Em Angola o Estado não adopta o princípio “menos Estado melhor Estado”, intervindo apenas como alavanca e como fiscalizador da economia, privilegiando o seu papel social, fazendo jus ao provérbio “mens sana in corpore sano”.

Determinar o limite do teto dos gastos públicos, é um tema de extrema importância nas discussões sobre a política fiscal e fundamental, para a compreensão da estabilidade financeira e do seu impacto na economia interna e internacional. É preciso ter em conta as consequências por atingir o limite do teto, ou por não puder honrar o pagamento da dívida contraída.
O teto da dívida, também denominado “limite da dívida” ou “teto de endividamento”, é o valor máximo estabelecido pelo poder legislativo, para controlar a quantidade da dívida que o governo fica autorizado a contrair. Isto é, o teto da dívida, foi criado como medida para que o governo não exceda a sua capacidade de pagamento e evite a insolvência financeira. Limitar o endividamento público, é a melhor forma de manter a credibilidade do país no mercado financeiro internacional.
Nos Estados Unidos de América, o teto da dívida foi estabelecido pela primeira vez em 1917 (Lei do Teto da Dívida), durante a 1.ª Guerra Mundial, porque o governo necessitava de recursos adicionais para financiar a guerra (11,5 bilhões de dólares). Nesse país, quando o governo atinge o limite do teto da dívida, assiste-se ao “shutdown” (encerramento do governo) e ele fica impedido de emitir novos títulos da dívida, para financiar as suas operações e cumprir as suas obrigações.
O problema, é que, como as “commodities” são negociadas em dólares, um “calote” dos EUA alastrar-se-ia a economia global, afectando os mercados financeiros, com a desvalorização da moeda e o aumento das taxas de juros ao nível mundial.
O pior ainda, seria a perda de confiança dos investidores, consequência extremamente nefasta para o desenvolvimento de qualquer país, devido à concorrência e entre os países produtores de bens e serviços.
A manutenção de débitos contribui para a elevação dos juros pagos sobre eles, prejudicando as contas públicas do país, o que gera mais prejuízos para a economia nacional.
Para estimar o custo real do empréstimo a determinado país, deve-se ter em atenção não apenas as taxas de juros e os prémios de risco, mas também, as mudanças do valor da moeda (valorização/desvalorização) do país endividado, relativamente à moeda em que o empréstimo é efectuado. No caso de Angola, desde 2018 tem-se assistido a uma desvalorização “deslizante” (administrativa), o que tem aumentado automática e substancialmente o ónus do pagamento da dívida. Existe a agravante das taxas de juro para Angola serem mais elevadas, em função da avaliação do risco.
O serviço da dívida corresponde à totalidade dos pagamentos de juros e reembolso de capital a efectuar num determinado período. O recurso a novos empréstimos para pagamento do serviço da dívida, pode pôr em causa a solvabilidade de determinado Estado.
De acordo com a ONG Debt Justice, citada pela Lusa, “Angola é o país que vai usar uma maior percentagem da sua receita fiscal, numa lista de 84 países, para o serviço da sua dívida este ano, cerca de dois terços” (66,4% das receitas) no valor de 6,2 bilhões de dólares, representando 5,2% do PIB. É uma percentagem do PIB muito elevada, um esforço excessivo para um país dependente de um único produto volátil, como o petróleo. Seria a margem de negociação curta, porque não fizemos o trabalho de casa atempadamente, ou não temos bons negociadores?
Segundo previsão do BAD, só em 2024, os países africanos pagariam 163 mil milhões de dólares de serviço da dívida, contra 61 mil milhões de dólares pagos em 2010.
Em termos doutrinais, existe a tentação de se fazer comparações do incomparável, como, por exemplo, o facto de haver países mais endividados que Angola (com a maior dívida pública, em 1.º lugar o Japão 251,9%, em 2.º lugar o Sudão 238,8%, em 3.º lugar Singapura 168,3%, em 4.º lugar, a Grécia 160,2%, em 5.º a Argentina 154,54%, em 6.º a Itália 143,2%, em 7.º lugar os Estados Unidos 126,9%, em 8.º lugar a França 110,64%, etc.), ou se refira haver países que pagam um valor mais elevado em percentagem do PIB (ex: Brasil, 5,97%).
