E tudo acabou na quarta-feira?

JAcQUEs TOU AQUI!

Jacques Arlindo dos Santos

Tristeza não tem fim, felicidade sim…

A felicidade do pobre parece, a grande ilusão do Carnaval…

António Carlos Jobim e Luís Bonfá

À hora em que dou por terminada a redacção deste texto é conhecido, divulgado e emotivamente discutido o resultado das eleições gerais em Angola no pleito de 2022. A vitória (antecipadamente anunciada) do MPLA, conseguida com as dificuldades prognosticadas e naturalmente consumadas, escolhos que jamais enfrentara e hipótese nunca sonhada, vai obrigar certamente o histórico partido a ter no futuro imediato, os pés melhor assentes no chão e, necessariamente, deixar de andar nas nuvens. No imediato, terá que responder à contestação da UNITA/FPU, que argumenta resultados completamente diferentes dos anunciados pela CNE. A população fica com a noção, clara agora, de que Angola já não é a mesma e clama por mudança significativa. Desde logo, requere competência para a sua governação. Sendo mais claro, acha-se com o direito de dizer que merece ser melhor dirigida e, em consequência, ser beneficiada com tudo o que o país tem e pode dar-lhe. 

A UNITA, melhor dizendo a Frente Patriótica Unida, convém não esquecer, escreveu uma página bonita no processo eleitoral do país e no seu curto historial (que se espera venha a manter-se com a necessária melhoria da sua organização), e se não houver nada em contrário que modifique o resultado anunciado, pode esperar brevemente pela transformação das lágrimas da sua decepção, noutras de maior satisfação que podem naturalmente ocorrer ainda antes de 2027, na disputa autárquica que se exige aconteça breve (só falta mesmo a aprovação de uma lei para o ramalhete da legislação estar pronto).

Mas, voltando ao pleito de 24 de Agosto, o que ficou em mim de mais marcante, foi a satisfação de apreciar uma população vibrante (não somente os jovens), com a diáspora a ser tida e finalmente achada, a transpirar esperança por todos os poros, a mostrar-se ao mundo como se de repente se libertasse da amarra que a sufocou durante décadas, a gritar sem receio, o anseio de se bater pela cidadania e pela sua dignidade. São imagens que recordarei para todo o sempre. Do mesmo modo que conservarei as imagens, as palavras e os comentários mais levianos, inconsistentes, a feder a submissão e oportunismo. Contudo, com um cheirinho a democracia, cada um pensava do modo que melhor sabia e queria.

Saiu claramente derrotada a velharada caquéctica e a miudagem aproveitadora, ciosos de manterem os seus privilégios, alérgicos a toda a brisa de mudança, a fazer esgotar o contingente de pastilhas para a azia existente no mercado de milongos, para a cura da sua agonia que se espera longa. Sem intenção de ferir ninguém mas provavelmente já magoando, não posso deixar de manifestar um sentimento doloroso que me foi invadindo durante esta campanha. Com o merecido respeito pelos nossos políticos (alguns mais do que outros, é bom de ver), sou levado a apreciações realistas, ao ponto de comparar a campanha eleitoral, como uma verdadeira (não quero ir ao ponto de chamar-lhe fantochada já que o acto é demasiado sério) mas uma espécie de carnaval, é o que me ocorre para classificar o seu lado mais negativo. A diferença entre os pobres e os poderosos foi notável! Entretanto, as grandes multidões dos comícios começaram a fazer-me lembrar o ajuntamento colorido e barulhento dos gigantescos corsos carnavalescos. Dias seguidos de palavreado, de promessas difíceis de serem cumpridas. Uns enredos tristes, alguns para esquecer!

Juntou-se a esses actos, já no fim, um teatro ridículo representado na apresentação pela CNE dos resultados da votação popular. A comunicação social do Estado, sempre igual a si própria. Negativa ao máximo, cumprindo ordens superiores. As declarações dos observadores ocidentais desfasados da realidade angolana a mostrarem os interesses que os movem e de todos nós conhecidos, enquadraram-se perfeitamente na onda carnavalesca. Responsáveis opinaram abertamente sobre democracia e disseram que Angola tem outro modo de encarar a democracia. E na verdade tem!

Não faltaram os palhaços, as máscaras, os fantoches, as fardas e roupas de grande padrão, criação de bons estilistas, a superarem as dos mais pobres, muitas pernas e rabos ao léu, tal como recomenda um grande Carnaval. E tal como determina a praxe da grande festa, ninguém deve levar a mal, porque tudo isto é carnaval, lembrando uma marchinha brasileira dos anos cinquenta do século passado.

Para terminar, e neste momento que acontecem os funerais do Presidente José Eduardo dos Santos, a coincidirem tragicamente com a data do seu aniversário natalício, aproveito a oportunidade para dar uma satisfação aos meus leitores, amigos e companheiros de luta. Sinto-me doente e cansado e a idade não perdoa. Estou também sem vontade de ver o meu nome estranhamente utilizado na boca de qualquer indivíduo, o meu telefone violado por desconhecidos, tentativa de envolver-me em assuntos intriguistas e coisas menos nobres. Não me posso rever nessa confusão, essas cenas já não me servem. Vou deixá-los porque já vi da vida o suficiente e concluo que não consigo enquadrar-me entre os que vivem bem com a dinâmica deste estranho modo de vida. Foi bom ter estado convosco estes anos todos. Até um dia qualquer. Não querendo ser fatalista como propõe a canção do Tom Jobim, despeço-me de todos com a amizade, o carinho e o respeito de sempre.

Lisboa, 27 de Agosto de 2022 

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