A UTOPIA DO PORTUGUÊS CORRECTO

Aprender a língua implica a capacitação do seu domínio, para responder a diferentes exigências de comunicação, oral ou escrita, formal ou informal. O que na verdade acontece, é que a aprendizagem da língua é maioritariamente influenciada pelo meio social, à que cada indivíduo pertence.

PEDRO NANGASSALA

A concepção criada para caracterizar um bom falante do português, na sociedade à que pertenço, está inclinada nos seguintes requisitos; alguém possuidor das competências linguísticas com capacidades completas, aquele que usa o padrão europeu, aquele que tem um léxico invulgar (que usa palavras de difícil compreensão), aquele que domina a gramática normativa, aquele que tem um sotaque europeu tal como o português europeu, de Portugal, e com uma perfeita dicção. 

Estas características têm sido o grande foco dos estudantes que sempre se apresentaram nas aulas de língua portuguesa com o objectivo de aprender a falar melhor o português, tudo pelo facto da utopia criada, que o professor que lecciona a disciplina tem as possibilidades de apresentar estes requisitos, podendo ser um gramático conservador e modelo de um bom português. Pela morfologia dos conteúdos, a falta de adaptabilidade dos conteúdos dado o contextual, frustra os estudantes pelo insucesso dos seus objectivos. São obrigados a aprender coisas longe das suas realidades linguísticas, ou seja, pouco usual em situações de comunicação. Os mesmos são desencorajados quando escutam comentários de que, os estudantes falam mal o português e escrevem mal. Com o poder do sistema, que norteia o funcionamento do próprio processo, culpabilizam o professor por esse fracasso. Argumenta-se que compete ao professor de língua portuguesa, curar estas feridas. 

No canto desta análise, este pensamento chega a ser um disparate a natureza humana que jamais pode carregar todas estas características aqui citadas. Vale iluminar que, o português, longe das terras lusas, sempre foi considerado como uma língua mal-usada dentro das suas colónias, o que, a meu ver, não se trata propriamente de um erro, mas, pelo contrário, de ingenuidade dos defensores deste discurso, que tentam padronizar a língua fora das terras lusas.

Este paradigma preconceituoso construído por longos anos, representa praticamente uma errância blasfémica para a língua, sendo ela um código de comunicação. Estas alíneas, objectivam convidar o leitor a desconstruir a possibilidade de existir a plenitude de um português correcto, quando vivemos numa sociedade plurilinguista que desconsidera propositadamente a língua como sendo uma substância viva, que se caracteriza no modus vivendis das pessoas. Ela se diversifica conforme a localização geográfica, realidade etnocultural, socioeconómica e o nível de escolaridade dos falantes, ou seja, de cada povo, sem falar de outras que não cabem neste espaço. 

A língua portuguesa enquanto língua oficial em Angola, materna de muitos angolanos, apresenta uma estatística de falantes superior em relação aos tempos passados. Isso pressupõe reafirmar mais uma vez que, muitos não aprendem o português na escola, mas sim, em casa e no meio social a que cada indivíduo pertence. 

A compreensão conceitual do conhecimento de uma língua, é quando o indivíduo carrega no subconsciente as competências linguísticas, que o habilitam a se comunicar. Segundo Marcos Bagnos, num dos excertos tomados da sua obra, (Preconceito linguístico: o que é, como se faz, 2004), todo falante nativo de uma língua sabe essa língua, pois saber a língua, no sentido científico do verbo saber, significa conhecer intuitivamente e empregar, com naturalidade, as regras básicas de funcionamento dela. Quando este vai para escola pela primeira vez, seja uma criança, carrega consigo o conhecimento da língua que lhe permite interagir. 

Mas então, levanta-se a questão: que português ela vai aprender na escola? Esta aprendizagem devia-se caracterizar, a partir da aprendizagem dos diferentes usos da língua, para adaptar-se conforme as situações de comunicação existentes. Aprender a língua implica a capacitação do seu domínio, para responder a diferentes exigências de comunicação, oral ou escrita, formal ou informal. O que na verdade acontece, é que a aprendizagem da língua é maioritariamente influenciada pelo meio social, à que cada indivíduo pertence.