Todavia, ainda que a África esteja muito menos endividada, relativamente aos países desenvolvidos (cerca de 1/10 do total da dívida daqueles) e nenhum país se desenvolva sem se endividar, é preciso nunca esquecer a QUALIDADE DA DÍVIDA. O que define se a qualidade da dívida é boa ou má, é a forma de aquisição, o custo e o objectivo que leva a contração da mesma. O financiamento adquirido de forma estratégica e planificada, pode viabilizar um retorno superior ao da dívida em termos de desenvolvimento sócio-económico.
Acontece que em África, a dívida é normalmente contraída para pagar despesas administrativas e o que é mais grave, até para pagar salários e despesas de representação, porque está difícil mudar a mentalidade dos seus líderes. Os líderes africanos, e Angola não é excepção, usam o Estado como maior empregador, utilizam o dinheiro da arrecadação de impostos dos contribuintes em despesas extraordinárias pouco transparentes, em contratações preferencialmente por ajuste directo, (privilegiando os monopólios, ou favorecendo o aparecimento de oligopólios, por meio da cooperação sem concorrência).
Em Angola o Estado não adopta o princípio “menos Estado melhor Estado”, intervindo apenas como alavanca e como fiscalizador da economia, privilegiando o seu papel social, fazendo jus ao provérbio “mens sana in corpore sano”.
Por outro lado, sem os pressupostos para melhorar o ambiente de negócios, não haverá diversificação da economia, porque não haverá atração de investimento privado. Sem investimento privado não haverá emprego, nem haverá produção de qualidade, destinado ao consumo interno e à exportação.
Em suma: a receita do Estado não terá capacidade para cobrir a despesa, sobretudo aquela destinada às ações prioritárias do Estado, como a implementação de projetos estruturantes, defesa das fronteiras, despesas com a saúde, com a educação e com a pesquisa científica. Senão para que serviriam a Lei anual do OGE, o controlo da sua execução pela Assembleia Nacional e o Tribunal de Contas?
É preciso ter sempre em mente, que as dívidas dos Estados Unidos de América, da China, ou de outros países desenvolvidos, ou emergentes, estão assentes na produção e exportação de bens e de serviços, o que em Angola ainda é uma miragem. (Os EUA, ainda tem a vantagem de ter a fábrica dos dólares podendo emitir moeda no vazio). A título de exemplo, a China produz 1/3 da produção mundial, o dobro da produção dos Estados Unidos. O superavit dos produtos chineses para exportação é de 10%.
Em Angola, há a necessidade de se acabar de uma vez por todas com os luxos exagerados dos membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judicial (sectores improdutivos), que ultrapassam de longe o salário auferido (que deveria ser ajustado). Os meios financeiros gastos de forma supérflua (com viaturas top de gama, viagens constantes em jactos privados, em 1.ª classe e classe executiva, empregados, etc.), deveriam ser canalizados para construção ou aquisição de novas instalações para escolas, postos médicos, serviços judiciários e policiais, que são uma vergonha nacional.
Só citando um dos casos, a sede SIC da Província de Luanda, ainda funciona na cadeia militar portuguesa, que posteriormente passou a prisão da Segurança de Estado. E lá estão os funcionários, os queixosos e os queixados, todos “presos”, a trabalhar ou a ser ouvidos em antigas celas amontoados, ouvindo as perguntas e respostas uns dos outros. Já para não falar da qualidade dos quadros, que salvo raras excepções, pouco mais tem de que a vaidade dos fatos, das gravatas e dos sapatos altos.
É muito triste, mas é o país real, a propósito da qualidade da dívida e do teto da dívida angolana.
*Doutorada em Finanças Públicas e Doutorada em Direito Económico.
14.01.2025