Eleições, pois claro

O bom político não pede votos. Conquista eleitores”.

Rutra Larama

Janeiro é o mês mais frio na Europa mesmo se considerarmos o aquecimento climático global que estamos com ele. São conhecidas as contrariedades trazidas por uma seca rigorosa que, segundo as indicações, preocupa Portugal inteiro. Em Lisboa, a mudança de temperatura faz-se sentir amiúde e, pelo menos no sítio onde resido, os últimos dias do primeiro mês do ano, foram mais fáceis de suportar. Tenho imensos problemas de coexistir com o frio. “Talvez se possa atribuir o fenómeno em Portugal ao calor transmitido pelas eleições parlamentares”, disseram-me algumas pessoas próximas, brincando com a situação, como é fácil de observar.

Por falar nessas eleições, e independentemente dos comentários que possam ser feitos a respeito – não duvido que sejam feitos com a carga negativa costumeira – nada demais me espantará, de modo nenhum. Verdade seja dita, o que passo a explorar a seguir, não deverá ser tomado no seu sentido absoluto. Mas, em meu entender, não podem nem devem nunca ser esquecidas as enormes diferenças existentes entre a sociedade portuguesa e a nossa, nos mais diversos aspectos. Rotulado por vezes de modo depreciativo, como sendo dos países mais atrasados do continente europeu, Portugal não deixa, apesar disso, de nos dar exemplares lições de civilidade, de estratégias da sua economia, de vencer dificuldades apoiando as suas populações, inclusive aulas que indicam métodos sobre como se devem ultrapassar barreiras sociais, até superar erros de governação. Já saíram de várias crises, vão aguentando com firmeza o estado democrático e de direito e a fúria cega dos racistas (não posso deixar de assinalar que tive a oportunidade de apreciar na televisão como Joana Amaral Dias pôs de rastos uma imberbe deputada de 23 anos eleita pelo CHEGA, obrigando certamente o grupo racista a pensar se valeu a pena sacrificar uma jovem sem arcaboiço para a política), respeitam-se as instituições e o que é importante, ganham prestígio e o respeito dos seus parceiros.

Falando das eleições portuguesas e do ambiente eleitoralista que as antecederam, sou levado a fazer breves comentários que o momento obriga, embora fugindo propositadamente a qualquer tipo de comparação, por razões perfeitamente compreensíveis. Nomeadamente, as ditadas pelas diferenças existentes entre as realidades de ambas as sociedades. A maioria absoluta conseguida pelo PS em Portugal, causou surpresa na Europa e no resto do mundo, surpreendendo inclusivamente as suas próprias hostes. Não me chegaram ainda notícias sobre como foram analisadas em Angola. Sempre direi, no entanto, que em relação ao fenómeno das maiorias absolutas, nada temos a aprender. E é a partir dessa verdade que me obrigo a descobrir algumas das nossas mais flagrantes diferenças. 

Habituámo-nos a ter um único vencedor absoluto nos pleitos até hoje realizados, com a particularidade de aqui, em Portugal, não se ter falado nem especulado, durante a campanha ou depois do pleito, nem sobre a horrível palavra batota. Não se duvidou, por um momento, que as eleições fossem justas e transparentes, não sendo discutida também, a figura do presidente da Comissão Nacional de Eleições. O seu nome passou discretamente pelo calor e pelo escrutínio da discussão política. Em suma, aqui em Portugal a clareza e a isenção estão implantadas, como está o elegante e civilizado hábito de os derrotados darem os parabéns a quem vence. Assumem a derrota no mesmo dia, não raro acompanhada do pedido de demissão dos vencidos, incapazes de gizar estratégias de vitória. Resultados imediatos: convocam-se rapidamente congressos ou convenções, escolhem-se novos líderes e a vida continua. Admite-se ser possível que alguns partidos com passado na cena política portuguesa, possam acabar brevemente. No meio disto, levanta-se a hipótese de membros da sociedade civil, sem filiação partidária, poderem ser convidados a integrar o novo governo que se adivinha emagrecido e sem necessidade de frotas de automóveis novos e de topo de gama. Contenção de gastos escusados! 

