A vantagem dos vivos é que conseguimos algumas vezes desenrascar o que comer sem que sejamos perseguidos para a sobrevivência dos pequenos guardiões. Dizemos muitas vezes que as forças da ordem, muito mal pagas, são mal formadas, não têm educação nem a instrução necessária para estarem na rua a lidar com o cidadão sobrevivente. Lá de cima e bem do alto dos seus saltos de cristal, soam recomendações directas e indirectas para que estes baixem o pau, sem dó nem piedade, quando a sua avareza ou sobrevivência forem postas em causa.
Quanto à morte, sempre que formos considerados “ninguém” para quem nos absorve as riquezas, passamos a ser aquele zero à esquerda da virgula que significa nada. A morte leva-nos quase sempre a uma morgue mal cheirosa e aí começam os maus tratos infligidos a quem não tem o tal de padrinho protector, muitas vezes pago com os escassos tostões de uma contribuição familiar. Nos pobres, todos põem no pano o que têm e o que não têm, o kilape e o recurso a um agiota, são muitas vezes a solução para que consigam enterrar o seu ente em condições de se despedirem na hora da descida à terra.
Viemos do pó e ao pó voltaremos!
Todos sabemos que o nosso corpo vai virar pó mas continuamos a querer, para nossa satisfação, a endireitar os nossos, pô-los bonitos para que desçam com dignidade mesmo que em vida não conseguissem tê-la.
Aqui damos sempre uma muito especial atenção ao nosso morto.
Vi uns vídeos que retratam o estado da Morgue afecta ao hospital Josina Machel (onde são feitas as autópsias pelo serviço afecto ao MININT) e o seu estado é deplorável. Mesmo que a tenhamos, quando ali entramos passamos a ser nada e ficamos entregues às mãos untadas de quem lá trabalha, sem que dê qualquer garantia de que nossos vão ser bem conservados até à hora final.
O “negócio” com esta instituição pública, a Morgue, é de facturação permanente. Só as gavetas do “lado chinês” é que funcionam em pleno mas para se ter acesso à elas, é preciso ‘untar’ bem as mãos de quem lá trabalha. A outra parte, é onde são atirados aos três e quatro cadáveres numa só gaveta, apesar do seu deficiente funcionamento. Quem lá tem o corpo de seu ente, não pode arredar o pé e tem de fazer plantão, mesmo pagando o extra, para que consiga manter a conservação menos má. Sim, digo menos má, porque a tal câmara frigorífica funciona a apenas a meio da sua operacionalidade normal.
Mas, neste país tudo é normal!? De cima a baixo, tudo anda aos trambolhões e, como afirmou lá atrás o Emérito do MPLA, “cada um come onde trabalha”.
Quantos mais corpos entrarem em decomposição, mais os trabalhadores destes estabelecimentos públicos facturam, porque isso funciona como um argumento forte para propor às famílias, uma segunda solução: “desinchar os corpos e a aplicação de doses de formol, para que depois possam abrir o caixão para a última despedida, tapando a face com um lenço” (até porque quando os olhos saem das órbitas, nem com magia se consegue voltar a colocá-los na posição inicial). E neste complemento, são necessárias mais umas notas de 5 000, como se a cada pedra que chocamos na via nos saltasse notas equiparadas.
Cada vez mais entendo melhor porque razão cidadãos sem posses se mudam para as cercanias de hospitais ou das morgues, sempre que lá tenham familiares ou pessoas próximas.
O governo continua a envidar esforços para ser aceite lá por quem manda no mundo, abrindo-nos a todos que nem mabangas, para que eles venham e nos violem as entranhas, levando as nossas riquezas e dando-lhes o benefício da dúvida com os seus bolsos abarrotados. Com tanto terreno demarcado como Reserva do Estado, já agora, o que lhes custa então “fazer esforço” para construção da maior morgue de África ou mesmo do Mundo, para que se possa acondicionar convenientemente os nossos entes ja falecidos?
Viva o Presidente João Lourenço e seus auxiliares!
