Um estudo do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica indica que, Angola não tem condições para reduzir a pobreza até 2030, sem melhorias na distribuição do rendimento nacional, o que é consistente com as constatações do relatório acima referido…
O Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza foi proclamado pela Assembleia Geral em 1992. Nesta data, o padre francês Joseph Wresinski fez uma chamada à acção que inspirou a ONU a consagrar a data. À semelhança do apelo de quase 40 anos atrás, é preciso mobilizar a solidariedade e criar parcerias, inovar na construção de abordagens inclusivas – trabalhando com os pobres –, para identificar as causas mais profundas da pobreza, identificar as soluções e mobilizar as vontades – principalmente a política –, para erradicar a pobreza. Mas os programas de erradicação da pobreza devem ser realizados em simultâneo com programas de eliminação das desigualdades sociais. A erradicação da pobreza precisa ser sustentada pela inclusão na cidadania, e isso só é possível através da eliminação da estrutura das desigualdades sociais.
Sociedades que alcançaram resultados no combate à pobreza, mas que não acompanharam esse esforço com políticas visando a eliminação das desigualdades sociais, promoveram milhões de “consumidores”, mas não incluíram esses milhões na cidadania, mantendo a exclusão social e as tensões sociais que esta provoca, bem como a insustentabilidade desses avanços.
Um relatório do Banco Mundial com o título “Pobreza, Prosperidade e Planeta”, tornado público no dia 15 do corrente mês, em Washington(1), revela que “O objectivo global de erradicar a pobreza extrema, definida como 2,15 dólares por pessoa por dia, até 2030 está fora de alcance”. Mais, o relatório estima que podem ser precisos 30 anos ou mais para eliminar este tipo de pobreza, que afecta principalmente os países mais pobres, onde vivem quase 700 milhões de pessoas, representando 8,5% do total, devendo baixar apenas para 7,3% até final da década. Ainda segundo o relatório, “A pobreza extrema continua concentrada em países com um crescimento económico historicamente baixo e frágil, muitos dos quais se situam na África Subsariana”(2).
Um estudo do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica indica que, Angola não tem condições para reduzir a pobreza até 2030, sem melhorias na distribuição do rendimento nacional, o que é consistente com as constatações do relatório acima referido(3).
Os últimos dados sobre a Pobreza em Angola são os do IPM, Índice de Pobreza Multidimensional dos Municípios(4) (INE, 2019) indicando que 65 dos actuais 164 municípios apresentam uma incidência de pobreza acima de 90%, ou seja, pelo menos 9 em cada 10 pessoas nestes municípios são multidimensionalmente pobres.
Em síntese, a situação de Pobreza em Angola medida pelo Índice de Pobreza, é a seguinte: Pobreza extrema 35%; Pobreza moderada 35%; Baixo nível de pobreza 23%; Não Pobre 7%. Importa lembrar que após o fim da guerra e quando da “era de ouro da economia angolana”(5), a taxa de crescimento do PIB foi de 9,93% em média, entre 2002 e 2015, atingindo o seu pico em 2007: 23,20%. Contudo, nesse mesmo período, o IDH variou, apenas, de 0,384 para 0,526, mantendo Angola na 149.ª posição do ranking mundial.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com base no rendimento das famílias, no nível de acesso à educação e à saúde, e na expectativa de vida à nascença, é de 0,581, colocando Angola na posição 147 entre 189 países, no Grupo de Países de Desenvolvimento Humano Médio (abaixo da média de 0,634 dos países de desenvolvimento humano médio). A categoria de desenvolvimento médio é composta por países com IDH entre 0,550 e 0,699. Angola apresenta uma elevada desigualdade económica e social, e a população enfrenta condições precárias no acesso a bens e serviços públicos fundamentais, como comida, saúde e educação, água potável, energia, saneamento básico, ambiente, habitação. Apesar de figurar no grupo de desenvolvimento humano médio, Angola posiciona-se abaixo de nações como Cabo Verde, África do Sul, Guiné Equatorial e Congo.
A adopção de medidas de combate à pobreza pressupõe a vontade política expressa de reduzir as desigualdades e enfrentar o problema, e a capacidade do governo em negociar com as classes mais ricas a porção de rendimentos a canalizar para esse objectivo. Um efeito possível dessa negociação é o maior envolvimento dos grupos sociais mais favorecidos e esclarecidos na procura de soluções que, sem colocar em risco as suas vantagens sociais, económicas e políticas (fazendo, pelo contrário, recurso a elas), permitam, não apenas melhorar significativamente as condições de vida dos grupos sociais mais desfavorecidos e ampliar as suas oportunidades económicas, mas se traduzam também em benefícios para todos, pelo alargamento do mercado, pelas melhorias na produtividade e qualidade do trabalho, pela redução das tensões sociais e consequente criação de um clima social mais tranquilo e adequado ao desenvolvimento dos negócios e satisfação dos interesses individuais.
O argumento para esta negociação constrói-se em torno do apelo à necessidade de edificar uma sociedade mais justa com base num crescimento crescente e num aumento de produtividade de todo o sistema(6), favorecendo um estilo de desenvolvimento que privilegie a satisfação das necessidades básicas da maioria da População(7) e a criação de uma lógica social com novas alianças e uma maior presença
de forças populares. Elegendo o bem comum como objectivo, é possível desenhar novos modelos de desenvolvimento que combinem taxas moderadas de crescimento anual médio do produto com um nível significativo de participação na gestão pública, garantam a mobilidade social e conduzam a acordos sociais sobre a distribuição dos frutos do desenvolvimento, evitando a exclusão de grupos sociais, na busca de novas fórmulas de motivação e mobilização social que não o consumismo(8).
17 de Outubro de 2024
Referências de consulta:
(1) O relatório foi divulgado em Washington, no âmbito dos Encontros Anuais do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, visando uma primeira avaliação dos progressos para a erradicação da pobreza e promoção da prosperidade a seguir à pandemia de Covid-19;
(2) Lusa, 15 Outubro 2924, “Acabar com pobreza vai demorar mais de um século ao ritmo atual”;
(3) VOA; 11 Setembro 2023. ‘Angola sem condições para contrapor “alta taxa de pobreza” até 2030, indica estudo da Universidade Católica’;
(4) O Índice Multidimensional de Pobreza por Município (IPM-M), mostra as múltiplas privações que afectam a população residente em termos de saúde, educação, qualidade da habitação, e emprego, para cada um dos 164 municípios de Angola. É composto por 4 dimensões (saúde, educação, qualidade da habitação e emprego) e 11 indicadores. A linha de pobreza multidimensional foi estabelecida em 35% dos indicadores ponderados;
(5) http://www.ceic-ucan.org/?page_id=9;
(6) ALTIMIR, Oscar. “Desigualdad, Empleo y Pobreza en América Latina”, p.27.
(7) PASTORE & CASTRO. “Movilidad Ocupacional y Mercados de Trabajo”, p.123.8 CEPAL (1989). “Transformación Ocupacional y Crisis Social en América Latina, p.5
(8) CEPAL (1989). “Transformación Ocupacional y Crisis Social en América Latina, p.58.