OS NOMES DA MORTE

De desgraça em desgraça continuamos a ser muitos. De desgraça em desgraça o povo não desiste. A sua capacidade de sobrevivência passou a ser encarada pelo Poder com um mecanismo capaz de disfarçar os números da vergonha social…

ALEXANDRA SIMEÃO*

A morte em Angola é sempre uma consequência de factos que vão para além da saúde das pessoas. A inação institucional que se verifica desde 1975, no que às políticas públicas diga respeito é, sem qualquer equívoco, a primeira porta para a negação dos Direitos básicos dos cidadãos. Entre as primitivas formas de morrer em Angola, 50 anos depois, a crueldade da morte por ausência de saneamento é a mais assustadora e as doenças que esta ausência produz figuram na lista das principais causas de morbilidade e mortalidade adulta e infantil. 

Numa altura em que World Poverty Clock informa que a nossa pobreza extrema, desde 2016, aumentou 82%, afectando 11,6 milhões de cidadãos que vivem com menos de 2,15 USD por dia (Jornal Expansão), somos testemunhas da presença de mais um surto de cólera que não escolhe bolsos, pois o saneamento é ausente para ricos e pobres, mas que nos bairros desestruturados tem um efeito demolidor.

Os mais afetados são sempre os mais pobres. Os que compram a comida em mercados onde as bancas estão em cima do lixo que se multiplica todos os dias. Os que bebem água salobra, suja, verde ou castanha, com sabor estranho de cisternas que não respeitam nenhum critério de segurança, onde toda a fiscalização é inexistente, e que por serem vítimas da miséria não têm como tratá-la. 

Tudo isto apesar de o governo repetir de forma exaustiva a importância da política de proximidade no âmbito do poder local, no âmbito da garantia de uma maior competência e eficácia na relação entre o munícipe e a Administração, um dos elementos também usado para explicar o aumento do número de novas províncias. A cada ano fica mais nítida quão constante tem sido esta manipulação em tempo eleitoral e por conveniência partidária. 

Todos acreditámos que os generosos gastos feitos pelo governo durante a epidemia de Covid e a experiência adquirida seriam uma futura mais-valia. A questão da falta de água tornou-se um dos mais significativos obstáculos para o corte de transmissão que podia ser feito pela simples lavagem das mãos com água e sabão. Afinal esta generosidade não garantiu resposta a novas emergências, como seria suposto.

Depois da pandemia muito pouco foi feito, nacionalmente, para que escolas, bairros, hospitais, tivessem água potável da rede. As questões de saúde pública não dependem apenas da tutela. O conjunto de intervenientes para a sua promoção é o mesmo em todos os países e não pode ser ignorado. A governação tipo bombeiro, aquela que age apenas quando o velho vulcão entra em erupção não pode continuar a ser aceite. A governação da constatação do constatado tornou-se ridícula e criminosa. As nossas makas por ineficiência são antigas e conhecidas. É inadmissível a postura de espanto quando a corda rebenta matando pessoas e só neste momento o dinheiro aparece.

As BASES que foram o sustento do MPLA durante tantos anos, apenas existem em tempo eleitoral. São olimpicamente desprezadas depois. Tornam-se invisíveis. Uma pedra do sapato governamental. Um problema visto pela governação como um problema passageiro e que os afetados irão acabar por se virar. Estão habituados. De desgraça em desgraça continuamos a ser muitos. De desgraça em desgraça o povo não desiste. A sua capacidade de sobrevivência passou a ser encarada pelo Poder com um mecanismo capaz de disfarçar os números da vergonha social, eternamente desdramatizados nos Discursos da Nação, TPA’s e Jornal de Angola.

O desleixo, a irresponsabilidade, a fragilidade do Estado de Direito, a falta de amor pelo próximo e o negócio, são alguns dos outros nomes da morte que deverão ser motivo de séria ponderação este ano de comemoração dos nossos 50 anos de Libertação, que exige uma séria e construtiva avaliação que promova a discussão sobre o Estado de Arte desta governação no presente e que perigos iremos viver, os que ainda estiverem vivos, se se mantiver o modelo e o mesmo partido a governar tendo em conta a densa nebulosidade em todos os seus resultados eleitorais.

*Novo Jornal 21.01.2025

One Comment
  1. Tal como há cinquenta anos… Nós somos ´ os flagelados do Vento Leste´…..
    Estou com o meu amigo Visceral o nosso Reginaldo que, nas suas considerações em família e em público nos espanta sempre. A última,
    dizendo que os NOSSOS MÉDICOS não deviam morrer…
    Estamos nessa calha, reforço, essa, opinião perdi da minha geração muitos do melhores que da nossa querida Pátria nos legou.
    Mas os médicos ,como o nosso Sacy, Gonçalo Júlio Neto, Jorge Correia ,dos que neste momento me ocorrem, serão para sempre os nossos homens de referência e farão parte dos que são imortais.. Querido Jacques bem vindo, obrigado por teres falado do nosso Inesquecível Dr Sacy um exemplo ímpar para todos nós. És um dos últimos Moicanos, sempre atento, em particular às ” ímpercebências´´ do nosso País. Todos te reconhecemos o teu mérito, o teu profissionalismo único e o grande empenho na Nobre Causa de ainda mostrarmos ao mundo, que para um punhado dos nossos, ainda, comunga o preceito que é mais o que nos une do que o que nos separa. Obrigado pela referência ao meu primo José Pedro Tonet, O nosso Pedro, que já não se fala dele, para além da nossa Tabanca e que é também um dos Inesquecíveis.

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