, à partida, que em sessão ordinária do Conselho de Ministros, que ocorreu no passado dia 27 de Março, foram apreciadas as propostas de alteração de diplomas referentes ao processo eleitoral, designadamente, a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (Lei n.°36/11, de 21.12), a Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da CNE (Lei n.°12/12, de 12.04) e a Lei do Registo Eleitoral Oficioso (Lei n.°8/15, de 15.06).
Uma vez apreciadas, as referidas propostas foram encaminhadas à Assembleia Nacional, para a devida discussão e aprovação.
Sendo certo que, por razões óbvias, capitaliza as atenções o quadro de alteração da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais (Lei n.°36/11, de 21.12) e nos atendo a ela somos instados a olhar para as razões de fundo na base das alterações a encetar.
Olhando para o Relatório de Fundamentação, que acompanha a proposta, salta à vista, que as alterações incidiram sobre determinado grupo de matérias relevantes, em termos de organização e realização das eleições. Vejamos:
1. Documentos para o exercício do direito de voto. Pretende-se que o BI seja documento bastante para tal exercício, desaparecendo o cartão de eleitor.
2. Local para o exercício do direito de voto. Prevê-se a possibilidade de eleitores exercerem o seu direito em mesas de voto diferentes das indicadas nos cadernos eleitorais e a possibilidade de existência de mesas eleitorais móveis, para atender pessoas que estejam com dificuldade momentânea de se movimentar por doença ou por especificidade do trabalho e também para ir ao encontro de eleitores dispersos.
3. Número de eleitores por mesa. Aqui se pretende a redução da presença de eleitores nas mesas eleitorais, saindo-se dos actuais 750 para 500 eleitores.
4. Apuramento – acta da mesa vs. acta-síntese. A ideia é descontinuar uma das actas, no caso a opção aponta para fazer prevalecer a acta da mesa, em prejuízo da acta-síntese.
5. Presença de não eleitores em mesas de voto. Quanto a isso, pretende-se definir um limite mínimo de distanciamento geográfico (pensa-se numa distância não inferior a 1000 metros) entre não eleitores/pessoas que já votaram e as mesas de voto, como forma de evitar perturbação ou pressão nos locais de voto.
No essencial, estão indicados como objectivos dessas alterações ao quadro vigente, (1) permitir uma maior participação dos eleitores nos actos eleitorais; (2) criar maior simplicidade no processo de apuramento dos resultados; e (3) melhorar a organização dos processos eleitorais em geral.
No entanto, alguns aspectos propostos para serem alterados, como é natural, estão a suscitar alguma apreensão/reflexão, antes mesmo do início das discussões sobre os diplomas em sede da AN, porquanto, se está a tocar em situações recorrentes, no tocante a reclamações/debates, nos processos eleitorais anteriores, concretamente, a questão das actas eleitorais e a presença de eleitores e não eleitorais na proximidade das mesas. Situações que, de eleições em eleições, seguem na pauta das preocupações, sobretudo, dos partidos políticos que almejam ser poder (a pleitear contra quem almeja continuar no poder) e de organizações da sociedade civil.
Em boa verdade, essas preocupações têm um nome: o permanente receio da fraude eleitoral. Pelo que, na visão desses actores do processo, quanto mais mecanismos legais e operacionais existirem para a contenção da fraude será óptimo.
Ao passo que, do lado das instituições do Estado (onde o partido no poder tem representação maioritária), com participação activa na condução dos processos eleitorais, o raciocínio é diferente, pois, segundo eles, há mecanismos legais e operacionais, cuja existência funcionam como factores perturbadores do processo eleitoral. Basta lembrarmos da reacção dessas mesmas instituições, quando, durante as eleições, proliferam na praça pública, computadores e telefones actas-síntese contendo resultados eleitorais respectivos e quando se assiste à aglomeração de pessoas, estranhas à organização das eleições, muito próximas das mesas de voto, tendo, inclusive, nas eleições passadas (2022) se assistido ao ensaio do “votou, sentou”. Ou seja, é por esses, mas não só esses motivos, que se está a avançar para as citadas revisões legais.
Por conseguinte, o ideal é que haja uma discussão, um debate, com a necessária exaustão, sobre as propostas em liça, para que o consenso impere e que possamos ter as soluções legais mais consentâneas à nossa realidade e aos anseios do grosso dos actores do processo eleitoral em Angola.
