OS “KILÁPIS” DO ESTADO OU O CALVÁRIO DOS EMPRESÁRIOS?

ZOOM DA TUNDAVALA

O Estado deve ser mais rigoroso consigo próprio, honrando mais os compromissos assumidos, entenda-se contratos assinados, e seria a forma de mandar os mixeiros deste esquema para o “desemprego”, dando certamente um passo mais seguro para a redução da corrupção que tanto se quer combater.

AIRES ALMEIDA

Qualquer empresário que se “meta a negociar” com o Estado tem, à partida, duas certezas: a primeira, é que vai negociar, sem dúvida alguma, com o maior consumidor do país e, a segunda, que vai negociar, também, com o pior pagador. 

O que não escasseia são relatos de situações de atrasos sistemáticos, crónicos, no pagamento de fornecimentos de bens ou de serviços ao Estado, muitas vezes superiores a dois anos, do que resulta, evidentemente, o sufoco de muitas empresas, não faltando indicações de que o Estado estará a ser, também, o maior promotor da falência do empresariado nacional.

A cobrança dos “kilápis” transformou-se no verdadeiro calvário para muitos empresários, porque apesar das certificações habitualmente exigidas para que a dívida seja elegível para pagamento, há depois todo um processo que, segundo é do domínio público, conduz sempre para os corredores sombrios onde se fala da “mixa”, da percentagem, da parte exigida por quem tem o poder de autorizar o pagamento, colocar o “carapau”, sendo muitas vezes exigido que esta “lavagem de mãos” se faça antecipadamente, como condição sine qua non para que o processo seja concluído. E assim, lá se vão gordas fatias do “kilápi” do Estado parar a “mãos sujas” de servidores que lá estão para se servirem dos cargos que ocupam e nada mais. Chega-se a falar de “comichões” que, no conjunto, podem ir aos 25 ou 30% do valor da dívida.

É a dicotomia: de um lado, o Estado incentiva a chamada “iniciativa privada” a investir, criar empresas, diversificar, gerar postos de trabalho, fazer a sua parte para a redução das galopantes taxas de desemprego, criar riqueza, mas, do outro lado, é o mesmo Estado que, depois, não honra os seus compromissos, não paga as suas dívidas e, quando o faz, as perdas resultantes das sucessivas desvalorizações são tão elevadas que sufocam, matam tudo à sua passagem, qual praga peçonhenta devastando uma plantação.

Mas não é só por esse lado, ou dessa forma que o Estado sufoca empresas e empresários. 

Quem vende ou presta serviços ao Estado, declara proveitos pelo simples acto de emissão de facturas. Da emissão de facturas resulta o reconhecimento desses proveitos que concorrem para a formação do resultado da actividade apurado no termo do exercício. Esse reconhecimento de proveitos não quer dizer que tenham sido realizados porque, convertidos em dívida, no caso em análise, do Estado, não foram recebidos. Por outro lado, como os resultados são apurados, contabilisticamente, pelo reconhecimento e não pelo recebimento dos proveitos logo, no caso das dívidas, dos “kilápis” do Estado, tem-se que o empresário se obriga a pagar ao Estado imposto sobre rendimentos que resultam de proveitos que reconheceu, mas não realizou, ou seja, não tem dinheiro para pagar imposto sobre rendimentos (lucros), porque o Estado o descapitalizou, o vai sugando, lenta e vagarosamente, porque não paga a dívida, mas exige que lhe seja pago o imposto devido, que foi apurado de um resultado que não passa de uma miragem, porque só está lá, no papel. E o Estado é implacável, não perdoa, quer o seu quinhão, o seu pedaço do negócio, porque dele é “sócio” em pelo menos 25%. Assim mesmo, há que pagar imposto sobre lucros obtidos de proveitos, grande parte dos quais o próprio Estado não pagou, ferrou o “calote”.

Reconhecendo o seu estatuto de “kilapeiro”, o próprio Estado acabaria um dia por criar um mecanismo, dito de “compensação de impostos” através de dívidas dele próprio. Até aqui parecia que estava tudo bem, que o Estado havia dado um passo no sentido de desafogo das empresas e terá havido mesmo quem tivesse batido palmas, sem ter reparado na rasteira: a prometida compensação de impostos só ocorre em situações de reconhecida certificação da dívida. E é aqui onde a “porca torce o rabo”, onde se fala dos tais atrasos, das tais certificações, mixas, mixeiros e por aí adiante. Resumindo: o processo de reconhecimento de dívida é tão demorado, dá tantas voltas, que o melhor é ir arranjar fôlego não se sabe onde, e pagar o imposto devido nesse ano, e se calhar nos anos seguintes, porque o tal reconhecimento da dívida às vezes parece que é para nunca mais, tamanha é a teia bur(r)ocrática e esquemática que o envolve.

Dadas estas contingências na realização de negócios com o Estado, começa a ganhar forma uma ideia que defende que, embora o reconhecimento de proveitos, para efeitos da contabilidade das empresas, ocorra pelo registo das facturas, os proveitos não recebidos, os “kilápis”, do próprio Estado incluídos, sejam deduzidos, na declaração fiscal, para efeitos da correcção do resultado tributável apurado, do que resultaria, consequentemente, o pagamento de um imposto mais justo. Vendo as coisas por este prisma, dir-se-á que até faz sentido, tem lógica, que o Estado, como o principal “promotor da justiça”, não deva receber imposto por dívidas contraídas por si próprio. Neste caso, certamente tido como uma ideia “terrorista”, as empresas não sofreriam tanto com a pressão dos calotes do Estado, e não teriam obviamente de ter de fazer malabarismos, piruetas e acrobacias para pagar impostos sobre dívidas, nem teriam de rastejar aos pés de servidores do Estado corruptos, e teriam mais desafogo de tesouraria que lhes daria para reinvestir, expandir os negócios, podendo mesmo gerar mais empregos. E, assim, de uma forma mais “camarada”, acabaria a dita “compensação de impostos” através da dívida do Estado, por funcionar de maneira mais lógica: se o Estado não paga as dívidas, também não deve receber imposto sobre lucros, ou este imposto que seja pago na proporção em que os proveitos tenham resultado em recebimentos. 

Se esta ideia “terrorista” pudesse, obviamente, ser aplicada, era provável que o Estado passasse a ser mais rigoroso consigo próprio, e passasse a honrar mais os compromissos assumidos, entenda-se contratos assinados, e seria a forma de mandar os mixeiros deste esquema para o “desemprego”, dando certamente um passo mais seguro para a redução da corrupção que tanto se quer combater.

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