Dois níveis de transmissão desta língua devem ser considerados: a linguagem informal e a formal, ou nível culto. Estes dois níveis apresentam diferentes situações de comunicação. Enquanto uma exige o rigor no emprego dos princípios da gramática normativa para expor as ideias, nível culto ou formal, divergente desta, é a informal que considera a clareza na transmissão das ideias. Em outras palavras, queremos dizer que entre os incultos, não haverá propriamente o problema linguístico do correcto e do incorrecto. Desde que haja uma compreensão da mensagem do emissor, isso é, prevalecente. 

Otto Jespersen um dos grandes linguistas que se notabilizou nos estudos da noção do correcto, definiu o que chamamos de “linguisticamente correcto” como aquilo que é exigido pela comunidade linguística a que se pertence. O que difere é o “linguisticamente incorrecto”. Ou, de acordo com o que defende: “falar correcto” significa falar o que a comunidade espera, e erro em linguagem equivale a desvios desta norma.  Com isso tentamos clarificar que o uso da norma linguística pode diferir nos aspectos gramaticais sejam eles fonéticos, morfológicos, sintáticos e semânticos. Não devem ser usadas em todas situações de comunicação. 

Talvez o caro leitor tenha um léxico bastante rico de expressões invulgares que costumam ser apreciadas nos ouvidos de gente culta. Ou seja, um falante do português padrão, seja morfológico e sintático, não poderá usar sempre estes conhecimentos se quiser comunicar. Associamos aqui a questão do campo linguístico, que se caracteriza pelo uso de expressões técnicas dentro de uma área profissional. Este princípio também é rejeitado quando o emissor não faz questão de salvar as expressões ditas, numa linguagem que venha ser familiar ao ouvinte. 

A língua existe para transmitir ideias, e comunicar. Isso implica que todas as vezes que alguém estiver no exercício de emissor, deve munir-se da sua responsabilidade de transmitir a mensagem por meio de um código que deve ser de maior acessibilidade e compreensão do receptor. Quando não há compreensão da mensagem, não existe comunicação. De acordo com Otto Jespersen, quando estivermos a falar algo que é contra as normas linguísticas de um certo grupo, isso é incorrectamente linguístico. A comida deve agradar aos convidados e não ao cozinheiro. Assim é a comunicação. Compete ao emissor adaptar-se as condições intelectuais e sociais daqueles que o ouvem e não o contrário. Quando isso não acontece cai-se no ridículo.

De volta ao correcto ou não correcto, Marcos Bagnos considera não existir erros de português. Parece ser pouco claro isso ou precisa de uma certa maturidade linguística para conceber isso? Ele clarifica isto da seguinte maneira: tudo o que os gramáticos conservadores chamam de erro, é, na verdade, um fenómeno que tem uma explicação científica e perfeitamente demonstrável. Tentativa de explicação: a análise que certos falantes da língua fazem quando alguém fala descumprindo uma dada regra gramatical, seja o mau uso de certa expressão, de um pronome mal empregue ou de um erro sintático, é praticamente simplista e amadora esta análise. O facto de limitar-se aos aspectos gramaticais, não tira a chance de ser analisada de forma profunda, dentro dos ângulos longínquos da própria mãe linguística, que delegou poderes a cada um dos filhos para prestar o seu julgamento conforme a sua finalidade de existência. 

A semântica e a pragmática, campos da linguística que tratam da significação, representam a chave de qualquer enunciado emitido. Quando há sentido de compreensão numa fala, todos os outros elementos podem ser apenas “só” argumentos, dado ao contexto. Se por exemplo alguém escrever no Facebook, a perguntar “Komo stás”, ou sm 9dds”, na intenção de dizer sem novidades, deve-se admitir esta comunicação dado o contexto da linguagem virtual, um campo particular e científico. Para este contexto é expressamente admissível e recomendável. Porque não se trata propriamente de um erro. Estamos, na verdade, diante de um fenómeno que tem uma explicação puramente científica. 

Se quiser aperfeiçoar ou possuir o maior domínio a linguagem do meio culto, deve o leitor engajar-se na leitura. Esta é a única via.  

Então, caro leitor, existe o português correcto? 

Luanda, 08 de Agosto 2022

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PROCURAR