Hora di bai

JAcQUEs TOU AQUI!

Si bu kre

Significado: se quiseres, se acreditas

Original do crioulo cabo-verdiano

Não vou falar do romance como a epígrafe sugere, nem sequer biografar o seu autor. De Manuel Ferreira direi apenas que tive a honra de o conhecer e lidar com ele, no tempo em que eu era condutor auto-rodas do exército português a prestar serviço no Distrito de Recrutamento e Mobilização de Luanda e ele, tenente “chico” na mesma unidade. Corria então o ano de 1967. Cabeleira completamente branca, cachimbo entre os dentes amarelecidos pelo tabaco, porte altivo e passada larga, eram elementos da sua imagem de marca. Por essa altura já tinha escrito “Hora di bai”.

Não abordarei a seca, a fome, a repressão e a emigração, ingredientes principais dessa obra marcante da literatura lusófona (critica-se a designação mas é a que me ocorre). Falarei, sim, da maldição que percorre as páginas do romance, e também do significado do título que, de um modo geral, representa o sentimento colectivo dos cabo-verdianos segundo o qual a emigração constitui(a) a única solução válida para os problemas das Ilhas de Cabo Verde. De resto, somente a afirmação de que “hora di bai” significa hora de partida.

Este intróito serve para recordar que connosco e nos dias que correm, observa-se também uma espécie de maldição. Igualmente, o fenómeno da seca assim como a repressão manifestam-se infelizmente no nosso território. Nuns sítios mais do que noutros. Muitos dos nossos também decidem bazar ou partir. Emigram para a eternidade, para o eterno descanso. Chega a sua “hora di bai”. Com ou sem dramas a marcar a longa viagem, não se incomodam (porque haveriam de se incomodar?) de deixar famílias e amigos em ominoso e imperecível pranto. Vão-se embora sem nada dizer, do modo como cantou Carlos Burity, outro da vaga de recentes “emigrantes”. Pensando nos da minha geração que nos vão deixando numa cadência de ida impressionante, sou obrigado a admitir que contra factos não há argumentos e que para a morte não existem desculpas apropriadas.

Chegou a hora e a vez de Katyana. E tal como Pepetela se exprimiu a respeito dessa partida, eu também digo com a mesma dor de alma: “é uma média de dois por semana que vão. Estou cansado de perder”. Efectivamente foi mais um dos nossos que se foi, mais um amigo especial que perdi.

Conheci o General Katyana, mais exactamente o cidadão Carlos Pestana Heineken, na segunda metade da década de setenta. Eu já era director na Ensa-Seguros de Angola, deixara há muito de ser condutor auto-rodas do exército colonial. Com a humildade que o caracterizava permitiu que me aproximasse, deu-me atenção e fez o favor de ser meu amigo. Fomos parceiros e cúmplices em muitas tardes e noites de dormir tarde pensando Angola. Noites e madrugadas que valeram a pena e em que aprendi bastante, em que fiquei a saber coisas desconhecidas, bebendo desse modo, da sua vasta experiência como da eloquência da sua sábia palavra e do seu permanente bom senso. Tivemos momentos alegres, outros bem mais tristes. Porém nunca marcadas com a tristeza que eu sinto agora no momento da sua partida.   

Não encontrando outras palavras para o retratar devidamente, limito-me a subscrever em absoluto as palavras contidas na mensagem de Luís Filipe Colaço que, neste momento doloroso, elogiam o médico e combatente, o nacionalista íntegro, o cidadão exemplar. Resta-me agora dizer o eterno adeus ao amigo Katyana, ciente de que a vida não pára, até que chegue a nossa “hora di bai”. 

Em plena celebração da Semana Santa, faço votos de um Domingo de Páscoa harmonioso passado em família para todos. Saudando os meus leitores e amigos despeço-me e, como sempre, esperarei por eles no domingo próximo, à hora do matabicho.

P.S. – O Rio Cambuco já não existe, também partiu! Para quem como eu o considerava imortal, surpreendeu-me a sua morte. Alertado para o lapso cometido na minha última crónica substancialmente dedicada a Calulo e onde o mencionei como presente, aqui estou a lamentar o seu desaparecimento. Oxalá a Tanda que lhe seguia a correnteza e lhe emprestava largura, não tenha tido o mesmo fim. Aos meus leitores e aos conterrâneos no geral, vai o meu pedido de desculpas.

Luanda, 16 de Abril de 2022 

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