As redes sociais e a família angolana

O primeiro dever de um homem é pensar por si mesmo

José Marti

Estou ao lado das pessoas avessas a certa comunicação que flui nas redes sociais. Concordo e subscrevo a indignação quando o lado feio do serviço é utilizado a bel-prazer dos que são movidos apenas pela maldade e o oportunismo. Sendo um meio de comunicação fantástico, de extrema utilidade quando utilizado sob as regras do civismo, aproxima e une as pessoas. Com a mesma facilidade as afasta ou as põe em confronto. É um meio que tanto permite a discussão civilizada como não evita o ataque deselegante e grosseiro, a verborreia rasteira quando e não raras vezes, sem razão que a justifique, se desencadeiam discordâncias entre as diversas forças da sociedade. 

Os usuários defensores do direito e da cidadania, com identidades verdadeiras, falsas ou simplesmente resgatadas, são surpreendidos pelas redes sociais quando julgam ter feito escolhas ideais, inclusivamente as do foro ideológico. Promovem diálogos e discussões interessantes que ajudam muito a quem os acompanhe, na compreensão da pessoa humana e dos fenómenos da sociedade onde nos inserimos. 

As redes sociais pecam, entretanto, quando servem questões menores, espalhando obscenidades, mentiras monstruosas e indignas, tornando-se por isso mesmo, desaconselháveis. As amaldiçoadas fake news são, sem dúvida, o pior mal difundido pelas redes sociais. No campo da política e em ambiente de eleições, são elevadas ao cume de indecência, onde um “vale-tudo” asqueroso campeia, alimentado por personalidades que se ocupam da política com indesculpável barbaridade, sem nível nem capacidade de representar concidadãos, chegando a envergonhar, pela sua inaptidão e falta de decoro, os partidos em que se encontram filiados. 

Porque trouxe à consideração dos leitores esta questão? Porque, refutável e contrária às indignidades, temos a verdade que nos diz que sem as redes sociais, mesmo no seu mais abjecto propósito, não teríamos informação sobre factos reais da vida suja do submundo, oculto por interesses políticos; de intervenções e atitudes obscuras de responsáveis poderosos, da incapacidade e desorganização das comunidades municipais. Não saberíamos também dos actos de coragem e dignidade, individuais ou de grupo, que por vezes se escondem do público, se não fossem denunciadas. As redes sociais surgem, pois, nas sociedades e em todas as situações em que são actuantes, como um meio disponível para o bem e para o mal.

Vejamos, por exemplo, as imagens que nos chegam com uma constância arrepiante, do insólito modo de vida e do sofrimento que daí vem, a miséria que grassa e a que estão sujeitas as populações angolanas. São as redes sociais que as mostram cruamente, ao contrário e dando “capote” aos órgãos de comunicação social, governamentais ou privados, que as evitam por razões várias, em tentativas inúteis de tapar o sol com a peneira, mascarando situações reais. Têm a sua marca as que são volta e meia mostradas com uma violência indiscritível. Recordemos imagens de crianças desnutridas, doentes, sujas pelo meio ambiente que as cerca, o lixo, a miséria, a nudez, a doença, a maldade que anda à solta quer na capital como nas províncias. Os casos de feitiçaria a condenar gente tão inocente quanto ignorante, crianças embriagadas, outras a prostituírem-se precocemente e sem tento na sua linguagem, a queima de pessoas vivas, mormente jovens delinquentes agrilhoados ao consumo do álcool e das drogas, são actos de uma selvajaria tal, que passariam despercebidas pela parte mais notável da sociedade, sem a preciosa presença das redes sociais, donde emerge o fenómeno do telemóvel que chega já e felizmente, a um considerável número de cidadãos angolanos.

O que atrás fica dito obriga-me a pensar sobre o papel das instituições governamentais que têm a responsabilidade da protecção das famílias. Todos os casos apontados têm relação com o desajustamento e a falta de estruturação da família angolana, a que não tem acesso à educação, trabalho, saúde, enfim, ao essencial da vida. 

A organização do governo conta na sua estrutura com o Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher. É como a maioria dos órgãos de apoio do titular do Poder Executivo, um Departamento Ministerial, como é o caso do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social. Ao olharmos para os estatutos e regulamentos orgânicos desses ministérios, verificamos que têm como missão, conceber, propor e executar políticas sociais relativas aos indivíduos e grupos mais vulneráveis da população. 

Se um tem a responsabilidade da criação de centros de emprego, do estabelecimento das pensões de reforma e de sobrevivência, abonos de velhice e apoios no domínio da saúde, ao outro cabe-lhe a tarefa da promoção do desenvolvimento local e combate à pobreza, bem como a defesa e bem-estar da família, a promoção da mulher, os subsídios de aleitamento e do funeral, o desenvolvimento das comunidades e a garantia dos direitos da mulher, assim como a igualdade e equidade do género. 

Por tudo o que conhecemos das dificuldades que a maioria das famílias angolanas enfrentam, é legítimo que o cidadão se pergunte por um lado, se o enunciado de tarefas afectas a esses ministérios são realizados e, por outro, se serão suficientes para acudir adequadamente milhares, se não milhões de pessoas sem trabalho e sem o benefício de qualquer apoio.

Consciente das nossas insuficiências e seguindo a linha de pensamento que me guia, questiono se não se torna imperiosa a necessidade de uma revisão da orgânica dessas estruturas, visando um maior apoio, em actos concretos e não apenas em ordens que não passam do papel, resumindo, que se organize melhor e se faça um pouco mais pela desajustada e desgraçada família angolana. Esta questão deve, tem que ser pensada, e se porventura está a ser idealizada, que a notícia chegue aos cidadãos. Mais do que se dar a conhecer o registo de mais de dois ou três mil casos de violência doméstica, tanto em mulheres como em homens; mais do que divulgar que existem salas de aconselhamento familiar espalhadas pelo país que registam esses casos, é necessário saberem-se dos resultados, encontrarem-se formas e meios de evitar que a família se desagregue ainda mais e se descontrole completamente. É o que o meu pensamento me aconselha a trazer hoje para a minha coluna.

Esperando que os Congressos dos dois maiores partidos políticos angolanos tragam o bom senso, a inteligência e o patriotismo tão arredio nos seus actos; aguardando que os futuros deputados da Nação venham a ser, de facto, servidores do povo e protectores da grande família angolana, ao invés de alimentarem veleidades de enriquecer à custa dele, despeço-me com o respeito e os cumprimentos da ordem. Espero-vos, caros leitores, no domingo à hora do matabicho.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2021 

NR: Leia, comente, partilhe e participe no debate livre de ideias em prol de uma Angola inclusiva. Contribua para o aprofundamento do exercício de cidadania.

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