ZOOM DA TUNDAVALA
Quando tem início o ano em que se comemoram os 50 anos de país independente, com 101% de convicção, o que se tem pela frente é mais um ano a “acomodar interesses” que vão continuar a beneficiar os mesmos, os da mesma equipa. Afinal, o ano é de comemorações! Esperar o contrário é utopia pura. Não haverá mudanças!
Desde muito cedo o esquema entrou na vida do cidadão e, qual cancro, também tem evoluído, sendo parte de um conjunto de males de que padece a sociedade, tornando-a refém de um monte de situações que apenas tornam a vida do cidadão/povo, cada vez mais complicada.
Sempre foi esquema para tudo. Até no tempo dos tristemente célebres cartões de abastecimento do racionamento era assim: no esquema. Era cartão para tudo: para as EMPA’s e Lojas do Povo, cartão para o pão, para a carne, para o peixe, cartão para tudo. Quem não tivesse cartão não se safava. Estava fora do esquema. Só quem tinha a carteira recheada de cartões estava safo, porque estava no esquema. Nessa altura, tinha importância quem tinha o poder de passar cartões, não importava para o que fosse. Ou passava cartão ou então eram as célebres “autorizações” de compra ou de levantamento, fossem para bens alimentares, medicamentos, roupa, calçado, tudo! Passava cartão, ou dava autorização, era importante, pronto. Se era competente para o cargo era o de menos. Foram contas que nunca se fizeram…
O esquema foi rapidamente enraizado no sistema, e passou a fazer parte do ADN nacional, a tal ponto que até ministro houve que afirmou, de bom falar, que o pessoal devia entrar no esquema. Mais ou menos assim. Acabou-se. Daí para cá, nada se faz sem esquema. Não se consegue carta de condução, sem esquema. Não se obtém bilhete de identidade, sem esquema. Não se trata de um alvará ou de uma licença qualquer, sem esquema. Para tudo impera o esquema. O esquema passou a ser a forma de alguém tirar vantagens do posto que ocupa ou da função que exerce, naturalmente em benefício próprio, do grupo que lidera o esquema, ou que detém o poder sobre determinado processo. Estar por dentro do esquema não é só montá-lo e ter o comando das operações, é também conhecer os canais, os métodos, os circuitos, os intervenientes, e saber “apanhar os necessitados”, no fundo, os “alvos a abater”.
À medida que os tempos foram mudando, a forma de esquematizar também se foi refinando e gerando novos procedimentos, até porque novas leis e regulamentos foram surgindo e, assim, o esquema passou da simples emissão de cartões de racionamento (aquilo era para amadores), para processos mais complexos, a tal ponto que, quando se pensa em alguma regulamentação nova, pensa-se, em simultâneo, no esquema de como tirar proveito do que se quer ou se vai regulamentar.
O esquema assume também a forma de acomodação de interesses, que mais não é do que a criação de formas do propósito legal para dar cobertura, também legal, ao esquema que lhe seja subjacente, dando origem, em consequência do dito propósito legal, ao surgimento de um negócio ou esquema que satisfará o apetite do interessado, que tanto pode ser um indivíduo ou um grupo.
Na acomodação de interesses, é mais do que óbvio que só entra no esquema quem joga na mesma equipa porque, apesar do propósito ser “legal” e poder satisfazer um interesse comum da sociedade, é implícito que, primeiramente, estão os tais interesses, sempre inconfessos. Quem joga em clube diferente é adversário, e os adversários não podem “estar no esquema” e, portanto, que se acomodem de outro jeito! Daí, como se diz no bom falar popular, “são sempre os mesmos que comem”.
Não é por isso de admirar que se levantem dúvidas quanto à seriedade de certos propósitos porque, por muito “bem intencionados” que possam ser, por muito bem argumentados ou fundamentados que sejam, há sempre uma nuvem, ou várias, que acabam por encobrir o real interesse de fazer, ou pretender fazer determinada coisa de certa forma e não de outra, sendo por isso lícitos os questionamentos em torno de tais intenções. Mas, como a regra de quem comanda o jogo, do treinador/jogador/árbitro, é de que “eu é que sei”, nem sequer se admite que outros opinem em sentido inverso porque, se o fazem, é porque “não querem que as coisas vão para a frente” e, desta forma, o esquema se perpetua e não se consegue romper os elos das correntes que o envolvem.
Não raras vezes a acomodação leva mais tempo a ser concretizada do que o propósito previamente definido, dando origem a outros questionamentos, porque se procura saber o motivo de tal lei ou regulamento não ser aplicado, ou por que motivo tarda a sua aplicação. Quase sempre, e para dar tempo que tudo seja devidamente acomodado, a lei que até foi aprovada rapidamente, fica a aguardar regulamentação, até que o terreno esteja devidamente preparado.
Estar no esquema, ou por dentro do esquema, é também conseguir formas de obter vantagens de algo, mesmo quando se sabe que não se preenchem os requisitos. O importante de estar no esquema, é conseguir, por exemplo, obter financiamento de algum Fundo sem fundo, o dim dim, para desenvolver um projecto que existe só no papel porque, quem vai aprovar, quem vai validar, quem vai autorizar a libertação dos fundos faz parte do esquema e, muito importante também, o beneficiário também joga na mesma equipa.
Há tantas formas de acomodação de interesses que, a abordagem do esquema, daria certamente para compilar uma enciclopédia com termos, definições, conceitos, equiparações, exemplos, ilustraçõies, demonstrações de experiências e comparação de resultados. É um verdadeiro manancial!
Quando tem início o ano em que se comemoram os 50 anos de país independente, com 101% de convicção, o que se tem pela frente é mais um ano a “acomodar interesses” que vão continuar a beneficiar os mesmos, os da mesma equipa. Afinal, o ano é de comemorações! Esperar o contrário é utopia pura. Não haverá mudanças!