Admitir que terão as suas falhas é plausível, não duvido que tenham bastantes, caso contrário não existiria a contestação partidária e as constantes greves perderiam expressão. Os sindicatos e as associações do patronato não negociariam com o afinco habitual. Mas, na verdade, o que interessa aqui referir é que tudo é muito mais elegante e transparente que o cenário a que nos habituamos a admirar na nossa terra.

Não nos esquecemos que estamos a falar de um país da Comunidade Europeia, nada menos que o colonizador de Angola, sobre quem ainda hoje, nós, os angolanos, disparámos as nossas raivas, ódios e frustrações. E então? Então, em Portugal, quer as intenções, quer as manobras políticas que se tecem, têm outro formato. Não se inventam de forma barateada, portanto, sem nível, sem baixeza nos argumentos políticos e judiciais, para que a alternância do poder não aconteça. Entre nós, as dificuldades são de tal ordem, que se perde a esperança de que ela, a alternância, possa vingar um dia, e com ela o exercício da plena democracia. Estes últimos actos políticos referidos, estão longe de serem comparados. E então? Volto à carga.

Ficaremos eternamente a chorar pelos males do colonialismo que impedem a chegada ao patamar alcançado pelos países ditos civilizados, ou em vias disso? A pergunta resulta do facto de já andarmos na aprendizagem há quase meio século. E o que vemos que possa ser comparado com o que é patente nos tais países desenvolvidos? Quase nada! Desgraçadamente, na parte que define a grandeza de um país atento às preocupações elementares da sua população, responde-nos lamentavelmente, um rotundo não, o mesmo que zero, igual a nada. E, por muito que não queiramos, temos que concordar com discursos assombrosos de parlamentares oposicionistas e conscientes que volta e meia desancam no governo com razão e conhecimento de causa. É nesses momentos e no complemento que nos dão as imagens da nossa vida sofrida que percorrem as redes sociais, que ouvimos críticas sérias e carregadas de razão no que respeita à cidadania e às responsabilidades públicas dos dirigentes. O Executivo, tem saído, regra geral, sempre mal focado nessas fotografias!

De facto, não pode ser consentâneo com o espírito do cidadão consciente, que o mais alto magistrado da Nação, confunda constantemente, assuntos partidários que dependem da sua condição de chefe do seu partido com as que são da esfera governamental onde é chefe supremo de todos os angolanos. Um chefe que já começa a ter dificuldade de pronunciar a palavra democracia, enfrentando a população em geral.

Chefe de um povo em que a maioria tem pouco poder de compra, com um passo e meio, quando muito, direccionado à fome que mata. Chefe de um país com legítimas aspirações de balancear-se para modelos novos de vida, e onde se vem dando corpo e alma a um pensamento caduco apelidado de vanguardista, mas virado exclusiva e doentiamente para o dinheiro, numa proposta de postura distante dos nossos planos e princípios gizados no início da luta armada de liberação do povo angolano. Uma estratégia que retarda a chegada ao consistente da vida, tornando difícil fazer avançar a regra do politicamente correcto.

Resta-me dizer que à terrível tentação de ganhar muito dinheiro, terá de se opor categoricamente o risco legal da perda do poder, o que fará, ou pelo menos ajudará, que os julgamentos sobre os candidatos a dirigentes sejam profundos e sérios e que os jovens, principalmente estes, não sejam levados por discursos incoerentes.

Como habitualmente, termino saudando os meus leitores e amigos. Continuo esperançado que tanto eu como todos os que abraçam a causa justa de Angola, sejam ouvidos por quem de direito e que essa autoridade pense maduramente sobre as suas pretensões, mas primeiramente sobre o futuro de Angola. Aguardando a breve vitória sobre a Covid-19 e suas diversas variantes, aguardo-vos no próximo domingo, à hora do matabicho.

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2022 

NR: Leia, comente AQUI, partilhe e participe no debate livre de ideias em prol de uma Angola inclusiva. Contribua para o aprofundamento do exercício de cidadania.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR