FLAGRANTES DO QUOTIDIANO (2)

Enfrente os problemas e leve a melhor.

(Autor desconhecido)

JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

1-“Angola tem tudo para ser uma terra de oportunidades para todos”.

Palavras do Ministro de Estado e Chefe da Casa Civil, Dr. Adão de Almeida, citado em manchete no 11 de Novembro pelo Jornal de Angola. Efectivamente tem tudo para ser, nada lhe falta. Mas, pelo que se observa o nosso país não será a tal terra, dada a lentidão dos passos dados rumo à normalidade. Angola, lamentavelmente, no imediato ou no futuro próximo, não será uma terra favorável para todos. Por razões objectivas.

Antes, convém dizer que certas palavras são apenas o que são. Não passam disso. Simples formas de expressar ideias, mais fáceis de proferir do que de transmitir fidelidade sobre o que se quer dizer com elas. Por isso, valem o que valem. Mais ainda se tivermos em conta o facto de Angola ser, sem equívocos, um país adiado desde sempre. Nestas circunstâncias, podemos afirmar que esta não pode ser ainda a terra prometida. Eis agora as razões. As dificuldades dos angolanos, identificados nos mais diversos estratos, de simples candongueiros a membros da fictícia classe média e outras intermédias, serão as mesmas nos anos que vêem aí. Os factos dizem isso. A menos que algo de anormal e retumbante aconteça. Mudar mentalidades que forjaram e deram vida a métodos fortemente enraizados no sistema em curso não é tarefa fácil. E não creio que algo de dimensão invulgar aconteça nos tempos que se avizinham.

Portanto, e usando dito popular, vamos tirar o nosso cavalinho da chuva. Para se chegar a uma oportunidade em Angola, qualquer que ela seja, de um bom emprego, de um bom negócio, de um qualquer empreendimento, pequeno, médio ou assim-assim, que sirva para se tocar a vida prá frente, não está ao alcance de todos. Por isso, a utilização do vocábulo “todos” na afirmação do alto dirigente não me parece razoável.

E justifico. De facto, as oportunidades existem, sabemos que sim. E quantas, meu Deus! O problema reside no acesso às abertas. Nas garantias exigidas. Está e estará sempre no embarrar dos passos do cidadão anónimo, nos impedimentos de vária ordem a tapar os caminhos, nos conhecimentos pessoais que não se têm, nas cunhas partidárias ou familiares que não se possuem, porque isto não é para quem quer mas para quem merece, enfim, barreiras que deitam abaixo a afirmação do Senhor Ministro de Estado. Efectivamente, não basta ter aptidões, ser honesto e trabalhador, para se conseguir uma oportunidade de melhoria de vida em Angola. É esta a realidade. Indesmentível!

2-O Engenheiro José Gualberto Matos abordou há dias, a estafada questão das pensões de velhice que sustentam a mole de reformados deste país. Falou da sua depreciação galopante, da miséria ridícula a que chegaram e da falta de cuidado de quem de direito em minimizar tão acentuada quebra de rendimento dos idosos. Ficou implícito no seu desabafo que há muitas contas a serem prestadas. Há muitos inventários e balanços a serem feitos e analisados. Nomeadamente os que respeitam às prestações acumuladas anos a fio e confiadas ao Estado para garantirem situações de crise como a que enfrentamos actualmente. Em que fundos ou empreendimentos foram investidos esses dinheiros? Confortou-me ler o artigo. Afinal há gente sensível a estas questões. As suas posições transmitem força aos que, como eu, andam numa peregrinação incansável de reclamações, quais Quixotes desencantados com as suas desventuras. Felizmente, as vozes soltam-se, dando certezas de que um dia serão escutados os nossos anseios. Sempre se disse que muitos poucos juntos, fazem muito. Não duvido que muitas vozes juntas se venham a tornar num barulho incomodativo.

3-Será que as noções de felicidade ditadas pelo pensamento de quem nos governa são iguais a da maioria da população? Claro que não são. Caso contrário, a maioria não seria tão contestatária. Conclui-se, por isso, que essas noções são de algum modo descabidas para não dizer irreais, já que levam a muitas dúvidas e interrogações sobre o estado de espírito e os momentos de relaxe e entusiasmo das pessoas. Para além do mais, há as verdades que não se podem silenciar. A existência de milhões de cidadãos a viver miseravelmente, é uma delas. A que se junta o número enorme de crianças a viver no extremo da sobrevivência. Lembro-me de uma estrofe da “Balada da Neve”, poema do português Augusto Gil, “Mas as crianças, Senhor? Porque lhes dais tanta dor, Porque padecem assim?”

Dizem-se mentiras a esse respeito? Talvez se exagere, mas não chamem de mentirosos os esfomeados. E alguém de bom senso se pode sentir verdadeiramente feliz em Angola? Não. É impossível. A infelicidade tomou conta da terra angolana, onde contraditoriamente vive um razoável número de pessoas felizes. Quem são elas, quem são? As respostas surgem em catadupa. Que país somos nós, afinal? Instaurado o medo e a desconfiança em todas as esquinas, tornaram-no um país mal-amado. Resta a certeza de que, felizmente, ainda há muitos filhos seus que pensam nela e na possibilidade de a tornar realmente a terra de todos os angolanos.

Com a eterna esperança a acompanhar-me e já na terra amada que me viu nascer, despeço-me dos meus amigos e estimados leitores. Até domingo que vem, à hora do matabicho.

Luanda, 3 de Dezembro de 2023

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